Teto Preto comemora uma década de estrada e solta o verbo no disco “FALA”

08/11/2024

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Erick Bonder

Por: Erick Bonder

Fotos: Hick Duarte e Pedro Pinho/ Divulgação

08/11/2024

Diretamente da cena underground paulistana, a banda Teto Preto lançou no final de outubro, em 31/10, o seu segundo álbum, FALA. Formada por CARNEOSSO nos vocais, Entropia na guitarra e eletrônicos, e Marian Sarine no baixo e nas percussões, o grupo comemora dez anos de atividade em grande estilo.


Lançado pelo selo Mamba Rec, da Mamba Negra, o álbum conta com participações de Jup do Bairro, Getúlio Abelha, Saskia e Thiago França, além de visuais de Hick Duarte e do Estúdio Margem. Seis anos após o lançamento de Pedra Preta (2018), o grupo volta à cena com um trabalho provocativo, baseado em experimentações com sonoridades eletrônicas.

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A Tua Onda”: Poderosa, sensual e violenta, essa faixa abre o nosso segundo álbum com kicks potentes, percussão incansável, saxofones apocalípticos, riffs estridentes de guitarra e vocais afiados que conectam o rock, o industrial, naipes de afrobeat ao trap num mergulho em alta velocidade. Essa música nasceu da pista da MAMBA NEGRA para os maiores festivais do Brasil, e do mundo, como mais um hino convulsivo des corpes dissidentes em dança e resistência. Originalmente, a canção se chamava ‘VIOLÊNCIA’, mas mudamos para proteger o lançamento do shadowban. Nas ‘democracias’ e algoritmos atuais, nossos corpes podem figurar como vítimas em manchetes, mas nunca como protagonistas de nossas narrativas. Ou seja, essa música é exatamente sobre isso, ela faz um arco importante que começa na constatação da violência como dispositivo de identidade e vira no final para um domínio violentamente carinhoso e sensual de transformar essa energia em algo mais abundante. Como diz Julia Domna em Heliogabalo, de Antonin Artaud: nunca a inteligência sem o sexo, nem o sexo sem inteligência.

Fala“: Surpreendente, ousada, verborrágica, a canção título do álbum traz a participação especial da multiartista Saskia. Ela conduz uma trama voraz de vozes e camadas que se misturam, se atravessam, se complementam. Essa música é sobre lugares de FALA e de FAL(H)A também. Quanto e até onde a gente engole para proteger o que realmente precisa ser dito? Essa música deu trabalho. Começou em uma jam na nossa casa na Barra Funda com o Bica na cuíca e, nessa session, eu já entrei com o mood dos vocalizes e refrão. Essa música, esse “momento” da jam decantou como algo poderoso que a gente curtiu muito. Ela vinha dar voz a todas as coisas que a gente tem que engolir pra conseguir simplesmente realizar nosso trabalhos que inspiram e incomodam (muito). Falamos do que ninguém quer discutir. A pandemia aflorou muitas verdades sobre as pessoas e as relações. E a gente se transformou profundamente.


Para Sempre Vou Te Amar”: Essa música é sobre amor e superação, e foi escrita especialmente para o artista, cantor, performer e ex-integrante Loïc Koutana (L’Homme Statue). Ela traz a energia solar, abundante e delicada de uma relação que estará, para sempre, presente na identidade da Teto. Com o espírito do house intimamente conectado às origens do techno, a música contagia e emociona a cada novo ciclo. Como tem que ser, como a gente é. O refrão faz ainda uma provocação à tradição modernista parafraseando o Manifesto Antropófago (1928) de Oswald de Andrade – ‘Só me interessa o que não é meu’ –, reapropriado como uma possibilidade do contra-Narciso, o amor na diferença, amor verdade, amor de fato.

