Entrevista | Conheça o afrofolk futurista da Tuyo

04/04/2018

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Divulgação/ Luciano Meirelles e Hai Studio

04/04/2018

O corriqueiro ato de catar alguma playlist diferente ou um novo artista para embalar a rotina, às vezes, pode ser estremecido. Aquele momento em que, segundos depois do play, você é arrebatado pela repentina emoção que uma melodia ou verso que desperta algo. Ouvir a Tuyo é mais ou menos assim. Com um desprendimento de quem trata a música com sensibilidade, eles compartilham sentimentos de forma tão profunda que afeta você como se os sentimentos fossem seus.

Formado por Lay e Lio (irmãs) e Jean (namorado da Lio), esse trio, que funciona como um tripé de tão entrosado, dá vida ao folk futurista da Tuyo, que mescla violão, sintetizadores e letras que tocam o coração da gente. O ponto que se encontram agora é fruto de uma longa caminhada: fizeram parte da banda Simonami e as irmãs já participaram do The Voice Brasil, em 2016.

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Com o sucesso do EP Pra Doer (2017), a banda de Curitiba segue fazendo shows pelo Brasil e neste mês tem passagens confirmadas por Porto Alegre, no próximo sábado, e em São Paulo, no dia 21. Abaixo, confira a conversa exclusiva com a Tuyo sobre o Pra Doer, ser banda independente, se jogar no audiovisual e estética negra.

Como foi a construção do EP Pra Doer? Que temáticas mais inspiraram a Tuyo?
A gente se juntou com o Cairê Rego, o Gabriel Vaz e o Felipe Pacheco, que são integrantes da Baleia, e também com o Rodrigo Lemos, um produtor bem forte aqui em Curitiba. Nós tínhamos uma lista enorme de músicas e escolhemos as que poderiam ser as primeiras do disco. “Amadurece e Apodrece” ficou como Lemos e as outras três do EP ficaram com o pessoal da Baleia. Fomos trabalhando à distância com eles, até o momento em que a gente conseguiu passar um final de semana no Rio de Janeiro e gravamos juntos, lá na casa do Bruno Giorgi e foi incrível. Todo mundo ali nos recebeu muito bem, demos um norte do que queríamos, das nossas referências, dos sons e bandas que a gente gosta e até com quem a gente queria se parecer de alguma maneira, para dar uma cara para o que a gente queria construir até ali. Estávamos na urgência de fazer com que a galera que nos ouve passasse a entender o lugar que nós queríamos estar, como nós queríamos nos apresentar. Apesar do disco mais lo-fi (Tuyo, de 2016) ser uma coisa que a gente gosta muito, ser uma estética que a gente assume, e que tudo que está ali sejam coisas que a gente reproduza ainda hoje, a gente também gosta de dar novas caras, de novas estéticas. Queríamos fazer um som mais pop e fomos caminhando para o sintético, de acordo com as nossas referências, como o R&B. Um som mais dançante, que a gente goste de ouvir e que seja uma parada massa de executar no show, saca? Estávamos na urgência de responder para o pessoal que perguntava “Então, o que é a Tuyo?”. Queríamos dizer “Isso aqui é a Tuyo”. Adicionamos elementos mais eletrônicos, experimentamos com o violão, coisas que trabalhamos em outros projetos e quisemos trazer para a Tuyo também. E isso não é só no som, é na imagem também. Pensamos muito no design do EP, de colocar a nossa cara, se saber que a Tuyo é um trio, porque a gente tinha acabado de sair daquela vibe do The Voice, era “Lílian e Layane” para tudo que era lado, então queríamos trazer mais a cara do Jean, mostrar mais a trindade da Tuyo. Retirar o primeiro trabalho, que é mais lo-fi, do Spotify também foi um plano nosso de comunicar uma ruptura. O público que nos ouvia no The Voice, parte dele gosta da Tuyo, mas boa parte não é o mesmo que curte o som autoral que a gente vem produzindo. Quem fez o design desse EP, que tá fazendo o do próximo disco e que tá trabalhando em todo o conceito visual da Tuyo é o João Rimenzoski, da HAI Studio.Escolhemos aquele conceito da gente se atravessando justamente para criar essa unidade do trio, para os três serem um só.

Como o lançamento e todo o sucesso que o Pra Doer tá fazendo impactam vocês enquanto artistas independentes?
É uma realização pessoal, porque, no final de contas, é uma empresa, né? É o nosso negócio, é a nossa empreitada, é o nosso único tiro. A gente só tem uma chance de acertar, não dá para errar. E nossa única arma é a nossa sinceridade. Parece piegas, mas a realidade é essa. Pela primeira vez a gente vai conseguir viver com o fruto do nosso trabalho mais honesto, da coisa que a gente mais curte fazer. Quando a gente sente as coisas dando resultado, parece que foi tudo de repente. Mas aí você olha para trás e vê que é todo um trabalho de ser banda independente. A gente teve que se envolver em muita coisa, organizar os próprios shows, lidar com contratante. Agora, estamos conseguindo montar a nossa equipe, ter mais gente trabalhando com a gente, um pessoal que a gente confia. Com isso, a gente consegue ver o resultado das pequenas coisas que montamos e plantamos lá atrás. A gente tem ido muito na experimentação, porque não tem um curso superior de como montar uma banda, sabe? Mas tem dado certo. Estamos muito felizes com o resultado, com o pessoal que tá conhecendo e reconhecendo a gente como Tuyo. Queremos que não pare, que essa mágica da música em que a gente consegue conectar os nossos sentimentos com os sentimentos do público continue. Mas, também pensando na parte prática, que continue dando certo, que a gente consiga pagar os nossos boletos. É tudo muito louco, um dia a gente tava pirando fazendo música em casa, criando, e agora tem uma galera que quer ouvir mais, que ver a continuação dessa história. Isso é bonito, dá força para continuar e fazer mais.

