Com a música correndo nas veias da família, Dora Morelenbaum se acostumou a estar num emaranhado de conexões musicais. O seu avô paterno, Henrique, era maestro, e a avó, também Dora, pianista. A união deu fruto a três filhos, todos músicos. Um deles é o violoncelista e arranjador Jaques, casado com a cantora Paula Morelenbaum.
Na década de 1980, seus pais fizeram parte da Banda Nova, do maestro Tom Jobim. Alguns anos após o nascimento da filha, Paula e Jaques trabalharam com o compositor e produtor japonês Ryuichi Sakamoto, grande contribuidor da música eletrônica e premiado pelo seu trabalho em trilhas sonoras.
Para Dora, com 5 anos na época, Sakamoto era apenas o amigo de seus pais, de quem ela fisgou a atenção ao cantar “Quem Foi que Roubou a Sopeira de Porcelana Chinesa que a Vovó Ganhou da Baronesa?”, de Jorge Ben Jor.
Outro momento que entrelaça os dois foi quando, ainda criança e acompanhando sua mãe, cantou “Falando de Amor”, de Tom Jobim, numa apresentação de Sakamoto. Dora foi creditada pela sua participação, e o registro está no disco In The Lobby At G.E.H. In London (2001). O contato com Sakamoto, duas décadas depois, deixaria marcas na produção dela, assim como a relação indireta com Tom Jobim.
Bastidores
São os vocais de Dora Morelenbaum que abrem Erasmo Esteves. Cada “Tijuca Maluca” que ela entoa na faixa título é um convite para a história que vai ser contada ao longo da música, sobre como o bairro carioca foi uma constante na vida do artista, da infância à construção do seu legado na música brasileira.
A convite de Rubel, Dora foi parar no backing vocal da faixa, que mistura versos rascunhados por Erasmo aos recém-criados pelo rapper Emicida. A melodia que amarra o ontem ao agora é assinada por Rubel, quem Dora acredita ter um quê do ícone da Jovem Guarda.
“Quando ele [Rubel] me mostrou a música, achei totalmente a cara dele fazer uma narrativa sobre a vida do Erasmo. Depois que a gente gravou, ele me contou que, na verdade a letra é do Erasmo, uma letra autobiográfica. Muito doido ver o cruzamento na obra dos dois”, reflete.
Mesmo quando está no coro de uma música, Dora se sobressai por adicionar novas texturas ao som, sem deixar de se mesclar ao todo com naturalidade. Antes de trabalhar com Rubel no projeto, os dois já haviam colaborado em As Palavras, Vol 1 & 2 (2023). De 2015 para cá, ela também esteve nas fichas técnicas dos trabalhos de artistas como Caetano Veloso, Ana Frango Elétrico e Tim Bernardes.
“Eu amo fazer backing vocal, amo fazer música com parcerias e colaborações. É muito bom, principalmente quando é a favor da música. Não precisa estar no meu nome, não precisa ter nada, mas é a música que ganha um novo sabor”, afirma.
Com a música no centro, a hierarquia perde sua força. Dora continua: “É muito interessante a sensação de estar em primeiro plano como artista, falando como protagonista, mas também me interesso estar nos lugares mais subjetivamente, no segundo, terceiro ou quarto plano.”
Abrem-se as cortinas
Apesar de ter nascido num ambiente musical, Dora chegou a se aventurar pela faculdade de arquitetura antes de fincar os dois pés no meio artístico. Sua experiência começou no grupo vocal Zanzibar, no qual atuou entre 2013 e 2017.
Até então guiada pela sua voz, os caminhos de Dora se ampliaram quando ela começou a compor. Em 2020, “Dó a Dó” deu a largada na carreira solo da artista. A primeira parte do single foi escrita por ela, e Tom Veloso, com quem continuaria a trabalhar de maneira próxima nos anos seguintes. Desde então, a perspectiva coletiva pela qual Dora enxerga a criação musical mostrava seus sinais.
“É incrível chegar a novos lugares que não chegaria sozinha. O grande lance da composição é isso. É muito bom compor sozinha, mas também é muito bom se ver no outro, expande a noção do outro”, explica.
