Alzira E revisita arquivos para compor o disco “Senhora do Tempo” 

20/09/2024

Powered by WP Bannerize

Isabela Yu

Por: Isabela Yu

Fotos: Divulgação/ José de Holanda

20/09/2024

Neste final de semana, entre os dias 21 e 22 de setembro, o Centro Cultural Penha, em São Paulo, receberá a ocupação Alzira E. Além da exposição com desenhos, figurinos e fotografias do acervo da artista, haverá o show de lançamento do disco Senhora do Tempo, lançado na última sexta-feira, 13/9, e exibição do documentário Aquilo que eu nunca perdi (2021), da diretora Marina Thomé. 

“Chamamos de ocupação, mas é uma exposição para o público entender mais sobre a minha música, quero tentar ampliar esse entendimento”, explica a compositora. Com quase 50 anos de carreira e 16 álbuns de bagagem, Alzira se mantém em movimento, criando a partir de linguagens variadas e em parceria com colaboradores de diferentes gerações. 

*

Com Marcelo Dworecki, parceiro de banda no Corte, que inclusive lançou o segundo disco, Mata Grossa, no ano passado, ela elaborou o novo trabalho a partir de composições guardadas desde 1976. “A gente amarrou uma com a outra para contar uma história de vida”, divide sobre o início do processo. 

Com 12 composições, o trabalho traz frescor à trajetória da artista ao propor uma sonoridade minimalista. “É da onde nasce a minha composição: da voz e do violão. Tinha 15 discos e nenhum assim”, comenta Alzira. A mais antiga, “Oriente”, é de 1976, e a mais nova, “Não se Assuste”, foi escrita em 2022. Lançada como single no final de agosto, “1 ou 20”, vem diretamente de 1987. 

O projeto foi elaborado na esteira do documentário, pois a diretora digitalizou o acervo da compositora, que desde meados da década de 1970 vinha guardando ideias de músicas em páginas de cadernos, fitas cassetes e CDs. “Eu nunca tinha tocado as músicas que pincei desse arquivo, elas são como novas para mim. Apenas três delas estavam comigo na estrada, mas nunca tinham sido gravadas”. 

Por aqui, não há espaço para nostalgia pois grande parte delas haviam sido esquecidas conforme o tempo avançava: “Faço música por inspiração, não tenho objetivo para elas, tanto que essas composições ficaram anos guardadas. Mas se a música quer ser ouvida, ela dá um jeito, você sente. Quando faço música é para ser ouvida, mas não estou pensando se eu ou alguém vai cantar”. 

O processo de escavação do passado trouxe à tona surpresas deliciosas. Ao escutar os arquivos, ela encontrou a voz de amigos que já se foram, caso de Itamar Assumpção. Em meados dos anos 1980, a dupla gravava as próprias ideias em cima das fitas K7 de outros artistas: “É bizarro, tinha as nossas vozes, de repente, aparecia o Djavan cantando, depois mudava para o barulho de casa, das crianças chorando…” 

Ao longo do tempo, Alzira somou colaborações com Itamar Assumpção, Almir Sater e Alice Ruiz. Na virada do milênio, chegaram os parceiros do Corte – Marcelo Dworecki, Cuca Ferreira, Daniel Verano e Fernando Thomaz –, Tiganá Santana e Gustavo Galo. Fora Iara Rennó, sua filha, e Anelis Assumpção, herdeira de Itamar. 

Para a coisa fluir entre eles, é necessário ter um fogo inicial: “No caso dos meus parceiros letristas, eles me provocam com o que escrevem. Muitas das nossas composições surgem de conversas e observações, às vezes não são momentos poéticos. Quando sinto esse verbo, começo a ouvir a música para pegar o violão. Acontecia muito com o Itamar – o verbo tem que me pegar”. 

Em uma das passagens do documentário, enquanto conversa com Alice Ruiz, a poeta diz que queria ser música, enquanto Alzira fala que queria ser poeta. O encontro entre elas flui por lugares inesperados: “A gente senta e resolve porque o assunto está maravilhoso. Não me enxergava como poeta porque não dedico a minha vida para escrever. Eu sei o que o poeta faz, não me considero, mas posso me dedicar a isso. Agora me descobri desenhista, mas entendo que quando você carrega um título, você tem que se dedicar”. 

Para além da letra, da música e do desenho, Alzira se enxerga como compositora, papel que exerce com orgulho. Naquele momento, era ainda mais raro ver mulheres assinando as próprias composições, sem contar casos como Marina Lima e Rita Lee. De acordo com dados da União Brasileira de Compositores, divulgados em março deste ano, apenas 10% dos rendimentos dos direitos autorais são das mulheres. 

“Para mim, era normal, nunca foi uma sangria me ver como compositora, era completamente normal fazer a minha música. Nunca me coloquei no lugar de não ser aceita. Vejo o panorama mais amplo hoje em dia, mas o buraco é mais embaixo, o problema do homem como macho na nossa sociedade.”  

Com quase cinco décadas de carreira, Alzira começou a carreira no início dos anos 1970 influenciada pelos irmãos Tetê, Geraldo, Celito e Jerry. Nesta época, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, eles eram influenciados pelo rock progressivo, por Pink Floyd, Led Zeppelin, Janis Joplin, pela contracultura e pelo movimento feminista. 

O espírito daquela época foi sendo ressignificado, mesmo em tempos de conservadorismo: “Cultivei esse sentimento pelo ângulo que vejo a vida. Foi pela necessidade de me renovar por tantas coisas que passei, isso faz parte de mim e da minha música. Como falei no filme, eu e o meu trabalho somos uma coisa só.” 

Mexer no vespeiro da memória durante a criação do filme não foi só flores, havia muitos espinhos apagados pelo tempo. Durante dois anos, entre 2020 e 2021, Alzira ficou imersa no próprio arquivo. Depois de colocá-lo no mundo, entendeu que a sua história ressoava em outras pessoas: “Foram muitos momentos nostálgicos, às vezes doídos, o filme mexeu comigo nesse sentido. Mas depois de finalizado, ele não representa mais essa minha vida que já se foi. Comecei a ver pelo olhar da diretora, que traz um assunto mais político, poético e empático dentro do mundo. Não é mais o meu mundinho, é o mundo todo.” 

LEIA MAIS

Tags:

20/09/2024

Isabela Yu

Isabela Yu