A trajetória de Johnny Araujo, assim como muitos diretores e produtores de sua geração, é marcada pela música. Aos 13 anos, o carioca teve uma banda de garagem e, na época do estágio, começou em uma produtora — foi quando teve o primeiro contato com as câmeras e os equipamentos que o acompanhariam dali em diante.
Esse ambiente propiciou sua entrada na direção de videoclipes para a MTV. É quando Johnny começa a definir sua estética pautada em uma linguagem jovem e irreverente, que mistura artes gráficas, como os quadrinhos, cortes acelerados e a música (sempre ela) dominando a cena. “O VMB formou vários diretores que migraram para o cinema. Foi uma fase muito importante e de criatividade”, explica, em entrevista à Noize.
Johnny dirigiu videoclipes marcantes para gente como Charlie Brown Jr. e Marcelo D2. Foi premiado como Melhor Diretor no Video Music Brasil (VMB) em 2003 e 2004, com os videoclipes “Qual É?” e “Lodeando”, ambos de Marcelo D2. Sua colaboração com Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr., resultou no filme O Magnata (2007), cujo roteiro foi escrito pelo próprio Chorão.
Além de O Magnata, Johnny Araújo dirigiu outros filmes, como Depois de Tudo (2015) e Chocante (2017). Na televisão, esteve à frente de séries como Alice (2008) e FDP(2012). Entretanto, um dos projetos mais significativos de sua carreira é a série “Sintonia”, da Netflix.
A série aborda a interseção entre música, tráfico de drogas e religião em uma comunidade periférica de São Paulo, e Johnny enfatiza a importância de retratar essa realidade com autenticidade, dando voz à periferia e mostrando sua riqueza cultural.
Confira a entrevista completa:
Aliar música e cinema sempre foi um desejo seu? Como tem início sua trajetória no audiovisual?
JA: A música e o cinema sempre esteve presente na minha vida desde cedo. Eu sou o caçula de 7 filhos, então, todo o repertório musical e audiovisual dos meus irmãos acompanhou a minha vida. Cheguei a ter uma banda de garagem aos 13 anos. Mais tarde, quando eu comecei a estagiar numa produtora, tive acesso a uma estrutura que, na época, era muito restrita. Câmeras, equipamento de luz, ilha de edição, estúdio. Aí vieram os clipes pra MTV, a premiação do VMB era um acontecimento e formou vários diretores que migraram para o cinema. Foi uma fase muito importante e de criatividade.
Como foi o convite para participar da produção de O Magnata? Como era trabalhar com o Chorão na parte criativa?
JA: O Chorão viu um clipe meu e gostou muito. Me procurou e, a partir daí, ficamos muito próximos. Fiz muitos clipes do Charlie Brown, e ele também era muito interessado em cinema, extremamente participativo nos roteiros dos vídeos. Um dia, ele me chamou na casa dele e literalmente me contou a primeira versão do roteiro do “Magnata”. Ele não leu o papel com o roteiro escrito, ele interpretou a história toda. Aí me entregou um roteiro gigante, dizendo que aquilo daria um filme.
Eu peguei o roteiro e pedi um tempo pra descobrir como fazer essa ideia virar realidade. Fui apresentado ao Fabiano e ao Caio, da Gullane, uma produtora que tinha uma trajetória muito interessante e experiente, e a coisa aconteceu de uma maneira rápida e orgânica. Eles adoraram a ideia de fazer um filme que abordava a cultura urbana de São Paulo e seguimos em frente. Daí nasceu essa parceria que dura mais de vinte anos. Fizemos vários projetos juntos, o mais recente e que foi muito gratificante foi a série “Sintonia”.
Qual a melhor lembrança da gravação do clipe de “Qual É?” Tinham tantas pessoas queridas presentes ali, né. Conta pra gente como foi a concepção dessa ideia?
JA: O Marcelo também me procurou na época pelos clipes, isso em 2002. Ele estava preparando o lançamento do disco solo A Procura da Batida Perfeita, e na primeira reunião as ideias bateram de cara. As referências que eu levei para “Qual É” eram, na grande maioria, as mesmas que ele tinha na cabeça. Também acabei fazendo vários clipes juntos e criamos uma relação de amizade que existe até hoje. Coincidentemente, fizemos um longa, o Legalize Já, contando o início da trajetória do Planet. O “Qual É” foi e ainda é um clipe que eu tenho um carinho enorme. Foi uma experiência única, guardo no coração.
