Entrevista | Reflexões, beats e memórias em “Wallace”, novo EP de Paes

11/10/2019

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Isabela Yu/Divulgação

11/10/2019

O que a vida privada pode revelar sobre o modo como vivemos coletivamente? Como o jeito que a nossa geração vive interfere em nossas relações, nossa ações e determina se as conversas são olho no olho ou tela com tela? Embebido nas reflexões e confusões da contemporaneidade mais online do que off: é assim que nasce o universo de “Wallace”, alter-ego/persona/figura que batiza o novo EP do pernambucano Paes e que simboliza ele mesmo, você e os seus amigos.

Guiado por melancolia, memórias e lembranças, o músico se põe disposto a transformar dúvidas em caminhos a desbravar. Com sonoridades lisérgicas, sintetizadores e estética lo-fi e minimalista, Wallace (2019) é o primeiro trabalho fora da Boogarins em que Benke Ferraz trabalha como produtor e guitarrista. O registro também conta com parcerias de Marcelo Campello (ex-Mombojó) e José Duarte nas composições.

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Paes (Foto: Isabela Yu)

Sexto trabalho da carreira, Wallace é mistura de urgência com reflexão: foi gravado basicamente em dois dias em um super estúdio – conceituado por ele como “retiro” – em uma cidade distante de Recife. Com o trabalho ainda fresquinho, conversamos com Paes, recém chegado a São Paulo, sobre como deslocamentos territoriais mexem com as lembranças, sobre a produção do disco, os conceitos presentes em Wallace e sobre a elaboração de sua capa e do mini doc experimental que o acompanha. No meio da entrevista, você ainda pode conferir a playlist “Wallace Inspirações”, na qual Paes e Benke reúnem alguns dos sons que nortearam o registro. Solte o player no álbum, desça a página e aperte a campainha: Wallace vai abrir a porta de sua casa para você.

Você é de Recife, mas tá radicado em São Paulo, né? E o disco traz muito a questão da lembrança, da melancolia, das memórias. Como essa relação com as memórias é impactada quando a sua trajetória é marcada por deslocamentos territoriais?
Eu morei a minha vida toda em Recife e sempre trabalhei com música morando lá, apesar de já ter tido a oportunidade de viajar em algumas turnês por outros estados e para fora do Brasil também. É a primeira vez que eu me mudo pra morar em outro estado e só faz dois meses que eu estou aqui em São Paulo. Então, eu ainda estou percebendo essa relação da diferença de território, de como é viver em outro estado e em outro tipo de cultura, com outras formas de convivência em outras cidade, mas ainda é tudo muito recente pra mim. Em relação ao disco, as letras falam dessa coisa um pouco nostálgica, meio melancólica, inclusive tem uma música que se chama “Lembra”. Mas, para ser mais específico, o EP reflete essa última fase, desde o disco Mundo Moderno (2018), que eu passei três anos construindo, até agora na construção de Wallace, que já foi um período mais curto, então, engloba tudo que eu vivi durante esse hiato.

Então, além desse período, a mudança de cidade também aguça essa relação com as lembranças?
Sim, certamente, eu tô vivendo um milhão de emoções porque mudar de cidade, ainda mais de um estado tão distante para o outro, implica em uma mudança de sua vida pessoal, as pessoas que você convive, os amigos de infância, relações amorosas, família, tudo que você constituiu em sua vida. Você carrega tudo isso para o lugar para o qual você está se mudando através das memórias. Tem esse lance de você mudar seu ciclo, de encerrar um ciclo e iniciar outro, é como se fosse uma morte e um renascimento ao mesmo tempo. Eu tô vivendo esse momento de transição sem saber ou racionalizar muito, mas sentindo essa diferença de estar em outro lugar, de fazer novas amizades, de reencontrar amigos que já vieram para São Paulo, então tem esse reencontro com essa parte de Recife. Tem o medo, o receio, mas o lado do desafio, de instigar sair da zona de conforto, de fazer novos laços. Mas essa coisa da saudade, da nostalgia, tá bem presente nesse momento de mudança da minha vida e profissional, porque o mercado aqui é bem diferente. 

