Curumin contesta o mercado e busca a ancestralidade em “Pedra de Selva”

26/11/2024

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Por: Erick Bonder

Fotos: Jéssica Junqueira/ Divulgação

26/11/2024

O cantor, compositor e produtor Curumin renova votos com a carreira solo em Pedra de Selva (2024), quinto álbum de estúdio, lançado em setembro. Os grooves orgânicos e a percussividade banhada em músicas tradicionais de diferentes povos do mundo unem-se à técnicas de produção contemporânea, beats e sintetizadores.

Com participações de Iara Rennó, Lívia Nery, Nellê, FUNK BUIA, Josy.Anne, Jéssica Caitano, Rimon Guimarães e François Muleka, o álbum traz reflexões sobre amadurecimento, buscando, na música, espaço para a sacralidade. “Tenho uma relação religiosa com a música, é onde eu encontro Deus”, declarou Curumin, em entrevista à NOIZE.


Dinâmico, Pedra de Selva contém diferenças internas, alternando arranjos que ora dão espaço para o silêncio (como em “Cheiro”, que conta somente com um violão, além da voz), ora estão preenchidos por instrumentos percussivos, guitarras, baixos, teclados, coros e sequenciadores. 

O artista desenvolveu uma pesquisa ao longo do tempo em que elaborou o disco. “Ouvi muitas músicas de raiz, brasileiras, indígenas do Xingu e orientais. Elas têm uma essência muito pura, fora da lógica do entretenimento, feitas para ampliar a consciência e sobreviver”, explica.

Conversamos com ele sobre o processo de criação de Pedra de Selva, o mercado fonográfico e a ancestralidade na música. Veja abaixo:

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Conta um pouco sobre o processo de criação do disco. O que você estava buscando depois de tanto tempo sem um álbum novo?  

Esse foi um disco independente, então, fui fazendo conforme dava. Todos os trabalhos pagos que apareciam acabavam passando na frente, e isso me fez abandonar o projeto várias vezes para depois retomar. Foi difícil, porque não consegui focar do início ao fim. Mas, por outro lado, isso também trouxe benefícios. Quando você volta a algo depois de um tempo, enxerga aquilo com um olhar mais fresco, livre da emoção imediata de ter acabado de criar. Tentei equilibrar esse processo. Mantive um lado mais bruto, ligado às ideias iniciais, enquanto lapidava o que precisava. 

O disco reflete bastante a sua linguagem, mesclando grooves orgânicos com elementos eletrônicos. O que você buscou sonoramente neste projeto em relação ao que já vinha desenvolvendo?  

Eu não estava muito ligado em produções recentes. Antes da pandemia, comecei a fazer aulas de canto indiano, e minha professora me disse algo que mexeu comigo: “Aqui no Brasil, a música é tratada de forma muito diferente. Na Índia, ela faz parte da saúde pública, é algo que consumimos para nos fazer bem”. Isso mudou minha relação com a música.

Parei de ouvir coisas que não me faziam bem, mesmo que fossem interessantes, e comecei a buscar sons que me traziam boas sensações.  

Ouvi muitas músicas de raiz, tanto brasileiras quanto de outros lugares, como músicas indígenas do Xingu e orientais. Essas músicas têm uma essência muito pura, fora da lógica do entretenimento, feitas para ampliar a consciência e sobreviver. Essa energia bruta e ancestral me influenciou bastante. 


Fale um pouco mais sobre a pesquisa com esse tipo de música, por favor.

Eu sinto que essas músicas carregam algo muito especial. Parece que são as primeiras músicas, as mais antigas. Quando comecei a prestar atenção no que eu sentia ao ouvi-las, percebi que havia algo que me atraía profundamente.

Era como se elas trouxessem o mistério da vida, uma força especial justamente por não serem músicas de mercado, mas, sim, músicas de alma.  

São canções criadas por um desejo interno, não para atender a uma lógica de pertencimento ou comercialização. Isso foi o que mais me influenciou. Claro, há também a música africana, que é fundamental. Essas músicas de raiz, de forma geral, representam o início do nosso desejo humano de fazer música.

No show de estreia, esses elementos ficaram muito evidentes, especialmente nas batidas e nas vozes. Como foi montar o show, desde a banda até a cenografia?  

O show se formou quase sozinho. Não escolhi as pessoas, elas simplesmente vieram à mente. Normalmente, toco com um quarteto bem minimalista: guitarra, baixo, teclado e bateria. Mas, neste show, as percussões e vozes ganharam destaque, então quis somar mais camadas.  

A cenografia foi criada pelo Rodrigo Bueno, que também fez a capa do meu terceiro disco, Arrocha (2012). Ele é meu vizinho, conheço bem o trabalho dele, e sabia que seria perfeito para o que eu queria. Tudo aconteceu de forma muito natural.  


Você mencionou a relação da música com o mercado, e como nem sempre precisa existir uma relação umbilical entre eles. Por que manter essa essência é importante para você?  

Para mim, a música é sagrada. É o meu trabalho, o que eu amo fazer, e já me salvou muitas vezes. Tenho uma relação religiosa com ela, é onde eu encontro Deus. Por isso, protejo esse espaço ao máximo, sem deixar que lógicas de mercado ou estratégias comerciais invadam.  

É claro que entendo como o mercado funciona e me adapto, mas não deixo isso guiar minha criatividade. Quero que minha música continue sendo um espaço de verdade, respeito e amor.  

Depois de tanto tempo sem lançar um disco, quais são suas expectativas agora que Pedra de Selva está no mundo?  

Tento não criar muitas expectativas para evitar frustrações. Sei que, hoje, tudo é complexo e que vou precisar trabalhar bastante para fazer o disco chegar às pessoas. Tenho visto lançamentos incríveis que passaram meio batidos, como Habilidades Extraordinárias (2022), da Tulipa Ruiz, e Sal (2022), da Anelis Assumpção. São discos espetaculares, mas que não tiveram o alcance que mereciam.  

Mesmo assim, estou animado para seguir divulgando. Ainda tenho sobras do disco, que podem virar singles, e isso me deu um gás novo, uma energia para continuar. 

Este álbum também foi uma forma de renovar meus votos com a carreira. Fiquei empolgado de novo. 

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26/11/2024

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Erick Bonder