Adorei que vocês são uma banda em família. Como isso influencia no processo criativo de vocês? Vocês se sentem mais afinados artisticamente por causa disso?
[Risos]. Eu acho que o rolê da gente ser família traz muita intimidade, porque a gente se conhece muito, o que facilita na hora de trabalhar juntos. No começo, foi um pouco mais difícil saber lidar um com outro, separar o que é da empresa e o que são questões pessoais. Estamos juntos e casamos isso, de todo mundo atuar na música. Mais do que a gente ser família, o que facilita o trabalho é o fato de sermos amigos. Porque, não adianta ser só família, tem gente que se mata, sabe? Olha o Oasis aí, olha o Liam… não adianta nada ser irmão do outro, se não se dão bem. Nós somos muitos sortudos, todos aqui querem fazer a mesma coisa, estamos no barco pelo menos objetivo. Em uma banda, cada integrante tem suas qualidades e suas fraquezas, e nós temos mais clareza para enxergar isso. A Lílian puxa o carro e vai na frente. O Jean e a Layane dão suporte. Vamos nos ajudando, criando um sistema nosso. Óbvio, no começo a gente batia as cabeças, como qualquer banda, como qualquer família, como qualquer amigo. Enfim, trampar com família é bom e ruim. Tem o lado positivo de resolver as questões na hora, de rolarem algumas reuniões que a gente não marca, mas naturalmente acontecem.

Voltando ao Pra Doer, como o próprio título diz, o EP tem muitas composições íntimas, muita composição doídinha, sobre saudade, sobre desamor, etc. Ao mesmo tempo, as melodias e os vocais são muito doces e leves. Como vocês lidam com esse jogo entre delicadeza e dor?
A gente gosta muito do dicotômico, apesar da gente não acreditar que as coisas sejam assim. Mas, tem muita poesia na dualidade das coisas, em enxergar isso. A gente só consegue capturar o mundo de maneira encaixotada – não no sentido de algo estagnado, mas sim de organização das coisas. A gente sabe que o agridoce é agridoce porque tem um sal e um doce ali. É muito foda você ter que encarar a realidade da solidão, do desamor, do abandono, de enfrentar a vida adulta, mas é tudo inevitável. Talvez, com essa brincadeira que a gente faz entre letras duras e um harmônico complexo, um ballet melódico mais elaborado, a gente facilite e alivie um pouco do que você recebe, sem se esquivar do trauma, da dor ou do problema. A gente não acha que a música tenha essa obrigação de doutrinar ninguém, mas é um caminho que a gente escolheu lidar com as coisas de um jeito mais saudável. Tem momentos que você tá lidando com alguma coisa, mas que não sabe o que é ainda, não sabe dar um nome para isso. E isso fica perdido dentro de você. E você precisa decodificar, entender aquela parada. Já teve gente que nos contou que, ouvindo a nossa música, elas conseguiram isso. A pessoa não sabia o que tava acontecendo, e nos ouvindo em um show, conseguiu dar o significado para aquilo que ela tava sentindo. Não que a gente tenha uma receita, a gente quer é fazer música, mas o que vier de resto, é lucro.

Vocês são muito entrosados em tudo, nos clipes, na divulgação, no som. Como essa dinâmica de trio funciona na hora de compor as letras e as melodias?
Faz muito tempo que a gente não compõe junto. Mas, a linha de montagem é mais ou menos assim: alguém faz uma letra, já tem alguma melodia na cabeça, mas ainda tá cru. Aí, joga pro grupo. O Jean é muito bom arranjador, ele consegue tirar um arranjo complexo para uma música que antes era de duas, três notas. Ele faz ficar complexo. Enquanto a Lay ou a Lio vai completando as linhas melódicas que faltam nas músicas uma da outra. É sempre assim, nós nunca fomos do tipo “Vamos sentar, pegar um violão e compor tudo junto”, mas a gente sempre faz passar por todos, sempre tem o dedinho de alguém. Nesse rolê que estamos vivendo agora, de rodar com um EP e daqui a pouco estar com o próximo discos, o Pra Curar, a gente tem entendido qual que é. Antes, ficávamos pensando “Ah, Christina Aguilera, a gente quer um novo disco logo!”, mas a gente não sacava o quão difícil era compor. Enfim, a gente já se viu em situações muito constrangedoras, então não temos muita vergonha em mostrar canções uns para os outros e também temos o desapego de saber que a outra pessoa vai mexer nisso.

