O Girls, duo californiano que coloriu, melancólico, as páginas da NOIZE #35, figura aqui em fotos não publicadas na revita, registradas no mesmo encontro que originou aquela matéria.
Texto: Fernando Corrêa
Foto: Rafa Rocha
Chris Owens, equivalente ao coração do Girls, cortou o cabelo pouco tempo antes de vir ao Brasil. Adotou o topete do ídolo Elvis Presley e afastou-se da carga destrutiva que os cabelos longos, louros depositavam sobre seus ombros, como se fosse ele uma reencarnação de Kurt Cobain. Ficou mais exposto e, presume-se, mais vivo.
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Sua figura pouco encorpada parece equilibrar-se sobre uma navalha. Na música, o Girls é melodioso e soturno. Corre-se tanto risco de entrar por um ralo depressivo e confuso quanto de conhecer o sol de São Francisco, nas tardes em que Owens acordou de ressaca e traçou planos com o grandalhão Chet “JR” White—a outra parte essencial do Girls, o cérebro. Eventualmente os planos se concretizaram em Album, LP que o grupo lançou em 2009 e rapidamente rompeu as barreiras da Califórnia.
Não vão dominar o mundo, mas sonham compor um standard que soasse bem na voz de Elvis. O Girls é a plataforma de sustentação desse sonho, e a única coisa que Owens ama fazer. “É preciso expor-se para que a vida faça sentido”, disse, em uma noite fria de junho.
Estandarte e porta-voz da música e da vida desregrada que os dois levam, Christopher Owens vem de um berço confuso, que serviu de prato cheio para a imprensa desde que sua banda ganhou holofotes indie. Ele mesmo contou ter crescido no culto Children Of God (“Meninos de Deus”), braço mais radical da onda free love que resultou em muitas hippies grávidas nos anos 1970 e 80. Owens foi nascer justo em meio à galera que tolerava a pedofilia e o incesto.
O pai abandonou o barco depois de perder um filho, irmão de Chris, aos 2 anos. Hospitais não eram um local seguro para crianças tão “amadas”, mesmo com pneumonia. Restaram à mãe de Chris duas meninas e dois garotos para criar, e uma cartilha a seguir que a estimulava a se prostituir sem remorso. Ficaria marcada como uma mulher complicada e sofrida. A história é tão incrível que houve gente, de fato, questionando sua veracidade.
Se os Girls se reduzissem a folclore, pouco interessariam. No entanto, a passagem da dupla pelo Brasil, durante a realização do Popload Gig Festival 3, mostrou uma banda entrosada executando, vejam só, lindas canções que ficariam bem na voz de um topetudo folgazão meio século atrás.
Foi quando houve a chance de entrevistá-los. Cansados, o cérebro JR ficou mudo, e Owens, o coração, falou pouco. Mas vivos, com jornalista, fotógrafo e banda em um diminuto camarim, não tiveram como evitar a exposição.
Vocês dizem que o fato de Album ter resultado com esse som, ao mesmo tempo lo-fi e vintage, tem a ver com a (falta de) estrutura e os espaços inapropriados em que ele foi gravado. No entanto, a sonoridade parece toda muito intencional…
Chris: Na verdade, não acho de maneira alguma que o nosso disco soe lo-fi, pelo menos a gente não teve essa intenção. É um disco simples, mas gostamos muito de como ele resultou—na verdade, ele soa como queríamos que ele soasse. Existiram algumas limitações impostas pelo espaço, mas ficamos satisfeitos com o resultado.
E que limitações eram essas?
Chris: Era um prédio em que muitas bandas tocavam ao mesmo tempo, um estúdio podreira, então quando a gente parava de tocar, podia ouvir as pessoas tocando na sala de cima. É difícil gravar quando você não pode cantar alto, quando o equipamento é ruim, quando você grava nos horários mais estranhos. E na verdade as outras bandas não gostavam muito da gente. (risos)
E em um próximo disco, com a estrutura melhor com que vocês deveram contar, a ideia é manter a simplicidade? Não vejo vocês como uma banda que se prende necessariamente a um conceito…
Chris: Na verdade a gente já fez isso, acabamos de gravar um disco, e foi num estúdio muito melhor, muito mais tranquilos e relaxados.
