Exclusivo | “Craca, Dani Nega e o Dispositivo Tralha” é um dos discos do ano

08/07/2016

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Divulgação

08/07/2016

Por mais individual que a criação seja, é na arte do encontro que uma música ganha força. Craca, Dani Nega e O Dispositivo Tralha, o disco de estreia da dupla formada por Craca e Dani Nega está sendo lançado hoje com exclusividade pela NOIZE em um faixa a faixa comentado que você ouve abaixo:

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Dani Nega é uma atriz e MC que traz no sangue a música negra. “O rap sempre esteve na minha vida. Racionais sempre foi trilha sonora na minha casa e nas festas da rua onde eu morava”, conta. “Desde pequena, tenho o rap, o soul, o funk, o R&B, o samba e o samba rock como referência musical”.

Aos 17 anos, ela entrou para a Escola Livre de Teatro, onde formou sua primeira banda de rap chamada “Primeiro Ato”, uma banda formada por atores e músicos da escola. “Depois fiz parte do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, um grupo de teatro hip hop. Nesse grupo tive a oportunidade de fazer a fusão da MC com a atriz, me tornando Atriz/Mc. Desde então, me defino como tal”, explica Dani, que já atuou como apresentadora e atuou no longa-metragem A Invasão de 76, dirigido por Ricardo Aidar.

Sua trajetória se conectou à do músico e artista visual Craca através do poeta Caco Pontes. “Dani Nega me foi apresentada por um poeta amigo com quem realizo um projeto de música e literatura chamado Baião de Spokens. Dani foi uma das convidadas pra uma série de shows. A afinidade musical rolou logo de cara”, conta Craca. “Fiquei encantada pela inteligência musical dele e não desgrudei mais”, diz Dani.

Craca é músico, produtor, mas tem um trabalho diretamente ligado à expressão visual. “A música e o mundo da música às vezes são muito fechados em si mesmos. Comecei a achar que associar minha música a imagens também produzidas por mim talvez ampliasse a experiência abrindo espaço para tangenciar outros temas que me são importantes”, diz. Por isso, Craca inventou o que define como “uma gambiarrinha tecnológica” que conecta seu sistema de som a um sistema de projeção videomapeada através do qual projeta cenas enquanto toca.

– Desde que substitui os instrumentos convencionais pelos aparelhinhos eletrônicos vivo uma constante pesquisa em busca da interface perfeita. São formas diversas de conectar meu cérebro e meu corpo ao computador para materializar meus desejos musicais. Nessa investigação passei por muuuiiitos protótipos. Experimentei tocar com reconhecimento de face, usando joystick de videogame, fazendo gestos para a webcam, montei uma reactable caseira, criei controladores MIDI diversos, desenvolvi interfaces touch screen customizadas, fiz uma bateria de cenouras usando o MakeyMakey, um divertido kit educacional para crianças e por aí vai. A tecnologia é para ser criada. Não para ser consumida. Ou nos apropriamos da tecnologia ou ela se apropria de nós – diz.

Craca e Dani Nega ao vivo no Sesc Vila Mariana, em São Paulo

Craca e Dani Nega ao vivo no Sesc Vila Mariana, em São Paulo

O som fruto do ímpeto alquimista cyberpunk de Craca se mostrou uma base perfeita para que Dani Nega debulhasse rimas pesadas que falam sério sobre a violência sofrida pelas mulheres e negros no Brasil. O primeiro single de Craca, Dani Nega e O Dispositivo Tralha, “Sou Preto Mesmo”, expõe, com certa ironia, como a cultura negra é facilmente apropriada. Veja o clipe da faixa abaixo:

– O racismo está em todo lugar. Tá na instituição, na empresa, tá na escola, no trabalho, na TV, tá no teatro, na música enfim, em todo lugar. Hoje, ele só está menos velado. Nós negros estamos nos “armando”, debatendo, discutindo e, principalmente, resistindo, mas o que as pessoas não percebem, não sabem ou não aceitam é que o racismo está inteiramente na forma em que nossa sociedade se estruturou enquanto sociedade, por isso é um problema de todos, um problema mundial e não só de nós negros. Acredito que essa discussão ainda precisa estar em todos os lugares, em todas as esferas da sociedade – afirma Dani.

Além da dificuldade de ser negra, a rapper enfrenta o difícil contexto de ser mulher no Brasil. “As palavras de ódio, a violência física, a forma com que isso está enraizado e se manifesta e se propaga tem me assustado bastante”, diz. A faixa “Papo Reto”, onde canta versos como “nos fazem pensar que o prazer é uma fraqueza feminina” e “nascemos unidas e fomos separadas no pós-parto”, são gritos de Dani Nega contra tudo isso.

E como Craca, homem e branco, se sente participando de um trabalho onde uma mulher negra denuncia as opressões do machismo e do racismo?

– Antes de mais nada, como um aprendiz. Em seguida… como um parceiro musical. A voz da Dani Nega não é a minha voz. É a voz dela. Mas a voz dela entoa, acima de tudo, um clamor por justiça e um anseio por transformação. E nesse sentido eu acho que nos encontramos, fundimos nossos trabalhos e acreditamos na mesma coisa por meio da arte. São assuntos que nós dois temos conversado bastante e eu não suportaria que a música que faço transmita um conceito que não encontre ressonância no que penso. Então nós nos afinamos nesse sentido. O encaixe surpreendente do rap da Dani com minhas bases não tão hip hop assim, mas que surgem dessa minha “tralha” que captura inspirações sonoras diversas e as transforma, se dá não apenas por razões musicais. Os textos da Dani e os sons do Craca trazem, ambos, uma diversidade cultural que busca ser defendida contra os rolos compressores do machismo, do racismo, do capitalismo e do normativismo – explica.

“Eu sou agente da minha própria história. Eu não preciso que ninguém conte a minha história por mim. Se eu tô com o microfone é tudo no meu nome. Então, não tem como falar de mim sem falar do lugar da mulher negra, sem falar da rua, do rap, do teatro. O microfone é o meu lugar de denúncia, de questionamento, de empoderamento”, completa Dani Nega.

No próximo dia 11, Craca e Dani Nega tocam ao lado do Projeto Nave na gravação do programa Manos e Minas, da TV Cultura, de São Paulo. É de graça no Teatro Franco Zampari, saiba mais aqui.

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08/07/2016

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Ariel Fagundes

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