Sobre a sonoridade de vocês, existe essa leveza, uma pegada mais orgânica. Mas também tem o pop, os sintetizadores, esse lado mais sintético. Como é para vocês equilibrar o orgânico e o sintético?
É um desafio bem massa que a gente quer entrar ainda mais fundo. Eu acho que agora é inevitável porque as possibilidades de você fazer coisas mais tecnológicas, de novos timbres, estão aí. Por que não misturar essa parada? E claro, a gente tenta fazer isso de um jeito mais pop também, levando para um rolê de tornar a parada mais viável, de fazer um som mais democrático. A gente consome muita música pop e quer produzir também. Nós estamos aprendendo muito, produzindo esse tipo de som, mais R&B e com mais sintetizador, passamos a conhecer outros músicos dessa vibe, é um outro universo. Quando a gente assiste a um show, tem lugar que a gente quer dançar, lugar que a gente quer ficar mais emocionado. A gente consegue proporcionar isso, pra pessoa até dançar chorando. A gente tá se conhecendo como artista em outro lugar, é uma outra Layane, um outro Jean, uma outra Lílian.

Dá pra dizer que a Tuyo tem uma vibe afrofuturista? Como que isso se relaciona com o trabalho de vocês?
A gente acha que toda a vez que um preto, por mais que seja de pele clara, como é o nosso caso, estiver à frente de um som moderno, ele vai estar dentro do macro movimento que é o afrofuturismo. A gente não tem coragem de se comparar com uma Janelle Monaé, uma Tássia Reis, uma Grace Jones, mas entendemos que a gente tá dentro de um campo semântico. Quando eu, Lílian, e a Layana éramos mais novas, as pessoas queriam enfiar a gente num vestido florido, botar um laço na cabeça e mandar cantar um samba. Quando a gente rompe com um estereótipo, a gente já tá no futuro, já tá longe. Acho que a gente só consegue olhar para os movimentos depois que eles passam, mas ficamos orgulhosos e contentes, pensando que estamos fazendo algo muito certo para nos encaixarmos nesse campo semântico, dentro do afrofuturismo, que a gente consome. É um norte que a gente tem. É bonito ver o Rincon [Sapiência] chegando, a Luedji Luna chegando, a Xênia [França] chegando, e tantos outros representantes fortes do afrofuturismo, na estética, no discurso, na presença. Talvez, na Tuyo isso não esteja tão evidente, mas a gente tá lá.

O clipe de “Amadurece e Apodrece” é muito lindo, cheio de referência estéticas e até uma super coreografia. Além disso, vocês também lançaram um ep visual para Pra Doer. Qual o peso que o audiovisual tem pro trabalho de vocês?
Autoestima é uma parada complicada. Esse tema é um tema muito complicado. Quando a gente se olha no espelho, vê uma uma imagem de beleza, se admirar e se enxergar, isso é um rompimento com séculos de pensamento contrários. Então, o audiovisual é importante por muitas coisas. A gente percebe o mundo assim, observando, olhando. É claro que botar um vinil para ouvir é super importante, mas quando isso não vem atrelado a outras formas de receber o som, com a imagem, talvez ele pareça vir um pouco incompleto. É importante a chance de ver pessoas parecidas comigo recebendo algum tipo de aplauso em relação a estética. A gente tem que olhar no vídeo e se achar bonito porque a gente vem tentando isso há muito século, mas sempre vínhamos cantando escondido. Acho que a estética da figura negra está tendo mais força agora. O clipe de “Amadurece e Apodrece” foi importante, um espaço em que a gente pode ser elegante do jeito que a gente achou que deveria ser elegante. Há muito tempo a gente queria fazer um clipe com dança, mas ninguém aqui sabe dançar [risos]. Mas a gente chamou uma menina que é super amiga nossa, que é dançarina e professora de dança, que fez a coreografia e chegou para uma galera [que participa do clipe] que também não sabia dançar, mas que super queria tá ali dentro. A gente percebeu que ali era um lugar nosso, que a gente poderia construir o que a gente quisesse. E eu percebi também que era a nossa chance de chamar pessoa que a gente ama, que a gente acredita muito no trabalho, porque a gente quer trabalhar junto, tanto no ep visual quanto no clipe. No elenco tinham umas 10 pessoas, mas ali no set tinha umas 50 pessoas, no mínimo, todo mundo no mesmo objetivo. Eu acho que essa força foi impressionante, de chegar no fim do dia e ver que aconteceu. Foram vários dias de ensaio até chegar no dia daquela parada acontecer. Quando a gente caminha por esse rolê visual do audiovisual, entendemos que são formas de nos enxergar, de nos admirar.

Quais são os projetos para 2018 e o planejamento pós ep?
Tocar muito. Cuidar do Pra Curar, que já tá com coisas bem encaminhadas, e temos mais material para lançar. Também vai sair um documentário sobre o clipe de “Amadurece e Apodrece”. A gente quer fazer chegar, produzir o máximo para fazer chegar na galera.

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04/04/2018

Brenda Vidal

Brenda Vidal