O produtor e multi-instrumentista Tha_guts parece ter sido mordido pelo mosquito da criação. Por mais clichê que isso possa parecer, apenas a analogia de um picada pode dar contar da inquietante relação que ele tem com sua produção: como um picada que coça, seu ímpeto criativo parece atiçá-lo a ponto de perder o sono. Só isso explica a disposição do artista para lançar materiais novos e ecléticos com uma frequência que impressiona.
Sua estreia pro público geral foi com um álbum, de cara: as dez faixais de Plastic Noise (2018). No final do mesmo ano, veio o EP Mirror e, em 2019, Moog Lovers. Agora, ele revela mais uma faceta artística em seu novo EP Sandinista, do qual ele saca a faixa “Militar es en la calle” com remix de nada mais, nada menos que Renato Cohen, para você conferir com exclusividade aqui na NOIZE.
Saindo pelo selo Sonido Trópico, Tha_guts se aventura em suas desconstruções e colagens sonoras para lançar ao mundo a sua leitura de sentimento latino-americano. Ficou afim de mais? Solte o player, confira a estreia exclusiva e leia tudo que sabemos – até agora – sobre Sandinista.
O seu trabalho é muito pautado na desconstrução sonora; como foi trabalhar com ritmos latino-americanos nesse novo Ep? Que novas colagens essas influências permitem à você? Quando estamos pisando em território latino-americano (embora tudo que seja produzido aqui se trate de música latina-americana), surgem inúmeras possibilidades de influências. A América Latina tem um perfil sonoro muito variado e, mesmo no Brasil, é possível traçar um panorama bem complexo de gêneros e estilos. Esse leque de possibilidades abre espaço para algumas direções que eu precisei tomar no processo. No meu caso, busquei muito da influencia desse ruído mais regional, tido por vezes como folclórico. Quando morei um tempo em Buenos Aires, em 2014, eu nunca provei tanto esse sentimento de latino-americano quanto ao residir lá, pois estava dentro desse contexto de ser imigrante. Em nenhum momento da minha vida ouvi tanto o disco Clandestino (1998), do Manu Chao, aquelas palavras mexiam comigo como nunca antes e muito devido à postura do povo argentino contra esse sistema norte-americano e europeu de ideias. Aquilo me fez mirar para a América Latina sob uma nova perspectiva, de luta e de pertencimento. Assim, é possível perceber no EP colagens de inúmeros militantes latino americanos como Pepe Mujica, Violeta Parra, Salvador Allende, entre outros.
Como esse EP se relaciona com Plastic Noise (2018), Mirror (2018) e Moog Lovers (2019)? Bem, primeiro é importante esclarecer que esse EP veio antes de Mirror e Moog Lovers. Ele ficou ali fermentando, ganhando espaço constantemente em meu trabalho, afinal essa proposta de gravar algo que se conecta sonoramente com os países do continente latino-americano já era antiga. Levando em conta que no momento eu tenho focado em tracks que abraçam mais esse conceito de música de pista (mesmo que eu, particularmente, ache esse termo um tanto brega) esse trabalho fortalece o sentimento de lançar propostas disruptivas ao longo do tempo, desafiando constantemente o meu processo de criação.
Na cena eletrônica brasileira, a gente saca o surgimento de alguns selos, mas a galera parece ainda apostar bastante no formato de sets. Qual é a importância de lançar um registro no formato de EP? No que diz respeito a lançamentos no Brasil envolvendo labels nacionais, o cenário ainda tem avançado de maneira modesta se comparado a outros espaços. No entanto, para além das grandes gravadoras incutidas nas propostas mais comerciais, existem trabalhos absurdamente significativos no momento. Como o da própria Sonido Trópico (SP) e meu lançamento anterior na Goma Rec, selo de Porto Alegre. Então, eu percebo como tem sido interessante essa dinâmica de trabalho, essa curadoria que permite ainda mais consistência para os lançamentos e que cria um espaço acolhedor para os artistas. Outro ponto que fortalece a proposta dos lançamentos é a cena com djs nacionais que se propõem a gravar sets ou mesmo tocar com muito – ou exclusivamente – produções nacionais. Assim, sinto isso como uma necessidade no momento atual, alimentando esse espaço e me impulsionando a focar nos lançamentos.
Quais foram as influências criativas para Sandinista? Mais do que a música produzida aqui, a ideia desse lançamento foi me aproximar com esse sentimento de pertencimento latino-americano, que pode ser absorvido através de campos diversos como a música, a literatura e as artes visuais. Quando se produz com uma bagagem de influências tão rica, os acidentes no processo podem moldar mais o resultado final que o propósito original. Porém, nesse EP, tudo estava mais óbvio e direto. A linguagem é mais dura e primitiva, e isso acaba expondo mais as intenções. Estamos vivenciando uma sociedade em que, inevitavelmente, só o que se permite avançar é a tecnologia. Mesmo a curto prazo, esse processo tem gerado um efeito catastrófico no que diz respeito aos poucos direitos conquistados e a quebra dos privilégios que alimentam o sistema. Então, com certeza, Sandinista absorve mais dessa insatisfação social e dessa falta de perspectiva, somado a esse sentimento de convergência dos povos latino-americanos como unidade. Abraçando, juntos, nosso contexto, nossas dificuldades; assumindo uma postura de resistência para com esse sistema colonial europeu e norte-americano. Afinal, um tango argentino me cai bem melhor que um blues.
Sandinista (2019)
- 01.”Cumbia de las hojas” (Original Mix)
- 02.”Fuego” (Original Mix)
- 03.”Militar es en la calle” (Original Mix)
- 04.”Militar es en la calle” (Renato Cohen Remix)
- 05.”Militar es en la calle” (Lui Mafuta Remix)