Caetano Veloso e a genialidade no DNA

20/12/2017

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Rodrigo Laux

Por: Rodrigo Laux

Fotos: Vitória Proença

20/12/2017

Quando entrou no palco do Auditório Araújo Vianna em Porto Alegre, Caetano parecia apressado. O público – que enchia a tradicional casa de shows da cidade com gente de todas as idades – ainda o saudava em meio a gritos e aplausos quando Caê pegou o violão e saiu cantando abruptamente o seu hino seminal tropicalista “Alegria, Alegria”. Tudo acompanhado dos seus filhos Moreno, Zeca e Tom, que se olharam rindo, transparecendo se surpreender tanto quanto eu com a urgência do pai em começar. Que coisa linda é o impacto de ver, logo de cara, Caetano sendo Caetano.

Daí em diante, ele ainda pareceu um pouco apressado ao não permitir muito espaço entre as primeiras músicas, mas os intervalos logo foram se transformando em pequenas e muito bem-vindas conversas com o público, que vibrava e correspondia com com empolgação aos eventuais comentários bem-humorados que vinham principalmente dele e de Moreno.

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Ainda no início do set, Caetano abre espaço para o filho Zeca tocar uma de suas composições, o que acertadamente já dá a dica de dois fatos cruciais sobre o show: primeiro que haverá espaço também para composições dos filhos, e segundo que elas são muito boas. Zeca executou ao piano a sua linda e melancólica “Todo Homem”, cantada toda em falsetes, o que me remeteu um pouco a “Alguém Cantando”, faixa que encerra o álbum Bicho (1977), de Caetano. A lembrança acabou fazendo mais sentido do que eu pensava: no meio do show, “Alguém Cantando” entrou no set e foi cantada pelo próprio Zeca.

Antes de tocar “Boas Vindas”, faixa do Circuladô (1991), Caetano lembra que a música foi feita quando Zeca nasceu. Ela recebe o acompanhamento de uma faca e um prato tocados por Moreno, assim como na versão original, onde um prato e uma faca são tocadas pela lendária percussionista baiana Dona Edith dos Pratos. Aliás, a faixa original também conta com Gilberto Gil, que assim como Moreno Veloso, esteve em Porto Alegre poucos dias antes para o seu show em homenagem aos 40 anos do álbum “Refavela”.

Prato e faca não foram os únicos instrumentos incomuns tocados por Moreno no show. Ele também toca uma espécie de papel lixado na clássica “Trem das Cores”, que saiu originalmente em outra pérola de Caetano, o Cores, Nomes de 1982. Ainda desse disco, o quarteto também apresentou “Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê”, faixa que – como Caetano fez questão de ressaltar no show – foi composta em parceria com o próprio Moreno Veloso, na época com apenas 9 anos. “Moreno fez a letra”, disse Caetano. Na versão original Moreno repete “Ilê Aiê” com a sua voz de criança, agora interpretada pelo irmão caçula Tom.

Tom Veloso, de apenas 20 anos, surpreendeu com muito gingado e irreverência ao dançar de forma que variava entre o cômico e o incrível a nova música de Caetano “Alexandrino”. A faixa faz referência ao verso alexandrino – de 12 sílabas – e revela que o gosto de Caetano pelo funk carioca não parou no “Abraçaço” com “Funk Melódico”. O som contou com um beat programado que Zeca soltou em seu piano, destoando da vibe mais acústica do show, o que mais uma vez levantou o público no Araújo.

Como era de se esperar, os clássicos de Caetano eram os momentos de maior emoção e delírio. Foi assim em “Reconvexo”, que Caetano fez pra sua irmã Maria Bethânia, “Gente” – mais uma do Bixo que completou 40 anos em 2017 – e “Oração ao Tempo”, do Cinema Transcendental (1979), faixa que – na minha humilde opinião – traz uma das letras mais sublimes de Caetano.

Depois dela, Caê contou uma história curiosa: disse que nunca foi religioso e que, por um tempo, chegou a ser completamente anti-religião, mas que seus filhos todos eram. Disse que Zeca e Tom são cristãos, e que Moreno é “macumbeiro e flerta com o hinduísmo”. Na sequência, disse que a sua opinião anti-religião começou a ser quebrada justamente em uma conversa com Moreno, que foi a primeira pessoa a usar um argumento que desconstruiu o seu ateísmo convicto. “Mas eu não vou dizer qual o argumento porque é complicado demais”, disse Caetano arrancando risos e um uníssono “aaahhh” da plateia.

Outro clássico que emocionou foi “Leãozinho”, tocada por Moreno a pedido do pai. Moreno brincou dizendo que não entendia por que seu pai queria que ele tocasse a música, já que Caetano estava ali presente e poderia fazer isso ele mesmo. Em tom bem humorado, alegou que, não é porque ele era seu filho, que teria os mesmos talentos do pai, dando o exemplo de que o seu avô era telégrafo e nem por isso Caetano entendia de código morse.

A família seguiu impecável, alternando entre sons introspectivos com harmonias vocais muito bem executadas – quase como uma espécie de Crosby, Stills, Nash & Young brazuca – e alguns sambas mais animados, proporcionando mais um dos momentos de delírio do público quando Caetano e Moreno sambaram juntos ao som de uma composição de Moreno chamada “How Beautiful Could a Being Be”, em que ele canta em inglês de um jeito bem brasileiro.

Foto: Vitória Proença

Seja pela vitalidade de Caetano – que aos 75 anos ainda exibe voz primorosa para executar suas composições repletas de atemporal beleza melódica, criativa e filosófica – ou pelo talento, serenidade, sintonia e desenvoltura dos filhos, o show Caetano Moreno Zeca Tom Veloso é uma experiência que surpreende, acalenta, alegra e engrandece. É a comprovação de que, independente da proposta, jamais podemos duvidar da qualidade e do êxito de um Veloso no palco. Oramos ao tempo que voltem sempre.

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo

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20/12/2017

Rodrigo Laux

Rodrigo Laux