Marcelo D2 e a produção de um álbum pela Twitch

21/01/2025

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Por: Thaís Regina

Fotos: Divulgação

21/01/2025

“O processo da criação artística pode ser mais importante do que a obra em si. Por quem? Como foi feito? De que maneira? Muitas vezes, você precisa ir a uma exposição para entender porque certa obra é tão relevante”, diz Fabrício Nobre, fundador do Festival Bananada. Mais da metade da vida do curador de 41 anos foi – e continua sendo – dedicada a música, já teve banda, selo, apareceu aqui na Noize, mas o aposto mais certeiro para ele é: uma pessoa que entende de música e de público. 

Hoje, o produtor goiano colabora com o consultor estratégico — e outro conhecido da indústria — Coy Freitas, que atuam como consultores da implementação da área de música da Twitch Brasil. A plataforma de streaming foi a opção de Marcelo D2 para produzir e transmitir Assim tocam os MEUS TAMBORES, que é, segundo Fabrício, a maior expressão do que é arte em 2020: “o que o D2 propôs é abrir esse processo, as pessoas não vão descobrir como e quem fez depois, ele entregou o documentário sobre o disco antes dele ser feito. O que dá fôlego para o artista é a troca com o público”.

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Uma vez que o show — a experiência mais real entre fãs e artista — se tornou inviável por tempo indeterminado, o espaço virtual tem conquistado cada vez mais relevância. Como a Twitch propõe uma conexão mais próxima e assertiva dentro do universo online, vem despontadona audiência.

Lógico que eu e Nobre somos entusiastas da plataforma, que aparece como novidade na indústria musical, apesar de já existir há quase uma década, então podemos soar animados demais. Logo, para entender de verdade o que se tornou a conta do Marcelo D2 na Twitch e seus efeitos, a Noize conversou com especialistas no assunto — os moderadores do canal.

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O trabalho de moderação

Bruno Provetti (a.k.a. brunoproves) consome a Twitch desde 2013, especialmente as editorias de Just Chatting e Videogames. Para o ator e estudante de cinema de 22 anos, ter se tornado moderador da conta do Marcelo é como ser um mestre de cerimônias virtual. “Gosto muito de hypar as pessoas, tem um emoticon que tem o comando do número 2, então a gente agita a galera para ‘dropar o 2 para o convidado’ ou ‘mandar fogo’ no chat”, conta. Entre as tarefas menos legais, os moderadores têm a função de organizar a caixa de mensagens — pedir para o pessoal maneirar na caixa alta, por exemplo —, banir bolsonaristas e demais discursos de ódio.

Fã de Planet Hemp desde os 15 anos, Provetti não perdeu nem a live teste. Ele lembra da primeira transmissão oficial do canal e diz que foi a única vez em que viu o Marcelo nervoso. Quem entra hoje na Twitch e vê o D2 à vontade, que já chorou, ficou estressado, cansado, riu muito e chama seus seguidores pelo nome — mesmo com milhares de pessoas online —, não imagina a ansiedade que os primeiros usuários flagraram. Nobre explica que tem a ver com a natureza da plataforma: algo entre uma TV e um SAC direto com a sua fanbase, o mais próximo que existe hoje de um VJ da MTV. Aliado aos usuários de longa data da Twitch, Provetti começou a dar dicas no chat para Marcelo e os demais, empenhando-se em uma construção mútua do que o canal é hoje.

Julia Muniz (a.k.a. benhas) também fez parte do comitê de boas vindas ao D2 à plataforma. A comunicadora carioca de 27 anos já tinha sua conta desde o ano passado, mas foi através da diversidade de conteúdo da conta do Marcelo e do Criolo que ela começou de fato a entrar na comunidade. Para Julia, o contato com o artista foi essencial para nutrir um vínculo.

