As misturas de Keila até soam ousadas, mas só dão certo porque cada um dos elementos de sua arte está intimamente ligado à sua vida. O ser mulher, o ser periférica, o ser do norte; o canto, a dança, o technobrega. Artista e obra se (con)fudem em um resultado original que pode ser conferido em seu mais novo disco Malaka, lançado no mês passado, e que conta com apoio da Lei Semear (PA) e do projeto Natura Musical.
Ao longos das dez faixas, Keila apresenta dez facetas – uma mais potente que a outra. Cantora e dançarina desde a adolescência, ela se tornou uma expoente do technobrega paraense quando, aos 17 anos, entrou para o grupo Gang do Eletro, que rompeu os limites do Norte com os hits “Velocidade do Eletro”, “Galera da Laje” e “Só No Charminho”.
Mais de 10 anos depois, ela embarca na aventura de dar vida ao seu primeiro disco solo. Malaka é um grito estridente das vozes que sempre são silenciadas ou menosprezadas, mas sem nenhuma vibe de tristeza: Keila brada a força de ser o que se é, mesmo em condições nada acolhedoras.
Com produção da própria artista ao lado de Felipe Pomar, ela costura hits sintéticos e alucinantes, um verdadeiro frenesi em BPMs ligeiros, ao lado de composições sobre empoderamento, autoafirmação e, óbvio, a boa farra, que anima a laje e o setor. Uma conexão autêntica entre o technobrega e outros ritmos brasileiros, como o funk, o forró eletrônico e o batidão.
Com exclusividade para a NOIZE, Keila respondeu três perguntas sobre seu novo lançamento e sobre o brega. Solte o som, deixe a batida de Malaka endoidecer você e confira o papo abaixo:
Você diz que “o brega nunca foi tão pop” quanto em Malaka. Quais foram os conceitos sonoros que basearam as fusões do disco?
O conceito é periferia, mulher e o tecnobrega conectado aos sons do mundo – sons oriundos da periferia – e mostrar que a conversa entre os ritmos é natural.
Muitas pessoas consideram o som do “brega” ou do “technobrega” nichado, algo regional. Você concorda com essa afirmação? Como podemos encarar o brega de uma forma menos reducionista?
Eu discordo, acho que isso é uma condição imposta ao ritmo pelo fato de não ter nascido no eixo comercial brasileiro, tudo que acontece fora do eixo é automaticamente tido como regional, exótico, excêntrico. Mas o tecnobrega é um ritmo pop em potencial, assim como o funk, o hip hop, reggaeton. Quebrando essas barreiras que foram criadas entre as regiões brasileiras, o norte conhece bem a cultura do Rio de Janeiro ou de São Paulo porque recebemos muitas informações da mídia. Mas é só agora que começaram a perceber o tamanho do país. Tem muita coisa pra mostrar, mas é importante também viver a experiência e conhecer o movimento de perto, assim consegue-se ter um olhar mais amplo, enxergar a paridade e o diferencial.
A questão de levantar a voz de quem é historicamente calado parece ser uma das bases de Malaka. A quem o disco busca ouvir? Que narrativas e mensagens você busca potencializar?
A maioria das minhas músicas partem de uma vontade de falar sobre as minhas experiências enquanto mulher periférica. Minhas dores, sexualidade, dança, fortalecimento e enfrentamentos. Quero que meus sentimentos em “Sou Keila” e “Aperte o Botão” cheguem até as meninas que acham que não conseguem; “Kanalha” nas mulheres que vivem relacionamentos abusivos; “Brega Doido” e “Endoida” nas pessoas que estão precisando de diversão e dança; “Kente” e “Tu perdeu” nas manas que precisam falar e libertar sua sexualidade. E, principalmente, quero que saibam que não estão sozinhas com seus sentimentos. Posso dizer que o disco tem uma mensagem feminista, mas com uma abordagem bem simples e direta. A Malaka é alguém que não é ouvida, mas que não se cala. Por isso a capa é um grito. Sigamos insubmissas.