No dia 15 de outubro de 1996, o mundo conheceu a icônica coletânea Red Hot + Rio – um projeto musical humanitário que foi produzido pela Red Hot Organization e que reuniu grandes nomes da música nacional e global em um tributo à Bossa Nova, visando promover a conscientização sobre a epidemia do vírus HIV no Brasil. Hoje, aproximadamente 25 anos depois e justamente no Dia Mundial de Combate à AIDS, a instituição apresenta o podcast Ativismo Musical: Red Hot + Rio 25 anos.
Com três episódios disponíveis em português e inglês, a série documental acaba de entrar em todas as plataformas digitais, e, através de seus depoimentos e entrevistas, o ouvinte poderá revisitar o álbum e a década de 90. Nomes como George Michael, David Byrne, Caetano Veloso, Marisa Monte, Bebel Gilberto, Jorge Du Peixe e Drauzio Varella estão entre os participantes do podcast, que não apenas fala sobre o passado: ao longo dos episódios são traçados paralelos entre os contextos sociais e culturais da época, com o nosso contexto atual enquanto enfrentamos as consequências da pandemia do Covid-19.
Para conhecer mais a fundo o projeto – que aborda temas tão relevantes e expõe a força da música como ferramenta de transformação social –, entrevistamos o produtor musical Béco Dranoff, que é um dos diretores da série. O resultado dessa conversa, você confere a seguir.
Você ingressou na Red Hot Organization na época da produção do disco “Red Hot + Rio” e permanece nela até hoje. O que instigou e continua instigando você para que esse vínculo se torne tão forte e duradouro?
Eu entrei em contato com a Red Hot Organization em 1994. Eu já vivia em NY e conhecia os projetos Red Hot + Blue (A Tribute to Cole Porter) e o Red Hot + Dance. Eu vi um classificado deles no jornal Village Voice procurando um assistente e mandei o meu CV. Na época, eu já tinha contato com Gil, Caetano, Bebel Gilberto e Marisa Monte. Quando conheci o John Carlin, fundador da Red Hot, descobri que ele era apaixonado por Bossa Nova e Tropicália! Aí, logo no primeiro encontro, tivemos o insight de produzir um álbum original com artistas brasileiros e internacionais para levantar fundos e conscientizar sobre a luta contra o vírus do HIV/AIDS no Brasil e no mundo.
Red Hot + Rio demorou quase dois anos para ser produzido e foi lançado na segunda metade de 1996. Naquela época, os processos de produção musical eram muito mais caros e complexos. Depois, em 1998, a Red Hot foi convidada para produzir o projeto Red Hot + Lisbon, que foi lançado com um grande show na Lisbon Expo ’98. Este era um projeto sobre a música dos países lusófonos e, em 2011, voltamos ao universo sonoro brasileiro com o lançamento do projeto Red Hot + Rio 2.
Nestes anos todos, eu e John nos tornamos grandes amigos e estamos sempre em contato. Eu não trabalhei só na Red Hot; em 1999, fundei o selo Ziriguiboom, junto ao selo belga Crammed Discs, por onde lançamos artistas como Bebel Gilberto, Suba, DJ Dolores, Cibelle, Apollo Nove, Trio Mocotó, Bossacucanova, Celso Fonseca e Zuco 103. O Ziriguiboom foi super bem no mundo de 1999 a 2011, quando decidimos dar uma pausa. A Red Hot, hoje, não tem uma estrutura física, é tudo virtual, muitos Zoom’s e e e-mails, ou seja, agora, vivo em São Paulo, mas continuamos na ativa com projetos recentes como o Red Hot + Free.
Já se passaram duas décadas e meia desde o lançamento do “Red Hot + Rio”, e a data comemorativa certamente impulsionou a vontade de revisitar o disco de algum modo. Em qual momento a ideia surgiu e como ela evoluiu para o projeto do podcast?