Ver o D2 falar “salve benhas”, “salve proves” ou perguntando onde está o barba, ainda nos primórdios do canal, fez ela se sentir parte do que estava presenciando, sem ficar restrita ao espaço de espectadora. Nesse sentido, a interação é o maior trunfo da Twitch, pois a pessoa que consome o conteúdo pode se tornar um personagem dentro do canal, algo à la stezinha420 produtora.

Julia mora em Los Angeles há 4 anos e, especialmente com a pandemia, a cidade que já é muito transitória se tornou particularmente solitária. Nesse momento tão sensível, encontrou um lugar de acolhimento: “Ver os artistas brasileiros entrando (na Twitch) me conectou com o Brasil de novo.” Hoje ela conta que raramente ouve música em outro streaming, até pelas possibilidades da plataforma, como se deixar ser levada pela curadoria de um dj set. Nos últimos meses, Julia está online 24/7 na plataforma, que ela situa entre “minha casa Twitch” e “Netflix de real life”.

Não é preciso estar tão longe para buscar conexão. Perante um futuro muito incerto, vivendo em um núcleo familiar bolsonarista, temperado com o caos único de 2020, Lucas Machado (a.k.a. barbamachado ou só barba) encontrou no canal novas amizades e novos caminhos. No total, foram 73 horas que o capixaba de 27 anos passou na conta do D2, desde o momento em que liam errado o seu usuário e chamavam-no de “Bárbara” até hoje. A troca com Marcelo foi um pivô de inspiração para todos esses moderadores, inclusive Barba, que tem feito as suas próprias lives com seleções musicais saborosas que duram horas. O chat dessas é menor, mais intimista, e tem um tom de velhos amigos conversando no bar, ainda que sejam pessoas que tenham se conhecido online. 

O sentimento é mútuo entre os moderadores, para Provetti o canal do D2 deu uma atenção para o chat que poucos streamers conseguem dar: “Me senti dentro do estúdio do Marcelo, opinando no que ele estava fazendo. Pô, se eu quiser, posso ser produtor musical um dia. Marcelo não foi para o estúdio, gravou com o microfone que tinha, com o casaco por cima para fazer abafamento de som – ele mostrou que se você quer fazer música boa, você pode fazer em qualquer lugar”.

Assim tocam os MEUS TAMBORES é a essência do que é ser brasileiro”, esse é Marcio Graffiti (a.k.a. marciograffiti), amigo de longa data do Marcelo D2 e que também se tornou moderador da conta. Para o carioca de 41 anos, o disco reverbera como é importante reafirmar a identidade nacional, para além de uma camisa da CBF, na verdade, muito longe disso:

“A gente tem que se colocar mais como brasileiros, pessoas que contribuem para o Brasil de forma diferenciada, inclusiva e coletiva. Para algumas pessoas, tem sido muito dificil lidar com isso de um tempo para cá, mas eu acho que a gente tem que bater nessa tecla. A gente é brasileiro, tem essa identidade de ser rua, hip hop e punk“. Dos rolês na Lapa e amizade em comum com o Marcelo Yuka, as referências do Marcio e do D2 são muito próximas, logo o artista se viu na posição  de contribuir com indicações, contatos e sugestões.

Um dia perfeito para o Barba seria um sábado, com Almoço dos Cria e Baile do Ganja depois. E lá na Califórnia, ouvindo um dj set de música nacional, Julia volta a suas raízes toda vez que alguém toca João Donato. Se ATOMT é um disco sobre retorno feito com as ferramentas mais futuristas que a gente tem, seus moderadores propõem acolhimento em lugares que não são óbvios. Nobre diz que a criação de arte é mais valiosa quando ela tem um compromisso com a sua comunidade, então, qual é a entrega do D2? Além do desafio artístico, o engajamento dos fãs no disco representa a construção da sua própria comunidade. 

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 104 da revista NOIZE, lançada com o vinil Assim tocam os MEUS TAMBORES, de Marcelo D2, em 2020.

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21/01/2025

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Thaís Regina