O dia 17 de agosto ficou marcado na história do carioca Filipe Ret com o lançamento de Audaz (2018), que completa a trilogia de álbuns composta por Vivaz (2012) e Revel (2015). O disco já pode ser ouvido nas plataformas digitais e conta com 13 faixas, incluindo “Vivendo Avançado”, “A Libertina”, “Louco Pra Voltar” e “Santo Forte”.
Com colaborações de MC Deise, Thiago Anezzi, Pan Mikelan, Dallas, Mãolee, BK, TH, Flora Matos e Marcelo D2, Audaz é apontado como um dos discos mais audaciosos da carreira de Filipe e, como o próprio nome já diz, marca um novo momento na vida do artista.
Que tal colocar um pouco mais de ousadia no seu dia? Então, dê play no disco e confira a conversa que tivemos com ele sobre o álbum, música e projeções futuras.
Audaz completa uma trilogia discográfica intensa. Depois de Vivaz e Revel, esse disco chega marcando um novo momento da sua carreira, com versos ácidos e batidas pesadas. O que ele representa pra você e como foi o processo de produção?
Como você falou, ele tá finalizando essa trilogia e é muito experimental mesmo, sabe? Ele tem influência de rap, com muito funk, eu quis fazer uma coisa bem singular mesmo. Acho que é a palavra mais bacana pra definir isso, era pra ser uma coisa mais musical e artística. Eu tive muito presente na parte da produção musical do disco, então eu tô em cada timbre, em cada virada de bateria. Eu consigo rimar numa batida, eu consigo fazer um um refrão, mas o mais importante é eu ver isso um pouco mais a frente e tentar fazer alguma coisa um pouco mais a frente. A minha tentativa foi de forçar esse limite e ir um pouco mais além. Eu acho que o experimental é muito bacana e falta um pouco isso na música, entendeu? Na verdade, eu nem acho que falta na música, mas é que a gente acaba ouvindo as coisas que não têm um experimento. Elas são coisas feitas mesmo pra dar certo. Então eu procurei fazer uma coisa que eu ficasse amarradão e que eu achasse style.
O disco traz uma sonoridade complexa e passa por diversos estilos. Você foi do trap ao funk, passando pelo soul e até reggaeton. Como foi mergulhar em tantos estilos e como você vai levar essa sonoridade para os palcos?
Eu acho que a tendência dos artistas é eles serem cada vez mais livres. Eu acredito que eu seja um exemplo de que o rap é mais livre, entendeu? O rap é a minha raiz, minha essência, tanto é que as minhas letras são muito egocêntricas. Isso é do rap, ele tem essa coisa. Eu acredito até que eu seja visto com antipatia por muitos artistas, porque o meu som acaba sendo musical demais, mas, ao mesmo tempo por ter essa essência do rap, ele acaba tendo esse negócio do egocêntrico. Do eu, do eu, do eu, o tempo inteiro, sacou? Mas isso é uma coisa muito do rap. E é difícil para quem está fora do rap entender essa necessidade tão forte “do eu”, “da autoafirmação”. As pessoas quando ouvem, elas se identificam muito porque o que eu falo, na verdade, é sobre elas, entendeu? O rap tem muito disso. Você ouvir achando que é você. Porque, na verdade, é. O que me deu mais autoestima na minha vida foi ouvir rappers que falavam sobre esse “eu”. E eu achei que eu era aqueles rappers. O rap é transformador por isso. Então eu carrego a essência desse rap, que quer transformar a autoestima das pessoas. E o poder transformador desse estilo é muito grande hoje em dia, além de estar se provando como o gênero que mais cresce no país e no mundo.
Então, você acredita no poder de transformação da sua música?
Sim, claro que eu acredito. Assim como o rap me transformou, eu acredito que a minha música também transforme as pessoas. O que eu digo, a forma que eu digo e como eu digo. Depende muito de quem tá escutando, entende? É como um quadro, um desenho. A música ela é expressionista, vai depender muito da interpretação e da mentalidade da pessoa que tá escutando pra entender o que ela quer dizer, ver, sentir ou ouvir. Muitas coisas não são ditas de forma muito clara, então eu gosto de trabalhar assim.
E isso é muito forte, né? Todo esse espaço que o rap vem conquistando o papel que você cumpre dentro disso…
A gente tá passando por isso, por essa onda de transformação. Na verdade, eu sou um cara que fico amarradão – pessoalmente falando – de ver as pessoas conquistando as coisas delas, entendeu? Eu sou sempre o cara que fala pras pessoas pensarem primeiro nelas mesmas. Então eu sou um cara que dou estímulo. Eu curto poder transformar as pessoas nesse sentido. Quem ouve o meu rap e fica amarradão e vai trabalhar com mais estímulo e reflete isso, eu só estou repassando o estímulo que o rap também me deu. Só que eu tento fazer isso com mais musicalidade, com mais experimentação e com mais liberdade. Acho que isso é simples assim.
E isso também vai transformar o seu show em uma experiência única?