O Red Hot + Rio foi um projeto transformador na minha carreira. Eu já havia sido programador da Jovem Pan 2 FM em São Paulo, já havia sido produtor da casa de shows Projeto SP (enquanto estudava Rádio e TV na FAAP). Quando me formei, fui para Nova York, onde realmente queria estar imerso no music business de lá. Meu sonho era ser um A&R (diretor artístico), sem ser músico em si, A&R é o que mais te aproxima da criação de um projeto musical. Com o Red Hot + Rio, eu aprendi muito sobre a indústria, tanto na parte jurídica, autoral, como nos processos de gravação em si. Foi uma grande oportunidade. Quando vimos que o projeto estava completando 25 anos de lançamento (1996-2021), pensamos que seria bacana relançá-lo num LP duplo (o que deverá acontecer no ano que vem) e também pensamos em um podcast para revisitar o processo criativo, bem como os paralelos com a pandemia de Covid-19, que ainda nos apavora muito e que mudou a vida no planeta todo.
Em qual parte do processo se cruzaram os caminhos do projeto e da produtora de podcasts CLAV?
Conheci o Pedro Bontorim da CLAV virtualmente no Linkedin! Trocamos várias mensagens e vi que eles são um time muito sólido de criação. Logo estávamos desenvolvendo o projeto e chegando a este formato de três podcasts em português e três em inglês. Deu muito trabalho, fizemos muitas entrevistas novas, mas o resultado ficou muito bacana.
Só pra dar uma prévia aos curiosos que estão lendo essa entrevista antes de ouvir o podcast, que tipos de histórias o ouvinte terá acesso ao longo dos episódios?
Nos episódios, eu e o John Carlin damos o fio-condutor do projeto, contamos alguns casos do backstage da compilação. Foi um processo bem demorado, muitos faxes (!), muitas fitas de duas polegadas, muitos contratos até chegarmos ao produto final. Não existiam ainda as facilidades de e-mails e files eletrônicos, tudo era manual, analógico… Pré-história de produção!
A compilação “Red Hot + Rio” é um marco musical da década de 90 que chegou com muita força social. Você percebe que tem um simbolismo trazer à tona a história por trás do disco em um momento em que temos falado tanto sobre saúde pública? E com toda sua bagagem de participação em projetos musicais humanitários, qual é a importância que você sente que há no envolvimento de músicos nessas causas?
Um dos lemas da produtora Red Hot é: “Fighting Pandemics Since 1990” [em inglês, “combatendo pandemias desde 1990”]. Desde 1990, com o lançamento do Red Hot + Blue, a Red Hot tem tido muito sucesso em criar projetos relevantes e convidar artistas que têm grande penetração junto à juventude. A participação dos artistas é que faz com que os projetos sejam ouvidos e promovidos mundo afora. Os projetos temáticos são uma plataforma para os artistas criarem faixas especiais com colaborações inesperadas. Hoje, vivemos uma pandemia de proporções planetárias, que vem e vai, em ondas ao redor do mundo. E a música, como sabemos, é a grande linguagem universal, então temos que utilizá-la para a educação e a transformação social.
O ativismo musical é uma realidade incontestável, o passado e o presente estão aqui para provar isso. Na sua perspectiva de futuro ideal, quais tipos de novos projetos você deseja que aconteçam para que os laços entre o mundo da música e o ativismo de transformação social sejam cada vez mais estreitos?
Vivemos um momento incrível onde a tecnologia uniu o planeta todo, processo ainda mais acelerado durante a pandemia. Informação e entretenimento agora são consumidos vorazmente em “real time” e, pela primeira vez na história, estamos conectados uns aos outros de forma instantânea. Todos nós podemos gerar conteúdos, nos manifestar e lançar movimentos. Isso é um grande shift. Sinto as gerações mais novas muito engajadas em movimentos de justiça social, conservação ambiental, saúde, educação, e talvez neste sentido os projetos da Red Hot tenham sido uma semente.
Artistas têm, por natureza, um grande “macrofone” em sua mãos, uma palavra, um gesto, um post, pode gerar grande transformação e trazer uma nova luz às inúmeras causas que precisam ser levantadas tanto no Brasil como no mundo todo. Tenho a certeza de que a tecnologia é a nossa grande aliada para chegarmos a um planeta mais justo e saudável para todo mundo. Para saberem mais sobre todos os projetos da Red Hot de 1990 a hoje: www.redhot.org e @redhotorg no Instagram.