Letrux, 41, se despede do seu segundo disco, Letrux Aos Prantos (2020), enquanto abre mais espaço para as novidades que estão por chegar. Pode parecer inusitado presenciar apresentações de um projeto divulgado há três anos, porém o álbum foi lançado no dia 13 de março de 2020, data em que o Brasil estava prestes a decretar o lockdown para conter o coronavírus. “Foi um timing escroto lançar um novo álbum enquanto o mundo se fechava, mas já chorei tudo que tinha pra chorar. Parece que foi ontem que lançamos o disco. Os dois anos de pandemia foram um pesadelo, e agora despertamos com Lula presidente, cheiro de fé no ar. Mas não. Muita merda, muita lama, muito trauma. Não foi fácil”, disse a carioca em entrevista para a NOIZE.
Após realizar recentemente duas sessões esgotadas na Casa Natura Musical, em São Paulo, a artista se prepara para a despedida do disco, que será em abril, data em que ela completa 18 anos do seu primeiro show. A apresentação será no espaço do Circo Voador, no Rio de Janeiro. “Foi uma jornada cheia de imprevistos, mas foi o que foi, foi o que foi possível, e minha maior alegria é gente me agradecendo pelo disco ter sido uma grande companhia em tempos tão difíceis. Então, o saldo é muito positivo. Fecho essa tampa feliz. Cheia de curativos, meio quebrada, mas feliz.”
No período em que se iniciou o isolamento social, a tijucana estava residindo em Copacabana e se encontrou sem trabalho, fazendo com que se deslocasse para a casa de férias da família, em São Pedro da Aldeia, cidade na Região dos Lagos, que fica a quase três horas de distância da capital carioca. Na rotina de nadar na lagoa e comprar o peixe do dia, fresco do mar, ela passou a ser filmada por seu amigo Marcio Debellian, que concebeu o documentário “Letrux- Viver é um frenesi“, regado pelo humor tragicômico da artista. O filme tem um pouco mais de 36 minutos e, desde ontem, está sendo exibido gratuitamente pela plataforma do Sesc Digital, tendo sua reprodução disponível até 23 de maio. Em abril, o documentário de média-metragem será exibido no 25º Festival Brasileiro de Paris, além de Lisboa e Coimbra, em Portugal.
“Foi tranquilo [ser filmada], porque tenho intimidade com Marcio e também com Clara e Elisa, as duas camerawoman, maravilhosas. Eu lido bem com câmera, não mudo quando começa a gravar ou faço outra voz. Já fui mais espontânea na vida, mas a vida me deu uma miniparanoia de preocupação com o que falo, mas consigo manter uma chama infantil acesa de quem não se importa tanto com tudo, então foi uma filmagem muito fluida. E eu estava no meu habitat, difícil dar errado, era minha casa, minha lagoa, minha terra. O filme é uma poesia em forma de audiovisual, eu amei muito o resultado. Cada vez que vejo, amo mais”, diz.
No lugar onde passou por tantas vivências, Letrux passou a rememorar seu passado, reconstruindo suas ligações em uma residência que já tinha sido de sua avó. “Um show é um lugar de exposição, mas claro que a arte protege, meu apelido me protege. Mas ainda assim, estou ali. O filme do Marcio, que me fez chorar copiosamente, toca em outros aspectos da minha vida, porque coloquei minha família em peso pra jogo. Mas sempre fui essa figura dentro da minha família. Sempre investiguei tudo, sou fascinada no inconsciente e nas tralhas de infância de cada um.”
“Me senti exposta, sem dúvida, mas já entendi em processo de análise que isso faz parte da minha obra também. Eu adoro aquela frase do Lulu Santos, ‘não leve o personagem pra cama / pode acabar sendo fatal’, porque eu realmente não levo, não sou a pessoa do palco na cama, não dá. Eu sou mais palhaça mesmo. Mas não me incomodo de expor minha vida pessoal. Isso, claro, se o trabalho for algo bem feito, de forma poética, delicada, tragicômica, como foi o filme do Marcio. Zero fofoca, zero banal. A parada é profunda, e aí me sinto bem”, relata Letrux sobre o filme que tem como narrativa o resgate de diários da adolescência e vídeos da família nos anos 1990.
