O caos também pode ser uma dança. A ansiedade que lateja por dentro e por fora de nosso corpo obedece menos à ordem das rupturas e muito mais a das movimentações circulares e sinuosidades que se avolumam; uma coreografia com injeções de adrenalina, palpitações aceleradas e barulhentas, respiração curta, pensamentos repetitivos e quase incontroláveis. Passos repetitivos, intensos, que transbordam em uma experiência eufórica ou paralisante.
Foi justamente essa experiência não confortável, mas muitas vezes cotidiana, que serviu de inspiração para Ianaê Régia compor “Edredom”, uma parceria com João Pedro Cé. O single da artista gaúcha foi revelado junto a um clipe ainda em 13 de maio deste ano. Agora, exatamente cinco meses depois, ela antecipa a live session exclusiva para a canção aqui para a NOIZE. Assista abaixo:
O novo formato deixa de lado a esfera fantasiosa já contemplada no videoclipe e ruma para uma abordagem crua, orgânica, mas não menos sinestésica. No registro captado por Giovanna Darcie, também diretora de fotografia, e Fernanda Verdi, a manhã é a protagonista. A luz do sol ilumina, mas também esquenta. Através da envolvente união entre a performance corpo-vocal de Ianaê e a condução da banda formada por Luka de Lima (guitarra), Rhuan de Moura (bateria) e Mateus Albornoz (baixo acústico), percorremos as curvas da faixa, nos deslocando da calmaria ao frenesi. O roteiro e direção do audiovisual são assinados por Morgan Lemes, enquanto a produção executiva é de Bruna Anele. Gabz comanda a fotografia de set, a técnica de som é de Regis Moewius, a contrarregragem é de Thiago Valentini. Completam a equipe Matias Mulhad na pós-produção e Matheus Oliveira, ao lado de Regis, na mixagem. A live session contou ainda com o apoio de Coletivo Palma, EArte e Moa Cafeteria.
Além da estreia da live session, trazemos na sequência um papo com Ianaê Régia sobre os processos criativos da letra e do arranjo de “Edredom”, a dimensão do corpo nesse formato e, até mesmo, qual o cardápio de café da manhã ideal para ser servido ao lado da canção. Desça para ler agora mesmo!
Oi, Ianaê, obrigada por ter topado conversar com a NOIZE. Gostaria de começar perguntando para você: como nasceu a composição lírica de “Edredom”?
Oi, que massa termos essa primeira conversa! Então, o texto da “Edredom” surgiu da ansiedade. Há anos convivo com ela e no período de composição, decidi ilustrar a atividade mental e corporal de uma pessoa ansiosa, atividades estas que são opostas e se retroalimentam. A atividade mental frenética é o que provoca o deslocamento imaginário, o perambular pela cidade e o vivenciar de situações irreais; já a atividade corporal é estática e permanece melancólica debaixo do edredom. No fim, a lírica é sobre o looping de desrealização e paralisia que a ansiedade pode gerar.
O arranjo de “Edredom” é sinuoso, mas não muito brusco, e vai progredindo de forma a nos conduzir da calmaria ao frenesi. Como foi o processo de desenhar isso?
Me orgulha saber que essa curva que vai da calma ao frenesi não foi um plano e, sim, resultado de confiança recíproca construída. Quando começamos a elaborar o arranjo, nosso propósito declarado era encorpar a música com o groove tentador do neo soul misturado com urban jazz – e era isso. Mas, em um dado momento dos nossos ensaios, me dei conta de que eu queria que meu corpo se expressasse de maneira contrária ao corpo lírico, então escolhi dar ênfase à minha comunicação por regência: os gestos, o tônus e os olhares eram expressões que o Luka, o Mateus e o Rhuan sacavam e mergulhavam junto. Nesses momentos, eu compreendia mais profundamente a personalidade musical
deles e eles a minha. Isso gerou cumplicidade, sabe? Acredito que essa construção de intimidade musical tenha facilitado a nossa sinergia durante a gravação. Partimos da calma sem procurar pelo frenesi, chegamos até ele porque pulsamos coletivamente.
A dimensão da partitura corporal é super forte na sua performance. O que muda quando você pensa ela para uma session, que é uma performance com finalização, não exatamente ao vivo, mas, digamos assim, com um apelo também de show?
A dimensão de palco, o ponto focal, os pontos de luz, o movimento de câmera e a kinesfera (espaço pessoal) de cada ume em cena são pontos que eu procuro prestar atenção constante durante uma performance. No momento em que eu compreendo as possibilidades no espaço, prezando pela harmonia com o todo, me sinto mais segura pra explorar a distribuição dos gestos. É um trabalho de propriocepção que começa com um exercício simples: fique de pé, abra os braços e movimente cada um deles em sentidos opostos – esquerda/direita, frente/trás, cima/baixo, em diagonal… O corpo ocupa mais espaço do que a gente pensa.
Que possibilidades artísticas oferecidas pelo formato de session instigam você?
No sentido visual, quando a gente assiste a um show presencial, estamos lá, de frente pras pessoas artistas, vendo tudo em um único plano aberto. Numa session, existe a possibilidade de oferecer ao público o acesso a diferentes dimensões, cortes e montagens, e isso me instiga porque a narrativa musical ganha uma característica poética a mais. Gosto também da divergência que existe entre live session e videoclipe: muitas vezes, na segunda opção, é executado o lip sync, já nessa sessão ao vivo, não. A minha voz e suas multifacetas ressoam de acordo com movimentos reais e naturais do meu corpo: se eu estiver cansada por tanto dançar e minha respiração e voz estiverem demonstrando isso,
ótimo. Eu estive presente no momento, e é com essa naturalidade não processada que eu quero que me conheçam também.
O release comenta sobre a estética da session e do som partirem da calmaria de uma manhã tranquila e com presença. Como seria o café da manhã ideal para acompanhar a vibe de “Edredom”?
Caraca, que pergunta deliciosa. Então, recomendo uma tapioca com recheio de tomate, queijo, alface e maionese de couve-flor, temperada com tomilho e manjericão, com adição de azeite de oliva pra finalizar. Pra acompanhar, um suquinho de laranja com banana batidos (juro, fica delícia, confia). Nem vai precisar de café preto porque o frenesi que dá o pontapé no dia já vai estar nos ouvidos.