Vento de Beirada, seu primeiro EP, chegou em 2021 com três músicas: as autorais “Japão” e “Avermelhar”, e a faixa-título escrita a seis mãos por Victor Vasconcellos, Lucas Nunes e Zé Ibarra. Indo de Sakamoto ao Clube da Esquina, essas canções dão pistas das influências sonoras de Dora, que apesar de se esconder sob um véu na capa de Vento de Beirada, canta sobre o amor sem hesitar.
No EP, ela se envolveu na produção, que dividiu com Ana Frango Elétrico, Guilherme Lírio e Lucas Nunes. Essa experiência seria fundamental para o próximo passo de sua carreira, o Bala Desejo.
Elenco
Na pandemia, momento em que a música não podia ser tocada do lado de fora, Dora encontrou o alento musical dentro de casa. E o espaço em questão era a de Julia Mestre, sua amiga da época de escola, que também convidou Zé Ibarra e Lucas Nunes para o que viria a ser uma imersão artística. Juntos, participaram de lives da cantora Teresa Cristina no Instagram, e o retorno não só dela, mas também do público, os incentivou a reunir num disco o que vinham produzindo.
SIM SIM SIM foi o resultado, compartilhado com o público em 2022. No mesmo ano, foi eleito como “Melhor Álbum Pop em Português” no Grammy Latino, e o repertório chegou ao palco de festivais como Primavera Sound Barcelona e Rock in Rio. Da composição à produção, o quarteto assumiu as rédeas do álbum, coproduzido por Ana Frango Elétrico e supervisionado por Marcus Preto.
Se antes Dora já apreciava criar em conjunto, isso se tornou ainda mais potente após Bala Desejo. “Essa Confusão”, faixa que escreveu com Zé Ibarra, era tocada nos shows, mas só encontrou morada no primeiro disco dela, Pique, lançado em outubro de 2024. “Nós dois sempre gostamos muito dessa música, mas ela ficou de fora do Bala”, diz ao compartilhar que Ibarra também fará sua própria versão da canção.
Clímax
As composições de Pique começaram a nascer enquanto o Bala Desejo ainda não havia chegado ao fim – o show de encerramento aconteceu em março. Assim como seus parceiros, Dora se dedicava ao projeto solo, quando sobrava tempo entre os compromissos grupais. Não à toa o nome do álbum: “Algumas músicas eu só terminei a letra quando já estava gravando. Foi uma correria”, conta.
Esses registros aconteceram entre abril e dezembro de 2023, no Rio de Janeiro, momento em que se sentiu pronta para testar novas águas em relação a formatos. “A gente gravou tudo digital, só que passamos muitas coisas na fita. Acho que isso tem a ver com a textura que eu queria dar para a coisa, essa mistura de tecnologias. Não traz um saudosismo dos anos 1970, mas tem a ver com olhar para a tecnologia disponível e selecionar qual textura aquilo te oferece”, pondera.
Ana Frango Elétrico, que produziu o álbum com Dora, participou desse processo, assim como outros nomes com quem ela já tinha colaborado antes, individualmente ou no Bala Desejo. Além de Tom Veloso e Zé Ibarra nas composições, Pique traz uma letra da paulistana Sophia Chablau. Antes de pedir uma música à amiga, ela já sabia que receberia uma música sobre o amor, tema que permeia não só “Venha Comigo”, como o restante do disco.
Os créditos não vão subir, porque Pique não é o final da história de Dora Morelenbaum, mas sim uma trama sonora que expande os muitos encontros que ela ainda vai ter, com os outros e com si mesma.
TOUR “PIQUE” – PRÓXIMOS SHOWS
São Paulo – SP (com part. de Ana Frango Elétrico)
Quinta-feira, 08/05
Abertura da Casa: 19h30
Show: 21h00
Classificação: 18 anos
Local: Casa Natura Musical – Rua Artur de Azevedo, 2134 – Pinheiros, São Paulo
Porto Alegre – SP
Sexta, 09/05
Abertura da Casa: 19h
Show: 22h
Local: Casa Trama • Av. Pernambuco, 1212
Realização: @casatrama.poa, @outrahorarec e @beira.agency