Sim, sim. O show é uma química de energias. É o público, é o palco, é o som e tal, mas é sempre uma energia diferente. Cada show tem uma energia diferente, mas eu gosto, porque foi justamente essa raiz do rap que me trouxe, uma autoestima muito grande e que me permite fazer o que eu gosto e o que eu amo. E eu acredito que o rap tem uma variedade de ritmo e é um trunfo muito grande. Musicalmente, a pessoa que escreve rap tem uma visão de como se escreve os outros tipos de música, entendeu? Porque ele abrange todas as músicas. Porque o flow do rap – vamos dizer assim – ele é trunfo mesmo, né? Então ele se adapta a muitos ritmos. Eu acredito nisso, o cara que escreve rap, também consegue escrever outros estilos. Mas a recíproca não é verdadeira. Quem escreve outros estilos, não necessariamente, escreve rap.
Conta um pouquinho pra gente sobre as parcerias do disco. Você tem feito um trabalho pesado com o Mãolee e com o Dallas. Como surgiu essa relação e que papel ela tem na sua vida?
Pô, o Mãolee é o irmão que a música me deu, que o rap me deu. E o Dallas tem sido um novo irmão, que tá chegando, irmão caçula mesmo. Foi ele que meteu a mão no disco inteiro, ele que controlou a nave. Eu produzi junto com ele o Mãolee ali sempre, dirigindo e aconselhando como sempre fez comigo nos trabalhos. Por eu já ter tido também uma experiência dos outros discos, e até com o MãoLee mesmo, de produção, eu consegui dirigir um pouco mais o Audaz e fazer um pouco mais com a minha cara. Mas pô, eles são seres humanos que eu gosto muito. O Dallas é o novo menino de ouro da Tudubom [selo]. E eu gosto de trabalhar assim, com equipe. Eu to sempre trocando ideia com as pessoas ou colhendo o máximo de ideias das outras pessoas. Eu tô sempre perguntando, exigindo críticas de todo mundo lá da Tudubom. Esse time de beatmakers representa muita coisa, eles são muito especiais.
“Gonê” é, sem sombra de dúvidas, uma das faixas mais intensas do disco e escrita na língua do TTK. Comenta pra gente sobre o processo de criação da faixa e qual o significado dela pra você.
Ela saiu naturalmente, todo mundo aqui da minha área fala assim, então eu to acostumado a falar assim. Na verdade, essa foi a rima mais fácil que eu escrevi do disco inteiro. Tem os meninos da nova geração do Catete que estão chegando, os meninos do Bloco 7: Akira, Sain, BK que são aqui da minha área também. Então, eu queria valorizar o meu lugar. O Catete é um celeiro de rap hoje e com certeza eles foram estimulados. Espero ter incentivado também. “Gonê” foi uma homenagem pra minha área. A gente teve uma cultura no Catete – hoje não porque a criançada não anda mais na rua – mas é que eu to com 33 anos, mas na época que eu andava na rua no Catete, a cultura lá era muito diferente. A gente ia pra baile de favela, baile de corredor. Nesses bailes, as músicas que tocavam eram aquelas que exaltavam os “lugares deles”. Os bailes de favela, exaltavam as favelas, os bailes de corredor, exaltavam as áreas. Então, desde a minha pré-adolescência, eu tenho esse DNA, desse localismo. Localismo é uma palavra que eu fui entender o significado depois. Então, na verdade, a faixa é isso, é defender o seu local. Isso também é do rap e quando eu conheci o rap, era “Rap do Amor”, “Rap da Felicidade”, “Rap do Silva”… conheci com o funk. Hoje, eu misturo essas referências todas.
Pensando no agora, a gente tá vivendo um momento de empoderamento – das mulheres, da população negra, da comunidade LGBT- sem falar de um cenário conturbado na política. Pra você, qual o papel da música nesse momento?
É uma pergunta bem complexa mesmo. Eu acho que ela tem o papel de desencaretar, principalmente, entendeu? E acelerar o processo de “desencaretamento” do país como um todo. Apesar de como cidadão ter uma visão coletiva da sociedade, eu tenho a minha posição, mas acredito que artisticamente, eu prefiro ser anarquista, entende? E estimular, despertar as pessoas a pensar sempre mais além. Não necessariamente para um lado ou para o outro, mas acho que a gente tem que ter um pensamento mais esférico, do que de direita ou de esquerda. Eu acredito que tudo faz parte de um processo de esclarecimento de todo mundo e de tudo isso que a gente tá vivendo. Acredito que hoje os negros estão com mais voz, que as mulheres estão com mais voz, bem como as minorias também estão ganhando voz. Tudo vai se equalizando e vai se moldando. O mundo tá girando! As coisas vão acontecendo, mas elas também vão se equilibrando de alguma forma. Mas, eu prefiro não me posicionar, porque eu não gosto de ser visto como um lado, entende? Eu acho que pode ser pretensão demais minha, mesmo, mas prefiro me manter esférico na minha arte.
Com Audaz, nasceu um novo líder: quem é Filipe Ret e que a gente pode esperar dele daqui pra frente?
Eu tô sempre trabalhando. Pra te falar a real, tô até tirando uma folga com a minha família, mas assim, hoje mesmo, eu entrei numa loja e tava tocando Sabotage. Ontem, eu entrei num restaurante japa, e tava tocando Tim Maia. Essas duas personalidades já me influenciaram, entende? Então, a todo momento eu to sendo influenciado pelo poder da música, é muito intenso isso pra mim. Então eu tô à procura, sempre. E daqui a pouco, eu já tô dando os próximos passos e indo pro meu próximo projeto, fica no aguardo aí!