Entrevista | Rafael Crespo, ex-Planet Hemp

28/07/2010

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Reprodução

28/07/2010

A matéria sobre os 15 anos do disco Usuário do Planet Hemp você lê completa na edição #35 da NOIZE. Como nem todo material coube ali, vamos publicar algumas entrevistas completas e fotos aqui no site, como essa com Rafael Crespo, guitarrista da banda:

LEIA A EDIÇÃO #35 COMPLETA DA REVISTA NOIZE

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Entrevista: Bruno Felin

O que você fazia na época, como se conheceram?

Na época eu estudava comunicação e já conhecia o Formiga, já tinha tido uma banda com ele e o Skunk é um cara que já conhecia, pois frequentávamos o mesmo circuito de shows e bares. Como o Rio de Janeiro era muito pequeno, então a gente acabava conhecendo todo mundo. Depois que eu já estava na faculdade eu conheci o Marcelo através de um amigo, o Carlos Rasta, e ele me disse que tava montando uma banda com o Skunk, que já era amigo meu e a gente resolveu tocar junto.

Você tinha outras bandas?

Naquela época eu vinha de uma escola do punk rock, do hardcore, som alternativo, de Seattle, aquela coisa. Aquela época começou a misturar muita coisa, começou a surgir o lance do skate, o hip-hop veio junto. Então era uma época que se escutava coisas diferentes, pois tudo surgia meio junto, não tinha uma separação, era propício pra que surgisse um som misturado mesmo.

Vocês começaram em 1993. Como foi o processo de crescimento, tocaram mais no Rio de Janeiro?

Foi tudo muito rápido, fizemos shows no Rio de Janeiro e era uma época que tinha muito lugar de show, coisas surgindo, acontecendo. Depois de um período de muito marasmo no Rio de Janeiro, começou a surgir uma atividade cultural e tinham muitos lugares que apareciam e que duravam dois ou três meses. Era sempre alguém tentando fazer alguma coisa e eu tive a sorte de estar no meio disso tudo. A gente tinha essa disposição de sempre tocar, mesmo que fosse roubada ou não, então tocamos bastante nessa época, foi um período curto mas bem intenso. Por eu ter morado em São Paulo, conhecia muita gente e começamos a fazer alguns shows lá e foi isso, tocamos praticamente no Rio e São Paulo.

E o processo até chegar o convite da gravadora?

Na verdade começou a surgir várias bandas, lugares de shows e muitos festivais também. Tinha uma amiga nossa, a Elza Cohen, que organizava o festival Super Demo. As bandas queriam muito tocar, dava uma divulgação boa e tudo mais. Ela chamou a gente pra participar e a gente acabou meio que participando de quase todos os festivais. Acho que a Sony percebeu que estava acontecendo alguma coisa e eles foram procurar alguém pra fazer essa ponte entre eles e o que estava acontecendo, pois eles ficavam o dia todo no escritório, eles precisavam de alguém. Essa pessoa foi a Elza, que chamou a gente. Eles queriam formar um selo que se chamaria Super Demo e acabou não indo pra frente, então ficou sendo o Chaos mesmo.

Como era o processo de composição de vocês?

No início eu era o único que tinha um experiência de tocar, fazer show e gravar, então naturalmente eu assumi esse papel de fazer as músicas. Com o tempo o pessoal foi também desenvolvendo e ficando mais a vontade pra fazer isso. Mas no início mesmo era eu que assumia esse papel junto com o Formigão.

Você chegava com o riff e depois colocavam a letra?

Pra você ter uma ideia no primeiro ensaio a gente fez cinco músicas, ia saindo meio de improviso. Já tinham umas letras e a gente ficava fazendo jam em cima pra ver se ficava bom. Não era uma coisa muito trabalhada também, era muito mais de energia.

Como foi a participação do Skunk, fez vários shows da primeira fase?

Ele foi o responsável por unir a gente porque eu conhecia ele e não o Marcelo. Ele foi o ponto de referência pra todo mundo, era a banda do Skunk, sabe. Era um cara que tinha conhecimento tanto de punk quanto de hip-hop. Nunca foi limitado a escutar só um estilo, sempre teve muita cultura musical. Ele fazia essa ligação também entre as duas coisas. Nesse início, o Skunk foi muito importante e participou de vários shows também. Ele já estava doente, mas foi complicando mais pra frente. Justamente quando a coisa foi ficando mais séria ele não pode acompanhar a gente.

E a entrada do BNegão?

