Baseado em Fatos Reais: como foi a gravação do DVD de 30 anos do Planet Hemp

16/07/2024

Powered by WP Bannerize

Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Ariel Fagundes

16/07/2024

“A gente já fez muito show na nossa carreira, mas esse realmente tem um teor especial. Eu, o Gustavo [Black Alien] e o Bernardo [BNegão], a gente esteve junto no aniversário do Gustavo, um tempo atrás, e a gente estava falando sobre sobreviver, tá ligado? Tipo, como é difícil sobreviver nesse país”, diz Marcelo D2 na coletiva de imprensa realizada pouco antes de o Planet Hemp subir ao palco do Espaço Unimed para a gravação de Baseado em Fatos Reais, o DVD comemorativo dos 30 anos da banda, no último dia 11. “A gente se reconheceu como sobreviventes, olhando um pro outro: ‘Meu irmão, que loucura, estamos aqui [risos]’, diz BNegão. “Estamos aqui, vivendo, fazendo 50 anos. Bicho, que foda!”, completa D2.

A emoção da banda encontrava eco no estado de espírito da plateia. Cerca de 7 mil pessoas aguardavam o começo do show, muitas delas colaborando com a cenografia do espaço, oferecendo uma densa névoa perfumada que se espalhava pelo ar. Além da reunião de D2, BNegão e Black Alien, esperada pelos fãs há mais de duas décadas, a apresentação contaria com outros músicos que tiveram passagens importantes pela banda, como Seu Jorge, Zegon, Apollo 9, Daniel Ganjaman e Jacksom. Além deles, BaianaSystem, Emicida, Criolo, Pitty, Major RD, Mike Muir (do Suicidal Tendencies), As Mercenárias, Kamau e Rodrigo Lima (do Dead Fish) completavam a lista. 

*

Foto: Ariel Fagundes

Era cerca de 21h50 quando os telões se ligam, ao que o público responde entoando gritos de ordem emblemáticos da luta antiproibicionista no Brasil, como “Uh, legaliza! Uh, legaliza!” e “Ei, polícia! Maconha é uma delícia!”. Quando as luzes se acendem e o grupo entra, podemos ver que o palco está montado com uma decoração repleta de plantas (lícitas), com os espaços delimitados para o baterista Pedro Garcia e para o naipe de sopros, por exemplo, emulando estufas de cultivo indoor de Cannabis. O baixista Formigão, cofundador do Planet, assume o lado esquerdo, já o guitarrista Nobru, membro da banda desde 2015, fica na direita, deixando o centro para D2, BNegão e os convidados.

O show começa com “Jardineiro”, faixa de JARDINEIROS (2022), que faz uma ponte com início da banda, pois cita no refrão “Não Compre, Plante”, faixa do disco de estreia, Usuário (1995). Na sequência, um medley de dois clássicos: “Ex-Quadrilha da Fumaça”/”Fazendo a Cabeça”. A temperatura já estava alta quando chegam os primeiros convidados, Criolo, para participar de “Distopia”, Major RD, em “Taca Fogo”, e Rodrigo Lima, em “Fim do Fim” — as três do disco de 2022. “O Criolo já virou membro do Planet”, disse BNegão antes do show. “O Major RD é o caçulinha da galera, e ele tem um estilo rock que é muito parecido com o Planet Hemp. O Rodrigo, eu mandei a base pra ele [de “Fim do Fim”], e sei lá, dois dias depois, ele mandou a letra. Aí ele está aqui pra defender a música dele, que nem puxador de samba”, disse D2.

Na sequência, outros dois hits antigos inflamam o público: “Legalize Já” e “Stab”. A última trouxe Zegon nas pickups e Jacksom na guitarra solo, o que não poderia ser mais apropriado, pois foi ele o compositor do icônico solo de “Stab”. Já “Legalize Já” e as três anteriores contaram com Ganjaman na guitarra, e ele comentou como foram os ensaios para esta noite: “A gente se juntou pra tocar algumas músicas antigas e falou: ‘Vamos dar uma mexida nos arranjos?’. E aí saiu algo que não se parece com nada, o que é incrível. Quando a gente se junta, tem um lance que acontece ali. Vem algo muito único mesmo, muito autêntico. O Planet Hemp tem uma coisa muito autêntica, que impossibilita o rótulo de datado”.     

Foto: Ariel Fagundes

De fato, ainda que o show fosse a celebração de uma história de três décadas, nada soava como uma volta ao passado, mas sim como propostas ao futuro. A ousadia expressa no som também está nas letras, cujas denúncias lamentavelmente seguem atuais. “A gente está num lugar que as coisas demoram muito a mudar, quando mudam. Se você escreve sobre uma coisa de forma mais profunda, infelizmente, fica valendo por um bom tempo. As nossas letras estão todas valendo. Vou ficar felizaço no dia em que uma letra nossa estiver superada, e que não precise mais cantar ‘Legalize Já’ e tal”, comentou BNegão. “Com o que está todo dia no jornal, dá pra escrever uma letra do Planet Hemp”, acrescenta D2. 

Após “Stab”, a caravana segue com a chegada de Seu Jorge, Emicida e Apollo, que se unem pra fazer “Nunca Tenha Medo”, faixa extra lançada em JARDINEIROS: A COLHEITA (2023). “O Emicida, se ele fumasse maconha, ele poderia ser do Planet Hemp”, brincou D2: “O Emicida, porra, é um furacão. O que ele fez com o rap nacional, com a Lab Fantasma, com o AmarElo (2019), é foda para caramba. E é ele e o Seu Jorge na mesma música, incrível”. Celebrando o experimentalismo do grupo, a música seguinte foi “Biruta”, faixa instrumental de Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára (1997), na qual abdicamos de ouvir a voz marcante de Seu Jorge, mas por um ótimo motivo: vê-lo tocando flauta transversal.