Levamos 1 mês preparando o clipe, morando temporariamente no Rio, conhecendo a cultura da cidade que não está nos cartões postais. Vivemos um processo muito coletivo de criação. Filmamos em lugares muito importantes na vida do Marcelo e com pessoas que eram referência pra ele no samba: Arlindo Cruz, Bezerra da Silva, entre outros. E principalmente a família dele, os filhos, ressaltando o primeiro registro do Stephan (hoje Sain), que seguiu o mesmo caminho musical e vem se destacando no cenário; a mãe dele, Dona Paulete, uma das pessoas mais incríveis que eu conheci. Foi muito bonito e o resultado do clipe, muito positivo.
E o clipe de “Só Por Uma Noite”, lembro até hoje do impacto da estreia dele na MTV. E tinha essa coisa metalinguística, de satirizar o videoclipe como formato… Como era essa experimentação na época da MTV? Vocês se sentiam incentivados a essas inovações? O que você acha que mudou no universo dos videoclipes de lá pra cá?
JA: A MTV foi um divisor de águas no cenário musical. Foi quando as pessoas podiam realmente ter acesso visualmente aos artistas dentro de casa. Sendo pelos videoclipes, pelos shows, pelas entrevistas. E foi uma época importantíssimaporque abriu espaço para o audiovisual e, principalmente, para a oportunidade de experimentar linguagens, conceitos, a experiência de escrever uma ideia que fosse transportada numa música para a tela. Muitos diretores nacionais e internacionais começaram nessa época – e muitos migraram para o cinema. Realmente foi uma grande mudança de perspectiva num momento em que nós tínhamos pouco acesso a tecnologia e a equipamentos. E o VMB era a nossa vitrine, nossa e das bandas. Todo mundo parava pra acompanhar a premiação.
Hoje o acesso a tudo isso é muito mais democrático, existem diversas plataformas. A internet te permite acessar muita gente e de uma maneira mais efetiva. E isso trouxe oportunidade para muitos talentos. Fico muito feliz de ver tanta gente nova podendo se expressar e mostrar seu trabalho.
E como foi o trabalho em “Sintonia”, especialmente pela série ter essa pegada musical? Qual foi o maior desafio que a produção trouxe e o que foi mais legal realizar?
JA: Sintonia foi um presente na minha trajetória. Ter a oportunidade de realizar 5 temporadas, praticamente 7 anos de trabalho, é realmente uma experiência única. Essa longevidade trouxe muitos aprendizados, muitas reflexões sobre o mercado de audiovisual no Brasil. Não ficou só no meu trabalho como diretor, ampliou muito o leque de conhecimento, tanto na parceria artística com a Gullane, produtora da série, como na troca com o departamento criativo da Netflix, que foi sempre fundamental para o crescimento de todas as temporadas. E também o alinhamento com o marketing que trabalhou muito bem a divulgação da série.
Falando do projeto, Sintonia começou com uma pegada muito musical, com o funk como o carro-chefe – consolidando ainda mais o gênero para uma audiência que já consumia, assim como para quem ainda não conhecia tanto assim. Com o natural amadurecimento da série, os outros núcleos foram crescendo e ganhando espaço, e isso na minha opinião é o que fez Sintonia chegar onde chegou. A trajetória dos 3 personagens da série tiveram a mesma importância e visibilidade, a amizade retratada ao longo das temporadas, o que cativou um público fiel que torceu por esses três atores incríveis.
Sintonia”: festival gratuito em homenagem à série confirma Racionais MC’s
Assim como os outros tantos atores que deram vida a essa história. E o maior cuidado de todos os envolvidos no projeto foi mostrar a realidade desse universo com uma visão de dentro pra fora. Mesmo sendo uma ficção, a autenticidade era o nosso horizonte em todos os assuntos abordados no projeto e principalmente sem juízo de valores, sem julgamentos. Era muito gratificante para quem fazia parte de Sintonia ver a resposta das pessoas, a importância de uma geração se ver retratada sem estereótipos. É importante dar es