Adeus, maestro: Leia trecho da última entrevista de Letieres Leite

27/10/2021

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Uanderson Brittes/Divulgação

27/10/2021

A música brasileira perdeu ainda na manhã de hoje, 27, um de seus nomes mais geniais: Letieres Leite. O arranjador, compositor, instrumentista e CEO do Instituto Rumpilezz, formado por Orkestra Rumpilezz, L L Quinteto e Rumpilezzinho, teve sua morte confirmada pela família ao portal G1, ainda sem maiores informações sobre suas causas.


Nascido e criado em Salvador, na Bahia, o músico de 61 anos construiu uma trajetória brilhante. Como principal legado, ele deixa um trabalho decisivo para a concepção rítmica da música brasileira, especialmente na música baiana, cena que lhe era íntima. Na lista de parcerias, nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Hermeto Pascoal, Elza Soares, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Daniela Mercury, BaianaSystem, Liniker, Larissa Luz, Zé Manoel e muitos outros.

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Letieres e a Orkestra Rumpilezz estão presentes no álbum Indigo Borboleta Anil (2021) de Liniker, lançado em vinil na edição NRC # 053 do Noize Record Club. Em nossa revista # 117, que mergulha no universo do álbum solo da cantora e compositora paulista, publicaremos uma longa entrevista com o maestro, feita pelo nosso colaborador GG Albuquerque. Tudo indica que essa seja a última entrevista de Letieres Leite. Abaixo, como forma de homenagem, compartilhamos um trecho dela. Obrigada, maestro!

Letieres Leite (Foto: Uanderson Brittes/Divulgação)

Trecho da entrevista de Letieres Leite, presente na revista Noize # 117

“Não existe síncope nesse universo. Eu não falo só da música brasileira, falo de onde a música foi formada pela diáspora negra. Para ser considerada síncope, nós precisamos balizá-la usando como referência uma música que tenha o tempo forte no chão. E que esses tempos, que são considerados “fracos” e se tornam fortes, passam a ser chamados de síncope. Mas raciocine comigo: se eu estou falando de uma música — frevo, baião, maracatu, congado ou o que seja — em que esses acentos acontecem constantemente, de forma estruturada, eles são a razão de existir dessas músicas. Então por que vou chamar isso de exceção? O significado de síncope é exceção, mas nessas músicas ela não é a exceção, é a regra.

Você vai falar em síncope na música de James Brown?! Que maluquice é essa? Aquilo ali acontece toda hora! Na música cubana também! Não é uma exceção, é a regra. Como é que você pode chamar a regra de exceção? É porque esses currículos foram elaborados com uma orientação bastante eurocêntrica — isso eu posso falar de cadeira por ter estudado na Europa. São livros que falam do ritmo desconectado da sua origem étnica, desconectado do seu deslocamento geográfico, dos seus corpos, dos grupos religiosos que os mantém. Por isso o meu discurso, muito pessoal, é de que não há síncope nessas músicas. Há, sim, um deslocamento [rítmico]. E esse deslocamento para o ar eu vou chamar de um deslocamento natural. Aliás, um deslocamento cultural, porque representa as culturas.

Eu sempre digo que esses pequenos toques que representam esse DNA, que eu chamo de clave rítmica, são como um chip de computador. Se pegar um toque aqui, você consegue identificar o deslocamento (de que lugar do Brasil e de que lugar da África saiu) e de qual grupo é. Isso não foi considerado um objeto de de estudo profundamente na maioria das escolas de música”.

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27/10/2021

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