Então, a banda anuncia a chegada de Black Alien, que chega pra tocar um bloco de quatro músicas: “Queimando Tudo”, “DeisDasSeis”, “Zero Vinte Um” e “Contexto”. Para os fãs, foi muito emocionante o reencontro; no telão, víamos Criolo e Seu Jorge vendo tudo da coxia, visivelmente tocados pela energia que emanava daquele trio. “O Gustavo é um membro flutuante do Planet Hemp, foi muito legal cantar com ele aqui. Porra, tinha 20 anos que a gente não cantava ‘Queimando Tudo’ nós três juntos”, comentou D2. O show continua com “Quem Tem Seda”, clássico do disco A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000), e segue com “Puxa Fumo”, “Onda Forte” (com Kamau), “Não Vamos Desistir” (com Black Alien) e “Hip Hop Rio”. “Tem que respeitar, o Kamau é fundamento da cultura hip hop. Total, ele sabe tudo”, disse D2. 

Foto: Ariel Fagundes

O bloco final começa honrando a relação do Planet com o hardcore. Primeiro, vem “100% Hardcore”. Nessa, D2 e BNegão descem ao meio da plateia e pedem pra que o público forme a roda punk ao seu redor: “Vamos fazer a maior roda gigante de São Paulo”, convida BNegão. Enquanto a multidão circulava em um verdadeiro redemoinho humano, a banda adicionava à música os versos: “O gira, deixa a gira girar…”. Arrepiante. 

Depois, eles convidam Mike Muir pra cantar “Salve Kalunga” (do JARDINEIROS: A COLHEITA), e “War Inside My Head”, do Suicidal Tendencies. “É mestre. Fiquei emocionadaço”, diz BNegão. “Salve Kalunga” é uma música que cita Fábio Kalunga, baixista do grupo Cabeça (no qual tocava Nobru, atual guitarrista do Planet) e com quem BNegão era parceiro no Seletores de Frequência. Kalunga faleceu em 2017 e era um grande fã do Suicidal, por isso a homenagem. 

D2 comenta como a concepção do show foi impactada pela celebração da memória de pessoas importantes para a banda. “Com essa coisa de ficar pensando nesses 30 anos e tal, começou um saudosismo: ‘Puts, queria que o Skunk estivesse aqui, que o [Marcelo] Yuka estivesse aqui, que o Speed estivesse aqui, que o Kalunga estivesse aqui… Essa coisa saudosista pra caramba”. “O Kalunga, na primeira vez que a gente se encontrou, ele falou de Suicidal. É um negócio muito forte pra gente”, lembra BNegão.  

Foto: Ariel Fagundes

A próxima é “A Culpa É De Quem” e então chegam As Mercenárias, uma das bandas precursoras do punk no Brasil, para tocar sua música “Me Perco”. “A gente é formado pelas bandas do underground dos anos 80, dentro delas temos grandes mestres gigantes. Queria que vocês recebessem com muito carinho as nossas mestres: Mercenarias”, anunciou BNegão. “A ideia era ter alguém dessa geração que formou a gente, do punk rock de São Paulo, que foi uma galera muito importante pra gente. Mercenárias é uma aula pra gente, de comportamento, de voz, de posicionamento”, disse D2. 

Depois, chega outro ícone femínino do rock nacional, Pitty, com quem a banda faz “Admirável Chip Novo”, gravada recentemente pelo Planet no disco dela ADMIRÁVEL CHIP NOVO (REATIVADO) (2023). “A Pitty é camarada desde o tempo do Inkoma, muito antes de gravar o primeiro disco, estava com a gente sempre em Salvador”, conta BNegão.

A noite se encaminha para o final com “Samba Makossa”, composição de Chico Science, lançada em seu trabalho com a Nação Zumbi. Gravada pelo grupo no DVD Planet Hemp – MTV Ao Vivo (2001), a música também fez sucesso na versão presente no disco Acústico MTV – Charlie Brown Jr. (2003), na qual D2 divide com Chorão os vocais. “Essa aqui é pro Alexandre Chorão”, anunciou D2 antes de tocarem.  

Foto: Ariel Fagundes

Com seu andamento mais devagar, “Samba Makossa” proporcionou o respiro necessário para que o público e a banda assimilassem o que estava por vir: o encontro do Planet Hemp com o BaianaSystem. Mais de duas horas de show já tinham se passado, mas era impossível pensar em cansaço quando eles entregaram a surpresa de uma espécie de mashup ao vivo de “Dig Dig Dig (Hempa)” com “Duas Cidades”, do Baiana. “Quando a gente começou a pensar nos convidados, a primeira coisa que a gente pensou foi: Baiana e Planet Hemp juntos vai ser foda”, comentou D2 antes do show — e ele estava certo.

Como uma típica gravação de DVD, algumas músicas precisaram ser repetidas, o que até então só havia acontecido em “Admirável Chip Novo”. Depois do Baiana, o Planet tocou de novo “War Inside My Head”, “Jardineiro”, “Legalize Já” e “Me Perco”, como se fosse um grande bis. Encerrando a noite, vários convidados voltam ao palco, D2 chega com um baseado inflável gigante em mãos, e eles tocam a derradeira “Mantenha o Respeito”, fechando (e acendendo) uma noite histórica na trajetória da banda.

 

Fotos: Ariel Fagundes

Tags:, , , , , , , , , ,

16/07/2024

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

Ariel Fagundes