“A minha obra é o reflexo do melhor de mim”, afirma Marina Lima

17/09/2024

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Rogério Cavalcanti/Divulgação

17/09/2024

Marina é feitas de muitas Marinas. Nasceu Marina Correia Lima, já foi só Marina, tornou-se Marina Lima; tem intimidade com o mar tal qual uma marina à beira-mar e também cita que tem um pouco da artista servo-croata Marina Abramovic. Sem medo de se jogar, ela experimenta uma forma diferente de ser Marina em cada um de seus 21 discos – desde o álbum de estreia Simples Como Fogo (1979) até seu mais recente lançamento Novas Famílias (2018). 

Aos 68, a cantora, compositora e produtora revisita sua obra sem ancorar-se na nostalgia: “Eu olho muito enquanto eu tô fazendo, então, não olho muito para trás”, conclui. Parece ser a visão desprendida uma de suas receitas para transitar por mais de 40 anos de carreira sem se repetir. E, talvez, nem tenha havido muito tempo para se apegar: a evolução é reflexo das mudanças de alguém que cresceu fazendo música. 

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Na juventude, Marina encontrou as respostas para as angústias sobre o caminho profissional dentro de casa. Foi nos Estados Unidos – país em que viveu dos 5 aos 22 anos – que ela recebeu as influências da bossa nova e do violão. O gatilho para criar música começou na parceria com o seu irmão, o poeta Antônio Cícero. 

Com 21 anos, ela já começou impressionando ícones da música brasileira: em 1976, Maria Bethânia gravou a canção “Alma Caiada”, um poema de Antônio Cícero que foi musicado por Marina. Infelizmente, em tempos de Ditadura Militar, a gravação não chegou a ser lançada na época devido à censura prévia. Três anos depois, Marina já lançaria seu primeiro disco.

Então, a cantora mergulhou de cabeça na música. Uma olhada rápida em sua discografia ajuda a entender que, desde o começo, ela mostrou que sua carreira não seria algo fugaz: da década de 70 até os anos 2000, ela nunca demorou mais de dois anos entre o lançamento de um álbum inédito para o outro. Com o Sol e o Ascendente do seu mapa astral regidos pelo signo de Virgem – o único signo do zodíaco cuja iconografia traz uma deusa mulher – Marina também é uma figura artística feminina de vanguarda. 

Ela foi a primeira mulher a assinar com a gravadora Warner no Brasil, além de sempre ter se envolvido em espaços da área técnica da música – como a produção – ainda hoje dominados por profissionais homens. “Isso não é uma queixa, é uma constatação: não foi fácil. A indústria e o meio [musical] eram muito mais fechados, era uma loucura. Sempre tive fama de queixosa e de difícil”, relata.

Ela reconhece ser uma mulher exigente – como uma boa virginiana – e fez da acusação inspiração para a faixa “Difícil”, do álbum Todos(1985), em que diz: “Alguém lá no início/ Me aplicou/ E me fez de louca/ Me fez pouca/ Me fez o que eu sou”. Versos que expressam o quanto foi burocrático para a artista defender as suas ideias: “Quando uma mulher ocupa um lugar e é exigente, ela fica taxada de difícil. Quando um homem é assim, ele é competente, é exigente”, expõe. 

Não foram facilidades que a trouxeram até aqui, mas sim, sua perseverança e busca por encontros harmoniosos e justos típicos de quem conta com uma Lua em Libra no mapa. “Eu sou perseverante porque eu adoro música, acredito no meu dom e que o meu destino é mexer com música e fazer uma diferença. Eu tenho até entusiasmo de lutar pelo meu espaço”, decreta. 

É com essa capacidade de determinação que Marina passeia pelas décadas como uma importante figura da música brasileira de forma combativa. Fora dos padrões da intérprete diva, sempre manteve uma postura franca sobre assuntos naturais – mas tidos como tabu – como o lugar da mulher na sociedade e sua sexualidade. Além disso, passou por momentos difíceis, especialmente um problema na voz e uma fase de depressão. Episódios inevitáveis de serem comentados, mas que ficaram no passado da cantora. 

Marina é bola pra frente, sem disfarces. Colecionando hits que marcaram a MPB, como “Fullgás”, “À Francesa” e “Virgem”, ela experimenta sua sonoridade passeando pelo pop, rock, blues, bossa-nova e a música eletrônica. Se a vida só sobra para quem curte desvios, ela tem vida de sobra e diz adorar lidar com o risco. “Eu aprendi desde cedo que é no risco que eu cresço. Sei que, se não for assim, eu não gosto. Não tem graça se eu ficar só me autoplagiando o tempo todo”, explica a artista, que segue taxativa: “A minha obra é o reflexo do melhor de mim. A minha musicalidade e a minha coragem são o meu melhor”. 