Vacinada com as doses contra a Covid-19, a artista passou por um readaptação interna e externa quando regressou para sua cidade natal, buscando se aproximar do mar e da natureza em sua rotina, além de aprender a falar mais nãos: “Minha volta pro Rio foi difícil, eu ainda estava hipocondríaca e sentindo muito falta da minha vida caiçara. Acordar, pegar a bicicleta, ter quintal, vista. Era muito privilégio. Eu decidi que, voltando pro Rio, eu iria morar perto do mar, mesmo que isso me custasse mais caro, e isso ajudou muito. A maior lição é que precisamos ter mais contato com a natureza. E isso não é papo hippie. É real”.
“Foi um ano bem forte na minha vida. Pessoal e de trabalho. Ficou difícil sustentar máscaras depois da pandemia. Eu já não era dada, agora então… Falo mais ‘não’ com facilidade. E falar ‘não’, não é ser escrota, até porque tudo depende de como você fala. Fui me tornando quem eu sou, sem volta. Bowie que fala isso, que é maravilhoso você finalmente ser quem você sempre foi. Eu sempre fui assim, mas tinha travas e nóias e birutices demais. Agora, mantive as boas birutices e estou me desfazendo de nós mentais pra relaxar e ser quem eu sou, finalmente. 2022 foi um raio. Foi rápido, foi intenso, foi estrondoso”, acrescenta.
Em 2022, a artista lançou quatro singles, todos em parcerias, dentre eles a canção “Cê Sabe Que Tem Alguém”, ao lado do duo carioca Troá!, formado por Manuella Terra (bateria) e Carolina Mathias (baixo). No retorno gradual aos palcos, a atriz, cantora e escritora se apresentou também com poesias no espetáculo “Línguas & Poesias”, que teve passagens pelas cidades do Rio e São Paulo: “É um espetáculo que amo muito fazer. Leio poemas que amo desde pequena, desde ontem, vou mudando. As músicas são as que eu sempre sonhei em cantar, mas não cabiam no show autoral. Essa união do teatro com a música e com a poesia me dá muito tesão. Sou da escola Maria Bethânia, Brasil! (risos). Amo muito esse fuzuê.”
Após realizar campanha para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Letrux enxerga mais confiança no Brasil, muito isso devido ao retorno do Ministério da Cultura: “Estou animada com as futuras possibilidades de propagação da nossa cultura, que é tão rica e vasta, mas infelizmente sofre pra se espalhar. O Brasil é fantástico, e cultura é a nossa pulsação. Se a gente não enlouqueceu na pandemia, podemos agradecer fortemente à cultura. Sem dúvida. Tomara que haja forte reconhecimento dessa importância”.
Segura sobre sua trajetória e desejando plantar um novo repertório na mente de seu público, a carioca confirmou que o seu terceiro disco pode ser lançado ainda neste ano: “Meu terceiro disco está sendo mixado neste exato momento. Não vou falar muito sobre ele, mas brinquei bastante. O Dj João Brasil, meu amigo de juventude, que produziu. Porém, eu ainda não posso adiantar muita coisa porque o público fica muito ansioso, e eu também, mas estou animadíssima com o que vem por aí”.
“Conheço o João há muito tempo, já tivemos uma banda juntos: Ménage à Trois. Tocávamos em chill outs de raves, chegávamos seis da manhã, sóbrios, com sono, geral alucinado e a gente lá mandando um som. Era divertido, aprendi muita coisa. João produziu o terceiro disco de Letuce, o Estilhaça (2015). Foi pura coincidência chamar o João pra produzir o terceiro disco de Letrux. Não creio em coincidência, na real. Destino, acaso, aconteceu. Posso dizer que ainda falta um pouco, acho que só sai no meio do ano mesmo. Em breve, deve estrear a série ‘A Vida pela frente’, da Globoplay, onde fui atriz. E ando sempre escrevendo coisas, quem sabe vem novo livro aí?”, finaliza a cantora deixando um mistério ao fim da entrevista.
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