A Cor do Inimigo”: Nessa faixa Caetano Veloso “Verdura” encontra Portishead “Glory Box”, no Mamãe Bar, numa quinta-feira tumultuada pra escutar “Driving Me Backwards” do Brian Eno, cantado numa coisa meio Denise Assumpção “Nosso Pai’, que termina em Yoko Ono “Why Not?”. Ele está tomando um Fitzgerald e um Bloody Mary pra falar mal do Sérgio Moro, do Estado de Israel e outros trances-nuances. A gente brinca que é a música do Grammy, pois expressamos toda uma riqueza de arranjo embalada na dinâmica afetiva de uma canção de rock que se desenrola derretida, dramática e feroz. 


Queda pro Alto”: Escrita em homenagem a Anderson Herzer, padroeiro do álbum, essa faixa carrega no título uma referência ao primeiro relato de um homem trans a ser publicado no Brasil em 1982. Com um prefácio altamente problemático (transfóbico) e limitado (psicologizante), o livro A Queda pro Alto (1978) é um conjunto de textos extraídos dos diários de Anderson organizados por Eduardo Suplicy. Essa música é a manifestação da força de um homem corajoso, complexo e apaixonante que está, mais do que nunca, presente e pulsante nas futuras pelas quais lutamos.

Sem Vergonha”: Um hit de verão. Essa música chega bem humorada, melada, solar e dramática, com um forró eletrônico com ares de piseiro e drum’n’bass que retomam a tradição da canção no formato de dueto com o sad clown do forró, o querido Getúlio Abelha.  É uma trama provocante, guitarra envolvente, timbales sensuais, saxofone escandaloso, nos quais a gente se entrega a um universo sonoro afetivo para todes nós latines do brazyl. É uma música que fala, basicamente, dos farsantes e alpinistas sociais.


“Give Me My Money”: A música bilíngue do álbum: em inglês e pajubá. É uma canção integralmente trabalhada no deboche, que surgiu da gente pensando nesse final de show em tour internacional, que acaba sendo onde circulamos bastante. Os gringos são muito resistentes em entenderem, sem levar para o pessoal, que eles são GRINGOS. ‘Ah, mas o que é gringo?’. Gringo é toda gente que não for do sul global e de territórios que estão sendo alvo de genocídio pelo NORTE Global. Não é pessoal, é geo-político, é histórico. Então, se o bom gringo quer ser uma pessoa legal, que ele, num show por exemplo ou consumindo nossa cultura construída com muito sacrifício, lembre-se de PAGAR. Pagar SEMPRE. Se tá na dúvida, consuma. Compre merchandising, compre ingresso, reconheça, pague passagem, pague cachê decente, compartilhe acessos. Não faz mais do que a obrigação. 

“Te Colocar No Teu Lugar”: Essa foi a última música do álbum que fizemos, a mais divertida e a mais rápida. O álbum inteiro acabou sendo sensual, mas a gente estava sentindo falta de uma música mais explícita, mais espontânea e que eu escrevesse sobre a explosão de sabores que é estar solteira sem se sentir só, comer de tudo. Escrevi numa sentada numa época deliciosa em que transei muito, me apaixonei e não senti angústia. Uma das mulheres que mais me entende enquanto safada e mais inspira minha sexualidade é a Jup do Bairro, essa grande gostosa. E foi muito bom porque a gente tem umas coisas de se entender sem precisar se explicar uma pra outra. A Jup é uma amiga muito leal, uma mulher muito ponta firme, uma artista muito completa e complexa. É poeta, é pensadora e agente da nossa história, dos presentes e futuras. Esperei muito por esse momento de conseguirmos fazer uma música e um clipe juntas e foi um prazer imenso.


“Te Colocar No Teu Lugar (Remix)”: Esse é o primeiro remix do álbum que a gente já resolveu adiantar como faixa extra. O sonho de ter a Clementaum assinando essa colaboração já estava claro desde março, pelo menos, pra gente. E fomos atrás de desenrolar com a gata esse choque de monstras no meio da loucura das euro tour dela trazendo o molho do tribal chique que só a Cle saberia trazer para a TCNTL. A parceria com o Rodrigo Kills também foi uma surpresa muito bombástica que misturou com elegância o dubstep e o hardtechno característicos das mães.

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08/11/2024

Erick Bonder

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