Naquela época apareceram várias bandas, a gente já tinha tocado junto com o Funk Fuckers e ele tinha uma outra banda, a Juliete. O Skunk tava doente mas ele não contou pra ninguém, quando ele viu que tava ficando mal, que não conseguia acompanhar a gente, ele mesmo se ligou e descolou o Bernardo. Ele tinha uma percepção muito grande das coisas e viu que o Bernardo era o cara que realmente poderia assumir a parte dele. Então ele chegou e disse: “eu não vou poder ir tocar, mas chama o Bernardo, eu já falei com ele e ele vai no meu lugar”. Foi o Skunk que colocou o BNegão, meio que já prevendo o que ia acontecer.

Como foi a negociação com a gravadora? Afinal, falar de maconha naquela época não era simples.

Foi curioso cara, pois ao mesmo tempo que a gravadora achava que esse era um dos grandes motivos por estarem nos contratando, pois achavam que era uma coisa polêmica e que podia ser legal, mas ao mesmo tempo tinham medo também, pois podia dar uma grande merda. Eles tinham esse dilema: o entusiasmo de contratar uma banda polêmica, mas tinha essa de poder dar problema. Mas acho que os advogados lá disseram, sei lá devia ter uns 300 caras lá e disseram que tudo bem. Muita gente disse pra gente tomar cuidado, diziam que nesses contratos a banda só se fode e tal, mas a gente pegou, deu uma lida, levou pra outros advogados. Sugerimos mudar algumas cláusulas e em comum acordo arrumamos, foi bem legal pra gente. O contrato foi pra três discos, só que com cláusula de que a cada disco poderia ser renegociado. Acabamos renegociando o segundo disco realmente, só que pra melhor, então foi muito bom pra gente.

Como foi o processo de gravação, sem muita experiência?

A gente tinha uma noção do que queria mas não tinha uma ideia pronta, pois não sabia como era lá no estúdio. A gente tinha um amigo, o Ronaldo Pereira, que tinha um estúdio e a gente gravava lá umas demos, era nossa experiência mínima. Queríamos um produtor pro disco, queríamos o Edu K, na época o De Falla era uma banda de puta referência pra gente, mas ele não podia ou a gravadora não queria e não rolou. O Miranda que era uma referência também não podia, pois tinha o Raimundos, Mundo Livre S/A e no fim das contas a produção ficou na nossa mão. Todos os outros produtores que a gravadora conseguiu eram ligados a coisas que a gente não curtia, tipo sei lá, o produtor do Skank, do Barão Vermelho, coisas que a gente não se identificava. Tínhamos muito medo de pegar um cara que não entendesse do nosso som e quisesse mudar ou algo do tipo. A gente conversou muito com o Marcelo Yuka do Rappa, pois eles passaram pela mesma situação, tinham acabado de gravar o disco. Eles foram sem produtor também e foi ele que deu esse incentivo pra gente. Acabamos produzindo nós mesmos, no mesmo estúdio que eles, com o mesmo engenheiro de som. Ele influenciou muito nessa decisão, tínhamos medo de entrar em estúdio sem produtor e acabar fazendo alguma cagada. Chegamos lá com essa confiança passada por ele, sabíamos o que a gente queria. A ideia era soar o mais cru possível, como se fosse um show. Sempre fomos uma banda de show, nossos shows eram legais, essa era nossa experiência de tocar: ao vivo. Acabou não ficando exatamente assim, mas pra gravar um disco era um trabalho difícil. Hoje eu escuto o disco e vejo que realmente têm coisas que deixaram a desejar por falta de experiência nossa mesmo. Mas por exemplo na guitarra, eu usei todos os timbres que eu quis, eu fiquei horas pesquisando, acho que essa parte até ficou boa. Mas tem outras coisas que podíamos ter dado uma atenção maior e acabamos não dando, enfim, mas no primeiro disco acho que isso faz parte.

Vi uma entrevista tua em que você fala que os caras eram muito duros na hora de gravar…

A nossa influência tinha muita referência dos anos 1970. A gente escutava disco nacional e por mais diferente que uma banda fosse da outra, a conclusão que a gente chegava era que os timbres eram todos iguais, parecia que não importasse que banda que fosse gravar, era o mesmo som. Isso é uma coisa que parece que tira toda a personalidade, a característica da banda e a gente não queria isso. Quando a gente viu que tava saindo igual, por mais que se esforçasse, não sei, as pessoas estavam acostumadas ou aprenderam a gravar desse jeito, enfim, eu não sei porque, mas tava ficando igual a tudo também. Aí a gente falou vamos fazer algo diferente, pra parecer que é ao vivo e o cara (Fábio Henriques, engenheiro de gravação) nos ajudou bastante, foi atrás de tudo que a gente pediu, nunca tinha feito isso, mas tava entusiasmado com a nossa pilha. Ele sempre disse: “vamos fazer!”, nunca tesourou a gente. Mas quando viu o resultado ele ficou com medo que caísse na dele.

