Quando lançou Estrela Decadente, em 2012, Thiago Pethit aos poucos estava se recompondo de um desgaste emocional. A energia e intensidade dos shows foram crescendo e dois anos depois Pethit estreia Rock’n’Roll Sugar Darling, celebrando o rock com líbido que ficou preso no passado junto a nomes como Iggy Pop e Mick Jagger.
Gravado mais da metade no Brasil e finalizado nos Estados Unidos, o novo disco reúne músicas desprendidas que te fazem rebolar e se descabelar com riffs dançantes e backing vocals precisos. Misturando o português ao inglês, às vezes na mesma música, Pethit traz de volta o sex appeal tão necessário ao rock libertário. O disco completo foi colocado para download gratuito no site oficial de Pethit.
Em janeiro começa a turnê do novo álbum, com o show de estreia em São Paulo no dia 15, às 21h, no Sesc Pinheiros (Teatro Paulo Autran). Os ingressos vão de R$ 12 a R$ 40 e podem ser adquiridos no site SescSP (a partir de 06/01) e na bilheteria do local (a partir de 07/01).
Batemos um papo descontraído com Thiago Pethit sobre a nova fase que representa Rock’n’Roll Sugar Darling e o conceito por trás do disco. Veja a entrevista completa:
Você escreveu Estrela Decadente quando estava passando por um momento difícil emocionalmente. Parece que agora a estrela subiu e se tornou uma rock star. Como foi essa transição de um disco para o outro?
Você decifrou a charada já de cara. Na verdade, o Estrela Decadente e o Rock’n’Roll Sugar Darling são quase dois lados da mesma moeda. O Estrela Decadente olhava pra um momento da minha carreira e celebrava um fracasso dela, é um disco que dava resposta muito mais ao meu insucesso do que qualquer outra coisa. Eu tava vindo do meu primeiro disco e de certa forma ele foi bem sucedido, mas por outro lado, mercadologicamente e tudo mais, é um fracasso também. E o Rock’n’Roll Sugar Darling ele celebra as mesmas coisas, só que olhando pra um sucesso. Eu continuo completamente independente, continuo sendo um artista que tem dificuldade de se encontrar no mercado, mas eu sou um artista que está chegando no terceiro disco super bem produzido, super bem feito, com uma arte bem feita… Eu falo que o Rock’n’Roll Sugar Darling é a ascensão da Estrela Decadente. É bem isso, é uma brincadeira de eu ter me tornado um rock star, do meu som ter ficado mais forte e mais intenso.
E ir para os Estados Unidos buscar personagens como Joe Dallesandro foi uma forma de fortalecer o conceito do disco?
A ideia era justamente essa, que não fosse apenas uma brincadeira, mas que fosse a coisa em si. Eu queria que imageticamente, por exemplo, as pessoas pudessem ver esse rock star. Eu brinco que esse rock star é um paradoxo, porque na introdução do disco o próprio Joe Dallessandro fala “as pessoas precisam de um down to earth rock star”, que é um rock star que seja um ser humano comum, e o paradoxo é justamente esse: eu sou um músico independente, sem nenhum grande sistema me tornando um rock star, mas, ao mesmo tempo, eu preciso ser visto como um rock star. Eu sou uma estrela, mas eu sou uma estrela que desceu pra Terra e tem que pagar as contas, ir no banco e que não pode quebrar quarto de hotel porque sou eu mesmo quem vai pagar. Então, eu fui pros Estados Unidos justamente em busca de criar o que está mais distante de mim. Perto de mim, sem dúvida, estão as contas (risos). Fui até lá pra construir esse imaginário, fui buscar na gravação do Joe justamente essa fonte de verdade, porque hoje em dia a gente não conhece mais rock star, existem os artistas pop que são todos iguais, enlatados e a cada ano surge uma Taylor Swift da vida.
No início do ano, quando conversamos no Meca Festival, você disse que tinha uma imagem na cabeça de Elvis Presley no Havaí. Aquele dia, seu show até teve uma temática Elvis no palco, e agora eu ouço o “rock safado” de Elvis neste disco. Aquela imagem se tornou referência para Rock’n’Roll Sugar Darling?
Sem dúvida, começou lá com certeza. Meus discos sempre têm isso: eu começo a ter visões, parece premonição (risos). Eu sempre fico influenciado, de repente aparece uma imagem na minha cabeça que parece que quer me dizer alguma coisa e eu demoro pra ir desvendando, destrinchando o que essa imagem está querendo me dizer. De fato, o Elvis foi uma super inspiração pro disco, tem muitas musicas que têm pelo menos um certo sabor Elvis Presley. Eu busquei muita inspiração nessas figuras icônicas do rock que era muito sedutor, mesmo. Mick Jagger, Elvis, Jim Morrison, todos esses caras que eram muito sexys e que essa coisa da sedução era muito explícita. O disco toca muito nesse olhar desse rock que ficou lá meio esquecido com esses caras.