Um disco full, LP?
Chris: Ele é quase tão longo quanto Album… tecnicamente é um EP. Mas ele segue o que viemos fazendo, eu componho o tempo todo, as músicas são de épocas diferentes… Eu acho que tem uma parte dissociável, que vem de quem eu, nós somos. O disco foi gravado em condições muito melhores, em um puta estúdio. O resultado é bem melhor e, mais que isso, foi muito, muito mais fácil gravar.
Vi um vídeo em que você, Chris, dizia que tinha acabado de compor um reggae…
Chris: Sim, acontece de eu fazer uns reggaes às vezes, quando a gente enche a cara de maconha (risos). Mas essa não entrou no disco. Não acho que o Girls esteja no clima de gravar um reggae, mas seria legal… aí teríamos que gravar na Jamaica, seria muito massa, com uns daqueles monstros do reggae, uns produtores e músicos jamaicanos… (risos)
E essa banda que está com vocês, como rolou a aproximação? Eles podem ser chamados de Girls agora?
Chris: Sim, com certeza. Temos tocado juntos por um bom tempo, acho que uns três meses.
Matthew Kallman: Eu sou amigo de John há anos, e nós dois somos amigos de Chris há um bom tempo também. Nunca tocamos em banda juntos, mas ele já tinha me visto tocar em outras bandas.
Garett: E eu sou amigo de JR, ele me convidou para tocar e… Cá estou eu!
No myspace de vocês, há aquele link para um site que identifica drogas. Se, em vez de Girls, vocês se denominassem um daqueles numerozinhos, qual seria?
JR: (Risos) …Eu fiquei pensando… (murmura alguns números difíceis de entender)… É difícil escolher uma…
Chris: Todas elas! A gente é muito eclético (risos).
Tem uma música brasileira que diz que “Elvis na fase decadente é bem melhor que muita gente”(“Elvis”, de Frank Jorge)…
Chris: Todo mundo gosta dele. Ele é uma dessas pessoas universais, um símbolo, e é disso que eu gosto nele. E significa gostar de tudo, do que ele significa, da sua dança, sua voz, sua música… As pessoas sempre vão procurar isso, alguém que entregue pra elas algo com que elas se conectem. E a música dele se conecta com todo mundo, consegue atingir a todos. E definitivamente não se vê muita gente fazendo isso hoje….
E você busca isso, quer dizer, é uma motivação sua no Girls?
Chris: Completamente, sim. As nossas músicas partem de sentimentos muito universais…
A crueza da música de vocês deixa gritante a sinceridade dela, em um nível que me faz perguntar se você não se sente muito exposto…
Chris: A Celine Dion também é sincera (risos). Uma pessoa precisa se expor para que a vida tenha sentido. Quer dizer, eu preciso estar exposto. Mas é claro que muitas vezes eu já me senti incomodado por estar em um ambiente cheio de gente. É algo com que tenho que conviver, porque ao mesmo tempo é parte do que mais gosto de fazer na vida…
Enquanto boa parte do disco e vocês tem essa pulsação pop das antigas, músicas como “Morning Light” mostram muito das influências mais shoegaze e punk. Quando adolescente, Chris, qual era sua vivência nesse meio?
Chris: Certamente, “Morning Light” se diferencia por isso. Amarillo, no Texas, onde eu vivi essa época, era uma cidade relativamente pequena, então a maioria das bandas que tocavam eram bandas desconhecidas. Mas eu cheguei a tocar em algumas bandas de amigos nessa época, só que para mim não era muito legal nem muito interessante, porque não eram músicas minhas, eram músicas que os outros tinham criado.
A música do Girls atingiu em cheio algum demanda. As publicações ligadas ao indie todas veem e falam de vocês como uma grande novidade. Vocês têm ideia do porquê, foi algum plano?
Chris: Não, a gente nunca pensou “vamos fazer assim, assado”. Aliás, tem muito a ver com isso, talvez. Sim, eu acredito que tem muito a ver com a simplicidade, com a nossa música dizer coisas para as pessoas. E é tão diferente do que a maioria dessas bandas faz. Eu poderia soar estranho, mas eu não quero soar estranho. Você pode soar estranho, por mim tudo bem, acho legal.