Se na canção “E Acho que Não Sou Só Eu”, de Marina Lima (1991), ela já declarava: “Eu gosto das minhas diferenças e sou capaz de brigar por elas”, em 2018 ela vem ainda mais combativa. Em faixas como “Novas Famílias”, “Mãe Gentil” e “Do Mercosul”, as letras são indiscutivelmente engajadas, reflexo de suas angústias sobre o climão político do país: “O Brasil passou do limite, abusou demais. Eu preciso falar, eu preciso reclamar, eu preciso trazer uma luz sobre isso. Não dá para continuar, pelo menos no meu trabalho, não querendo falar disso. O Brasil precisa mudar”, defende. 

Além da lírica, o disco recente reflete os sons que a cantora mais sente vontade de explorar. Depois de tantos discos, shows e composições, o que ela busca hoje é a linguagem digital, como comenta: “Eu quero trabalhar com a linguagem [dos controladores] MIDI”. Marina vai além: 

– [Ao fazer um disco] eu tô sempre envolvida com várias coisas: a parte musical, a parte de lançamentos, de capa, de direção artística… Tento me fazer um pouco presente em vários aspectos, sabe? Mas, o que eu mais entendo, é de música. Quero melhorar ainda mais o meu domínio na linguagem da música eletrônica – compartilha.  

Marina Lima atravessa o tempo, as gerações, suas próprias transformações, suas certezas e suas dúvidas. Ouvindo seus discos da década de 80 e os frutos a partir dos anos 2000, com certeza você há de concordar: Marina não é mais a mesma. A questão é que ela própria não quer ser a mesma que já foi. O que se mantém é sua postura de exigência com a qualidade do seu som, a sua autenticidade e sua entrega.

Ser fiel ao seus princípios é o fio condutor para transitar por sua obra sem ser rasa ou se perder. “Marina Abramovic fez um manifesto que diz assim: ‘quanto mais profundo for um trabalho, mais universal ele será’. Eu não componho o que eu acho que querem ouvir, componho o que eu preciso fazer”, sintetiza. E, para acompanhá-la, é necessário ter pique: 

– Acho que tem pessoas, daquela geração que era minha, que me acompanham até hoje. E tem pessoas que me perderam no meio do caminho porque nem todo mundo é igual. Muitas vezes, tem gente que quer ficar  no mesmo tempo, ou em uma mesma idade, ou em uma mesma época a vida inteira. Eu não sou assim.

Com um olhar de quem entende que a vida é mudança, ela encara sua arte com um convite à reinvenção. “Eu gosto do que eu vivo. Gosto de crescer, de mudar, de carregar comigo aquilo que fiz e que gosto. O que enjoei, jogo fora”, confessa. Assim, seu som dialoga tanto com a geração que mudou com ela quanto com uma nova geração que também se alimenta do novo. Não é à toa que Novas Famílias conta com a colaboração de artistas como Letrux, Silva e João Brasil. 

Em tudo que achar que vale a pena, Marina mergulha com a destreza de quem sabe se dar bem no mar e, acima de tudo, sabe a hora de emergir para renovar o fôlego. Confiança que só se consegue com experiência. Envelhecer, para ela, tem sido sinônimo de autoconhecimento e autonomia. “Foi a partir dos meus 50, e bem mais com os 60, que, como mulher, parei de ter culpa ao falar ‘não’, ‘isso eu não quero’ ou ‘eu sou assim’. É como se eu tivesse adquirido o direito de ser realmente quem eu sou”.

Com segurança, Marina deixa os pesos pelo caminho para seguir com flexibilidade e leveza, sem perder tempo: “Hoje em dia, eu nem brigo, digo ‘é assim’ e acabou. Quem não achar, tudo bem, ‘até logo’”. Ainda assim, suas mudanças são feitas com consciência, o que se reflete em uma obra eclética e coerente, de quem nunca se perde de vista. “Tem coisas que eu gosto mais, outras que gosto menos, mas quando olho para trás, eu me reconheço. Fiz o melhor que pude”, afirma. 

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 82 da revista NOIZE, lançada com o vinil Letrux em Noite de Climão, de Letrux, em 2018.

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17/09/2024

Brenda Vidal

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