Como você percebe o rock, atualmente, no mundo e no Brasil?
No mundo afora eu até consigo pincelar alguns exemplos de coisas que vão mais na direção que eu tô indo, mas especialmente no Brasil, hoje em dia, roqueiro não pode rebolar. O rock se tornou uma coisa muito heterossexual, muito heteronormativa. O mercado da música pegou o rock e tornou ele a coisa mais enlatada e padronizada pro homem branco. Você vai no show de rock só tem cabeludo, branco, macho e não pode rebolar, porque se rebolar é gay. Enfim, o rock acabou se distanciando muito disso, que era uma coisa da origem mesmo dele. Quando a gente fala que gosta de rock’n’roll, no fundo, no fundo, a gente tá falando de um rock que não existe mais. Essa ideia de sexo, drogas e rock’n’roll é uma coisa que cada vez menos a gente vê. Virou uma espécie de punhetagem mesmo. E esse disco ele olha pra esse rock que ficou no passado.
Que estilos musicais estariam fazendo o papel transgressor do rock?
Os gêneros mais populares eles conseguiram, por enquanto porque eu acho que nada dura pra sempre no mercado, passar pra esse lado mais transgressor do que o que o rock faz hoje em dia. A Valeska Popuza, no fundo, é uma grande feminista que, de fato, pode falar sobre a liberdade sexual da mulher. Quer dizer, são temas muito mais próximas àquilo que a gente pensa como rock’n’roll. Eu tive certeza que eu faria esse disco quando eu assisti uma campanha publicitária que a rádio Kiss FM fez que era exatamente o oposto do oposto do que o rock’n’roll poderia ser. Era um menino dentro de um galpão sendo tomado pelo espírito possessor do funk, do axé, do pagode e todas as coisas libidinosas possíveis que a gente conhece na música brasileira. E tinha um padre exorcista, e toda vez que ele aparecia e falava as preces dele tocava rock’n’roll. Eu falei “mas, gente, o rock era coisa do demônio!”. Eu acho que essa campanha é a grande metáfora disso que eu tento falar no disco.
Você prefere um amor tranquilo pra vida inteira ou daquelas paixões que duram semanas e mudam sua vida inteira?
Os dois, ao mesmo tempo (risos).
Você esteve gravando um filme recentemente?
Eu filmei como ator, entre os personagens principais, em setembro, um longa-metragem, já terminei de filmar. Chama-se “SP é Uma Festa”, é um filme da Vera Egito, que foi roteirista do [clipe] “Moon”. É uma diretora incrível e é o primeiro longa que ela tá fazendo. Fazia muito tempo que eu não atuava. Eu comecei o filme odiando voltar a atuar e terminei achando lindo.
Há pouco as eleições aconteceram no Brasil. Como artista, você sentiu que em algum momento deveria se pronunciar?
Como coincidiu de eu lançar o disco bem na época das eleições, pra mim foi muito engraçado porque eu sinto que esse disco veio muito a calhar pra esse momento. Por um lado, porque eu me expresso melhor politicamente com a minha arte do que com qualquer coisa que eu possa dizer. E por um outro lado, porque eu sinto que a gente tá vivendo um momento político e social muito assustador e extremista também. De certa forma, não tem o melhor lado entre os dois que a gente conhece, sabe? Eu acho engraçado eu lançar um disco falando de um rock’n’roll super anárquico em meio às eleições e não me identificando nem com o PT nem com o PSDB, achando que os dois partidos estão olhando pra mesma coisa e acreditando que o rock é uma postura política anárquica e muito mais libertária do que levantar uma bandeira de um partido, ir pra esquerda ou pra direita. Então, pra mim foi muito engraçado lançar o disco em meio a tudo isso. É um disco que é sobre um tipo de liberdade, um tipo de crença na sociedade, um tipo de política. A minha política, sem dúvida nenhuma, é anárquica. É engraçado, porque eu me identifico profundamente, nesse momento, com os black blocs, sabe? Uma das músicas foi até um pouco inspirada nessa coisa dos black blocs, a “1992”. Tudo bem que eles erraram muitos os black blocs, eles se tornaram milhares de outras coisas, mas mil vezes estar insatisfeito quebrando um totem da Coca-Cola na paulista do que estar insatisfeito no sofá fazendo cara de blasé.