Entenda como as mudanças no Spotify impactam artistas independentes

29/01/2024

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Júlia Ourique

Por: Júlia Ourique

Fotos: Unsplash/ Reprodução

29/01/2024

Em novembro de 2023, um comunicado no site do Spotify balançou todos que trabalham com música: a plataforma mudaria a forma de pagamento de royalties aos detentores de direitos autorais, exigindo uma quota mínima de 1.000 plays em 12 meses. A modificação no sistema entrou em vigor no início deste ano. 

Embora pareça tirar dinheiro dos artistas que formam a base do catálogo disponibilizado na plataforma, a empresa conta que não vai aumentar sua renda com este modelo. O que acontecerá é que as dezenas de milhões de dólares anuais que eram distribuídos entre os artistas menores, agora irá para artistas que “baterem a meta”. 

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Para entender o quanto esse tipo de ação pode afetar o mercado da música, entrevistamos o professor Leonardo De Marchi, da Escola de Comunicação da UFRJ, que acaba de lançar o livro “A Indústria Fonográfica Digital: Formação, Lógica e Tendências”, pela editora Mauad X.

O seu novo livro traz uma ideia ousada: ele analisa a história da indústria fonográfica até 2023, buscando prever as mudanças, os problemas e, ainda, as possíveis soluções para a indústria fonográfica. Como surgiu a ideia do livro?

A motivação foi reunir um conjunto de pesquisas, que eu desenvolvi nos últimos dez anos, após o meu doutorado, na medida em que eu compreendi que a indústria fonográfica havia passado pelo seu momento de destruição criadora e caminhava para uma consolidação de um modelo de negócio ao redor das plataformas de streaming. Mas também apontava uma série de novidades, que prometem de fato mudar, para o bem ou para o mal, essa não é a minha avaliação, mas a da indústria da música, em particular a financeirização da música e a produção por inteligência artificial. 

O trabalho atual é uma sequência do seu livro de estreia, “A Destruição Criadora da Indústria Fonográfica: 1999-2009”. Você pode explicar as pontes entre as duas publicações?

Eu quis fazer uma atualização daquilo que eu havia escrito no meu primeiro livro, no qual eu falava de um processo de transformação, pegando o início da indústria fonográfica no Brasil até o que achava que era o fim. Quando na verdade, e o tempo provou isso, foi um movimento de destruição para criar algo novo, que é o que temos hoje. Então, o que eu fiz agora com a indústria fonográfica digital é dizer o que aconteceu, qual foi o resultado desse processo de duas décadas. Também visitei vários textos que eu havia escrito antes e o grande desafio foi atualizar isso, porque as coisas mudam muito rapidamente nessa indústria, ainda que ela esteja numa tendência de consolidação e crescimento. Tive que rever várias coisas que havia escrito, situações que pareciam promissoras, que não se concretizaram e entender quais são, de fato, as tendências que se colocam para esse mercado daqui em diante.

São mais de 15 anos pesquisando a indústria da música e ministrando aulas sobre o assunto. Embora este seja um ensaio, diferente dos artigos que produz na sua vida acadêmica, o que um fã de música pode esperar deste livro?

O livro tem uma escrita muito fácil, ele é fácil no sentido de que ela é leve, não muito acadêmica, ele é fruto também não apenas das minhas pesquisas acadêmicas, mas de inúmeras palestras que eu dou em cursos de música para pessoas interessadas no mercado da música, na economia da música. Então ele tem uma linguagem que, ao mesmo tempo fala de coisas muito complexas, mas acessível a quem não está na academia. Além dos fãs de música, também escrevo para quem vem de diferentes setores do mercado, como as fintechs, interessados em saber o que é esse mercado de música e quais são as oportunidades de negócios que podem encontrar ali. E o fã de música vai encontrar ali uma grande imagem, uma grande explicação sobre o que é essa indústria hoje, como surgiu, como se desenvolveu e o que se pode esperar daqui a algum tempo. Ou seja, para quem consome música, qual é a importância, por exemplo, dos sistemas de recomendação automática de música, qual é a potencialidade da música produzida por inteligência artificial… 

Como o senhor enxerga essas mudanças que o Spotify anunciou, esmagando os rendimentos de artistas independentes?

Na visão da empresa, este é um gesto de fomento ao lado “criativo” da indústria da música, já que eles também anunciaram que dificultariam a monetização de arquivos de ruído branco e outras experimentações sonoras (ruídos diversos, som ambiente e até mesmo o silêncio). Nessa perspectiva, tais conteúdos não seriam “criativos”, mas sim, ações de má fé para enganar o sistema da empresa e obter dinheiro prescindindo de criatividade. Todo pagamento seria, a partir de agora, direcionado aos músicos realmente “criativos”. As distribuidoras digitais que trabalham com esses artistas autônomos já sentiram que uma parte considerável dos clientes não vai atingir estes novos requisitos do Spotify e isso vai afetar diretamente a arrecadação da empresa, que também se vale dos royalties e direitos autorais. Se é verdade que tais produtores de conteúdo não são os que atraem diretamente usuários para os serviços de streaming, eles são decisivos para que tais empresas ofereçam “milhões de músicas” como uma bandeira de atração de novos usuários. Assim, eles têm uma importância capital para o serviço de streaming e já movimentam uma parte importante da indústria da música, sobretudo a partir dos pequenos distribuidores digitais. Além disso, como o método de pagamento da empresa é pro-rata (em média, não individualizado), a medida do Spotify tende a retirar dinheiro de pequenos produtores de conteúdo e distribuidores digitais independentes para os repassar aos grandes players da indústria.

Para terminar, vamos falar sobre o futuro das plataformas digitais. Conte-nos tudo sobre as suas previsões!

Então, o Spotify sendo esse principal serviço de streaming de música no mundo, faz com que ele seja capaz de ditar tendências a serem seguidas por seus concorrentes. Essa medida da plataforma ainda pode ter outras consequências derivadas. Se, de fato, desincentivar artistas iniciantes e amadores a distribuírem suas obras por esse serviço de streaming, isso pode abrir um grande espaço para o uso intensivo de música produzida por IA generativa – algo que já ocorre nos serviços de streaming e tende a se tornar uma questão decisiva nos próximos anos. E essa  decisão de dificultar a monetização dos produtores de conteúdos sonoros não-musicais é problemática. Ainda que haja produtores mal-intencionados, a empresa parece ignorar a existência de um crescente nicho de mercado para ruído branco. Há um número cada vez maior de empresas que se especializam nesse tipo de som para montar novos modelos de negócio, como trilhas sonoras para relaxamento, para fazer crianças dormirem, para produzir experiências estéticas com ruídos, entre outras possibilidades de experiências que o Spotify conclui, por decreto monocrático, que não são usos “criativos”. Uma vez mais, uma janela de oportunidade de novos negócios pode ser sumariamente fechada

Julia Ourique é jornalista e doutoranda em Comunicação, com bolsa Capes, pela UERJ. Pesquisa mulheres na indústria da música.

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