No texto enviado à imprensa, o alter ego Wallace é descrito como sendo ao mesmo tempo você, Paes, eu e todos os meus amigos e também que ele está perdido, “mas disposto a não se deixar abater, querendo encontrar a si mesmo e ser feliz”. Essa geração refletida em Wallace está perdida em relação a que? Que caminhos você busca para se encontrar e não se perder de vista? 
Eu não pensei em uma faixa etária exatamente, não são exclusivamente jovens ou adultos. Tem toda essa reflexão sobre a nossa vida contemporânea, com toda essas possibilidades tecnológicas de você se relacionar com outras pessoas através da internet, celulares, computadores, aplicativos, pra tudo existe um aplicativo na vida. Eu falo dessa sensação que a gente têm, somente quem é mais jovem, até uns 35 anos, talvez seja quem usa mais essas tecnologias, mas não sei; mas ao mesmo tempo que a gente tem essa sensação de que tá conectado com a internet, com o mundo, com as notícias, com as pessoas dentro do internet, através da imagem que você quer mostrar, a gente vê esse resultado nos tipos de relações na vida real das pessoas. Eu observo ao meu redor que o que fica claro pra mim é que ao mesmo tempo que as pessoas têm a sensação de que estão conectadas com todo o mundo, na companhia de todo o mundo, têm uma sensação de isolamento e solidão muito forte, meio perdido nesse mar de informações e de gente conectada. Eu vejo geralmente pessoas tendo problemas sérios como ansiedade, depressão, crise de pânico, relacionados a essa nova era digital. Não sei se é porque eu tenho uma impressão de São Paulo por ser de fora, é tudo muito grande, é muita gente fazendo muita coisa ao mesmo tempo, e tem um pouco essa coisa de já se acordar na noia de ter que agilizar alguma coisa, de ter que trabalhar, a cidade respira isso, né, e é como se você fosse obrigado a ter que fazer alguma coisa. E isso não é nada humano, na real é bem máquina. Então, é nesse campo de reflexão sobre a contemporaneidade que “Wallace” entra, essas formas de relação e o resultado na vida da pessoa, sobre caminhos, talvez não tenha nem como dizer pra mim mesmo como uma bula, uma fórmula, quanto mais para os outros sobre o que fazer em meio a essa realidade toda, sabe? Eu também estou descobrindo, vivendo, sentindo isso também, todas essas coisas que eu falei, eu tô passando por tudo isso e ainda tô tentando descobrir o que eu consigo fazer para me sentir melhor, me sentir menos perdido nesse mar de informações, de gente, nesse distanciamento físico das pessoas, em que é difícil marcar de encontrar uma pessoa pra não fazer nada, sabe? Às vezes parece que só rola das pessoas se encontrarem através dos vínculos de trabalho, e aí não acaba se conhecendo, só convivendo, respirando e trocar ideias, que é o barato das relações, né? A troca, saber do outro. Mas nesse mundo de trabalho, de correria, às vezes a gente não tem tempo nem pra si mesmo, que dirá para o outro. Como eu trabalho com música, com arte, com conteúdos, e tenho que criar público e gerenciar redes sociais e sites, e divulgar, todo o dia a minha música, eu tenho que trabalhar meio que a qualquer hora com celular e computador todos os dias, ainda mais sendo freelancer. É meio que um armadilha, mas o que eu procuro fazer é tentar usar de uma forma positiva, que não atrapalhe a minha vida, sabe? Que isso não consuma muitas horas do meu dia. Que eu deixo o celular e o computador em algumas horas do dia e que vá ler, desenhar, ouvir uma música, encontrar um amigo, andar na rua, enfim, voltar aos costumes que talvez nós tivéssemos mais antes desse boom todo tecnológico, e refletir sobre como posso tornar esse meu mundo menos artificial, e levar essa reflexão para as pessoas com quem eu tenho afeto. 

Wallace concentra as dúvidas da contemporaneidade (Foto: Isabela Yu)

