“Eles usavam fraldas na época em que os Beatles tranformaram o comportamento, os cabelos e as roupas do mundo. Um pouco mais tarde, eram crianças que vestiam as calças do Rei e o chapéu do Tremendão. Cresceram ouvindo o rock e vendo nascer o rock brasileiro. Até que chegou a vez deles. Com o RPM, o rock nacional chegou à maioridade sem deixar de ser adolescente. A palavra de ordem era invadir”.
A abertura dessa matéria, que copia a entrada do Globo Repórter em homenagem ao grupo, veiculado em 1986, é a melhor maneira de dimensionar o que o RPM significou um dia para a música brasileira. A banda vendeu mais de cinco milhões de discos e ultrapassou todas as barreiras numa época que não existia internet.
Mas eles viviam um momento difícil naquela época. O sucesso e os problemas internos fizeram com que a banda se separasse no auge da sua forma. Eles até tentaram retornar uma vez, em 2001, mas o problemas logo reapareceram.
Mais maduros e estáveis, o RPM está de volta – e dessa vez é para ficar. Com um disco novo depois de mais de duas décadas, o grupo está excursionando novamente. E foi para fazer um apanhado dos altos e dos baixos do RPM que conversamos com Paulo Ricardo. Ele atendeu a nossa ligação, na última terça-feira, em meio a turnê de “Elektra”, que recém havia saído de Minas Gerais e já se preparava para embarcar rumo a Brasília, Porto Alegre e à Amazônia.
Depois de nove anos parados, vocês lançaram um novo disco, “Elektra”, em 2012. O que pode ser dito sobre essa nova fase do RPM?
É a melhor fase. Porque entre a primeira e essa, nós tivemos uma segunda volta, em 2001, em que tudo foi radicalizado. Então, se está acontecendo essa terceira, é porque nós realmente tivemos a conclusão de que nós queremos estar juntos. Depois do sucesso, nós passamos a divergir muito individualmente. E quando você tem uma experiência como essa, você não se contenta se o trabalho não está rendendo da mesma forma. Foi por isso que a gente parou, para não se tornar uma versão “aguada” do que a gente já tinha sido.
Após três idas e vindas, como está a relação de vocês, integrantes da banda?
A melhor possível. Em 2002, nós voltamos porque tínhamos uma proposta muito tentadora da MTV. Por outro lado, a volta de agora foi o resultado de várias conversas, de vários meses, de uma terapia de grupo, literalmente. Hoje, oito anos depois do daquele primeiro retorno, muita coisa é diferente. Agora temos a maturidade necessária para uma avaliação definitiva sobre nós mesmos, já que estamos todos com cinquenta anos. E quando a Globo fez aquele especial “Por Toda Minha Vida” contando a nossa história, nós vimos que criamos, nos anos 80, um conjunto de canções que marcaram época. Então, nossa terceira retomada foi justamente para continuar o que tínhamos parado. Nós voltamos muito mais felizes.
Do tempo que vocês começaram, do que sentem mais saudade?
Daquele tempo?! Ah, eu não sou do tipo saudosista. Se eu sinto saudade de alguma coisa, é da cena, que era muito alegre, de muitas bandas que se encontravam quase todos os finais de semana no camarim do Teatro Fênix, no Rio de Janeiro, entre as gravações do programa do Chacrinha. E também dos muitos festivais de rock que haviam na época, pelo Brasil inteiro. Sinto falta da efervescência. Hoje, nós que somos veteranos, não sentimos aquele frisson do começo de carreira, de uma garotada jovem e solteira, cujo único objetivo é a sua banda de rock. Infelizmente, isso não poderá ser reconstituído. Mas nós fomos privilegiados por fazer parte de uma geração que tinha um contexto musical interessante. Era uma coisa muito rica, eram muitas bandas. Dá um pouco de saudade dessa camaradagem.
E por falar nisso, o que você acha do atual cenário de música no Brasil?
Olha, não vivenciando é difícil ter uma opinião. O que eu acho é que o mar não está para o rock, né?! Eu acho que nós, desde a chegada a MTV, nos voltamos muito para o nosso próprio umbigo. Nós esquecemos de uma coisa, de que o rock nacional vai sempre brigar com o rock anglo-saxão. Antes de olhar para o mercado interno, a gente já nasce comparado com os grandes lá de fora. A responsabilidade e o desafio são muito grandes. É difícil mesmo.
Vocês foram considerados a banda que mais faturou dinheiro na história da música brasileira. No que vocês investiram esse dinheiro todo?
Independente do resultado material, eu falaria das concretizações dos sonhos. Para onde a gente chegou, apesar de muito jovens, a gente já tinha 21 ou 22 anos. Eu trabalhava com música desde os 16. Para chegar ali, foi uma coisa que a gente precisou ir nutrindo desde criança. Com sete anos, o Schiavon já ia para um conservatório de piano clássico. Então, eram sonhos muito enraizados que a gente conseguiu realizar num momento que não existia uma cena rock no Brasil. Nós abrimos até a nossa própria gravadora. No mais, é um grande privilégio poder viver de música. É quase uma missão. Não tem nada melhor do que olhar para o Stones e perceber que é possível continuar excursionando mesmo depois dos 70.
O RPM já lotou lugares como o estádio Palestra Itália, que deve ter sido um dos shows mais marcantes de vocês. E do pior, o que vocês se lembram?
Eu tive uma fase nos anos 90 que eu montei uma outra banda, chamada Paulo Ricardo & RPM, que era quase a formação original do grupo. Era uma época de peso para o rock, com várias bandas despontando, como o Nirvana, o Soundgarden e o Pearl Jam. E teve uma vez, em Curitiba, em 1993, que tocamos para 15 ou 20 pessoas. Nós não sabíamos que na noite anterior tinha tido um show do Faith no More. A galera tava toda destruída, de ressaca, sem dinheiro e o nosso show foi mal divulgado. Teve outros ruins, mas esse foi o pior show que a gente fez.
Você sempre foi considerado m cara bonito, galã. Muita gente fala que isso ajuda. Mas gostaria que você falasse o quanto isso atrapalha.
Qualquer tipo de distração pode atrapalhar. Seja uma preocupação mais estética ou qualquer outra coisa que não seja o ponto central. O Paul McCartney, mesmo depois dos 70 anos, continua fazendo show em Fortaleza, em Goiânia. Ele sempre foi considerado o beatle mais bonitinho, mas isso não é relevante porque a música dele fala mais alto. O Mick Jagger sempre foi considerado um sex symbol e isso não dificulta. O que eu acho é que se a beleza fosse determinante, a gente iria numa agência e montaria uma banda de modelos. O público também não é bobo e é o seu trabalho que vai dizer se aquilo que você faz é consistente ou não. No ponto de vista pessoal, isso é lisonjeiro, mas não interfere em nada. A frase “eles são tão feitos que isso os tornam atraentes” é tão rock n’ roll quanto a beleza.
A música que vocês fizeram para o Big Brother é sucesso total. Vocês participariam de um reality show, como o BBB ou A Fazenda? Ou preferem ver isso só de fora?
Da forma que é o Big Brother e A Fazenda, não dá para a gente imaginar. Nós não somos mais pessoas desconhecidas, corpinhos jovens e sarados que vão ser catapultados para a fama. Mas a gente participaria de um reality show de rock, é claro. O Ozzy tem um, o Gene Simmons tem um, o Paul Stanley tem outro. Essa é uma tendência muito forte nos Estados Unidos que pode ser feita aqui sim, por que não?! Não nos moldes do Big Brother, mas da nossa realidade. Um reality show do RPM seria uma possibilidade.