E o sucesso do disco? Foi meio que imediato o boom da banda?

Foi meio que uma consequência do nosso trabalho, a gente tocava bastante e sempre fomos uma banda que o show era muito bem recebido, tinha uma energia. Depois que tivemos uma gravadora e uma estrutura maior por trás, a gente conseguiu fazer isso pra um público maior. Foi uma coisa natural do nosso crescimento. A partir do momento que rolou a estrutura pra um show maior, a resposta foi a mesma. Os nossos shows tinham uma energia legal e aquilo empolgava as pessoas de alguma forma, acho que o show sempre foi uma atraçã

o muito maior do que o disco, por exemplo.

Era um público mais interessado no assunto da maconha ou no som?

A princípio sim, tinha essa galera que era mais interessada e ligada na legalização, mas conforme foi crescendo, as pessoas que gostavam de outros tipos de música começaram a ir nos shows. Hoje em dia eu vejo muitas pessoas que nem fumam e nem são a favor, nem acham legal, falando que a banda era muito boa, que não fuma, mas gosta da banda. Acho que dava pra separar bem uma coisa da outra.

Fala das suas referências, o Nação Zumbi era uma delas?

Não acho que o Nação Zumbi foi uma influência, pois quando a gente conheceu eles nosso som já estava definido. Lógico que a partir do momento que uma banda conheceu a outra e a gente foi ficando amigo, inconscientemente uma coisa vai influenciando a outra. É uma coisa mais imperceptível, não uma referência marcante. Acho que foi mais marcante o De Falla por exemplo. Que é uma banda que a gente realmente se espelhava, a gente ouvia o disco pra ver como eles conseguiam fazer uma determinada coisa, tipo uma referência mesmo assim. O Beastie Boys também era uma referência de coisas que estavam sendo feitas na época. O Chico Science era uma referência mais do jeito como ele misturava a coisa regional com a música, isso era uma coisa legal, mas ao mesmo tempo que eles tinham o maracatu, a gente tinha o samba também, que já vinha antes de conhecer eles. Acho que foi mais uma identificação do que uma referência.

Vocês tinham alguma preocupação com o lance legal, do que vocês estavam fazendo?

Cara, a gente não tinha preocupação com nada! Ninguém estava nem aí para porra nenhuma.

Você não chegou a ser preso né?

Eu quebrei o braço, sofri um acidente e acabei me afastando um pouco da banda, foi “sorte”.

Uma opinião final do disco. Como é pensar nele 15 anos depois?

Eu tenho o maior orgulho dele, por que era pra ter sido uma coisa muito mais revolucionária do que foi, mas mesmo assim acho que foi uma coisa que tava muito além do que as pessoas estavam preparadas na época. Mesmo com todas as limitações que tivemos no estúdio ou neguinho da gravadora enchendo o saco, preocupado em vender ou não vender disco, acho que esse disco foi muito sincero, muito espontâneo e hoje em dia eu não vejo isso em lugar nenhum, parece que é uma coisa que acabou na música. Esse disco pra mim representa tudo isso, toda a vontade, todo o tesão que um adolescente pode ter em tocar, fazer música e poder mudar alguma no mundo. Esse disco é o símbolo disso tudo.

Vocês tinham essa ideia revolucionária desde o começo, acreditavam realmente nisso?

Acreditava muito cara. Sempre acreditei nisso desde o inicio, todo mundo ali acreditava muito nisso. Acho que era isso o que levava a gente pra frente. Isso e também o conceito musical, de achar que tudo era muito careta, muito chato e previsível. As bandas que a gente gostava não conseguiam fazer sucesso tipo De Falla, Ratos de Porão, a gente queria meio que fazer um negócio diferente e isso é legal, pois foi uma época em que algumas coisas aconteceram juntas, teve Chico Science, teve Raimundos antes. Foram bandas que vieram com esse pensamento tipo: “vamos mudar tudo e fazer um negócio realmente diferente”. A gente não estava sozinho.

Essa última década sentiu muita falta disso ai né?!

Não! Pra mim acabou, não existe mais.

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Revista NOIZE

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