Benke teve uma participação super ativa na produção do EP, que também parceria de Marcelo Campello. Como rolaram os convites para que eles participassem de “Wallace”? E como a experiência de gração na Glândula Lab, na cidade de Gravatá, então tão pouco tempo influenciou o processo criativo de vocês? 
Posso começar a falar por José Eduardo, que um amigo meu, carioca, compositor e músico e autor da música “Quatro Paredes”, dá onde surgiu, através de uma brincadeira, o nome “Wallace” e todo esse conceito em relação a essa figura. A faixa se repete no EP entre a versão mixada e a versão demo, que José gravou em voz e violão em um celular lá em 2013, quando me deu a canção de presente. E no disco, é como se você começasse por ela, e aí no final do disco, você terminasse com a versão demo da mesma música. Então a participação dele é muito importante. Porque tanto em “Mundo Moderno” quanto em “Wallace”, o disco surgiu de um conselho dele, então sempre gosto de frisar a importância dele nesse processo, que eu admiro muito. Então sou muito grato à parceria dele. O Marcello Campello é meu amigo há muitos anos, desde os tempos da escola Construtivista chamada “Recanto” de onde saíram vários músicos e artistas maravilhosos. Na época do Mombojó eu acompanhei o surgimento da banda e era muito fã. E todo mundo convivia junto, jogava a mesma pelada, sabe, ia na casa da galera. Mais tarde, quando ele já tinha saído da Mombojó, a gente começa a ficar mais próximo, a compor junto, a gente até tem um projeto junto que ainda não foi gravado, mas temos várias músicas em parceria. Há uns dois anos, começamos a revisitar essas músicas que estavam um pouco encostadas, começamos a ensaiar e preparar. Mas a gente acabou não conseguindo gravar, mas pegamos essas duas músicas que não combinavam muito com o projeto que queremos fazer juntos e pensei em gravar nesse trabalho solo. Assim surgiram “Fala” e “Lembra”, sendo que “Fala” virou single e “Lembra” é uma música super chave, que se você ouve, acha que é uma coisa de romance, mas também fala sobre estar junto em coletivo, que é algo que eu acho que se encaixa nesse momento que a gente tá vivendo politicamente e socialmente no país, apesar de ter sido escrita em 2010. Em relação a Benke, nos conhecemos quando ele ia discotecar em umas festas mais alternativas lá de Recife junto com a sua companheira, a Ana Garcia, mas a gente ainda não tinha trocando nenhuma ideia. E aí eu vi alguns shows da Boogarins, mas foi no Coquetel Molotov do ano passado que a gente se reencontrou de fato. Aí eu dei uma fita k7 do meu último disco, Mundo Moderno, pra ele, ele curtiu e começamos a nos falar pela internet. Agora que ele tá morando lá, ficou mais fácil da gente se encontrar. Ele me deu uma fita  de Boogarins na Casa das Janelas Verdes (2018), que é um projeto mais experimental que o Boogarins fez com vários convidados em um sítio no Rio de Janeiro em parceria com a revista da Void, e eu pirei no som. Quando decidi investir no EP, a primeira pessoa em que pensei para a produção foi o Benke. Queria que fosse uma pessoa de fora do meu convívio, que tivesse um olhar de fora e que me tirasse um pouco do lugar comum musicalmente falando. Mandei uma mensagem, ele topou na mesma hora, no outro dia já tava na casa dele para fazer a reunião, já levei o equipamento todo, e ele topou. Então a pré-produção meio que começou ali. O estúdio em que gravamos fica em Gravatá, uma região um pouco afastada, fica há uma hora mais ou menos de Recife, no agreste de Pernambuco, o estúdio fica em um laboratório criativo de um amigo meu de infância, Cássio Sales, no meio de um vale que é o Vale do Arco-Íris, que tem açude, mato e bicho em volta. Isso proporciona o disco ter essa cara muito familiar e pessoal, e durou um dia e meio, foi rápido pela facilidade entre a convivência. Dentro dessa gravação, as músicas que eu levei pra Benke eram três. As outras duas, que fecham o disco, são composições minhas com o Benke, resultado de um desafio que a gente se propôs já que a gente ia gravar nesse lugar mais retirado. E aí surgiram a música “8BiteBlues” e a música “Espelhoz”, que são as minhas parcerias com o Benke dentro do disco e são as duas únicas músicas que ele mixou. 

O cuidado com a estética desse universo criado em “Wallace” parece também ser aplicado à capa do EP e também o doc. Como eles complementam esse lançamento? 
Como a gente fez essa gravação no retiro, o disco não tinha nome. O nome, inclusive, nasceu da ideia de “Quatro Paredes” que eu fui brincando com o Benke. “Quatro Paredes” ficou, em inglês, “Four Walls”, depois de “quatro” virou “para” como “For Walls”, em seguida “For Wallace”, que foi traduzido para “Para Wallace”, e, finalmente, “Wallace”. E aí eu decidi chamar o disco assim; Benke topou. A partir daí, eu fui desenvolvendo mais esse lance de personagem, pensei em fazer uma figura que tivesse um figurino diferente, uma roupa diferente, um jeito de falar, um jeito de dançar diferentes, pensei que na performance do show eu ia incorporar esse personagem, como o “Igor” do Tyler, the Creator ou “Ziggy Stardust” do David Bowie, como um personagem à parte da minha persona. Um vez criado, conversando com a Marcela Dias e com Diana Lins, que são respectivamente quem fez a arte e o design do disco, foi junto com eles, e com Yasmine Borba também que fez o figurino, com elas eu fui criando isso da estética, elas foram muito importantes para a definição desse lado imagético. E Marcela foi muito feliz em colocar esse “Wallace”, na capa, ambientando em um quarto e com alguns objetos que são importantes para ele.

Capa de Wallace ( Arte por Marcela Dias e Design Gráfico por Diana Lins)

Quando eu tive essa ideia de fazer o disco solo novo, foi tudo meio rápido, foi meio que depois do carnaval, lá em março. Junto de Victor Giovanni eu decidi em fazer um disco novo. Por não ser um projeto com tantas músicas, decidi que seria massa um fazer algo que pudesse registrar esse processo todo, e então fizemos esse mini doc experimental através de referências. O filme e o disco meio que são um material só, só que um é audiovisual e outro é áudio. Acho que fazer isso tudo junto, a gente ter ido de carro junto, viajado, comprado as comidas e bebidas que íamos consumir juntos, isso moldou todo o mood do disco e do doc e acho que por isso deu tudo muito certo nas parcerias e no resultado. 

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11/10/2019

Brenda Vidal

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