Faixa a faixa | Danilo Timm revela os caminhos percorridos em “NiLØ”

19/06/2023

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Por: Revista NOIZE

Fotos: Cristóbal Rey/ Divulgação

19/06/2023

Com uma vida dedicada aos palcos, o brasiliense Danilo Timm apresenta um novo capítulo em sua caminhada artística: “NiLØ”, o seu primeiro disco solo, reúne 10 faixas criadas ao longo da última década. Vivendo entre Berlim e Brasil desde 2015, o artista queer também é integrante do grupo Aquafaba, ao lado do chileno Cristóbal Rey. Antes da mudança, era comum encontrá-lo nos palcos de teatros espalhados pelo país, em montagens como “Elis – A Musical”, “Xanadu” e “Hair”. 

Além de se destacar no teatro musical, Danilo era preparador vocal de globais e já trabalhou com Fernanda Lima, Leandra Leal, Cláudia Abreu e Danielle Winits. Hoje em dia, elu se dedica a carreira musical, mas também dirige o coletivo teatral Heart Chor, onde realiza apresentações que espalham mensagens de aceitação, body positivity e autoamor. Todas essas vivências são sintetizadas em “NiLØ”, lançado no início de maio, com produção musical de Emerson Villani. Leia um faixa a faixa do disco a seguir: 

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“EnganoDesengano”: Essa música nasceu quando me mudei para Berlim, em 2014. Eu tinha acabado um relacionamento de quatro anos, e também de pedir a minha demissão de uma peça na qual estava atuando – “Elis – A Musical” – porque não me via mais ali fazendo as mesmas coisas. Nesse trabalho, eu conheci uma pessoa pela qual me apaixonei, mas ela estava em um relacionamento aberto. Porém, acabei me envolvendo com o casal, tanto que viajei com os dois para Alemanha. Nós estávamos experimentando uma relação a três, e moramos juntes em um apartamento de 20m – não recomendo, risos! Eu não estava pronte para esse tipo de relação, e parecia que falávamos línguas diferentes, não conseguíamos nos comunicar. Essa música fala sobre isso, sobre a dificuldade de comunicação que eu vivi nessa época. Com o ritmo e repetição, queria transmitir esse sentimento de dislexia, tentativa e erro, insistência e sentimentos paradoxais que existem dentro de nós, quando estamos em situações experimentais e intensas.  

Não Tem Mistério”: Essa música, eu compus com o intuito de elevar a energia para um lugar mais espiritual e místico, em resposta à dificuldade em acessar o meu parceiro, que estava imerso nas suas questões cotidianas e de trabalho, que estava se fechando pra mim. Eu usei essa música pra abrir o coração dele. Com o violão, fiz um riff bem simples, e na versão demo eu fiz uns vocais bem macios também. Acabou que chegamos nela mais eletrônica, e eu sempre a imaginei com uma cor como o violeta ou roxo. Eu canto ela aqui muitas vezes para um público que não fala português, mas sinto que rola uma conexão com a energia que vai além da língua. Ela fala sobre a necessidade de se conectar com os próprios anseios, e reconhecer quando estamos crescendo para além das questões que pertencem às outras pessoas. 

“Meu Melhor”: Eu estava na Chapada dos Veadeiros no início de 2020 quando a pandemia começou.Ao mesmo tempo, eu não pude deixar de contemplar aquela natureza maravilhosa e o meu privilégio de estar ali. Eu escrevi primeiro a letra – normalmente escrevo as letras antes e muitas vezes elas já vêm com melodias. A letra faz um paralelo com o vírus e como ele nos fez perceber traços do nosso cotidiano e concepções de realidade, sobre se fazer tempo para o que se quer fazer. Optei usar acordes que trazem um ar feliz e triunfal, porque eu queria que essa música fosse uma celebração sobre se entender nisso tudo e aceitar que a sua melhor versão é o que você pode ser naquele momento, pois nunca há perfeição e o momento é agora. Na produção musical, escolhemos um ar tropical e bem palatável, com um xilofone de vidro trazendo uma leveza em cima da voz quando canto a introdução com Ah, ah, ah, e o baixo fazendo um groove bem gostoso. No final a música cresce com riffs de guitarra e um órgão que trazem uma referência mais afro. 


“Não Se Controla”: Eu estava no Rio de Janeiro e fui assistir a um musical onde a minha ex estava atuando com duas pessoas que estavam bem presentes na minha vida. No final do show, eu estava esperando para falar com todes, mas ela saiu por outra porta pra não me ver – ainda não estávamos muito bem resolvidas desde o rompimento e eu tinha uma ingenuidade de que iríamos pelo menos nos falar. Daí veio uma crise interna minha e depois de uma troca de mensagens com um amigo ele me escreveu sobre o amor ser o maior paradoxo da vida e que pode ser de uma violência sublime. Isso me inspirou a compor a canção, que ficou por uns meses sem a melodia da segunda parte – “Estou tão desajustado, meu passado e meu presente me cantaram ontem lado a lado”.


“Solto”: Essa é uma de muitas que tenho com a querida Bruna Guerin. Fizemos um pacto de que sempre que nos encontrarmos, temos que compor uma música juntes.Ela é como um amuleto pra gente, como se pudéssemos levar um pedacinho da nossa convivência e amizade aonde formos. “Me leva no teu improviso, carrego teu cheiro no bolso. Desculpa cantar sem aviso, é que você me deixa tão solto”. Isso porque somos assim, duas pessoas que vem do teatro musical, e tudo se transforma em melodia, dança e muitos risos. Quando estamos juntes nos sentimos assim, de forma solta e sem preocupação em ter que agradar um ao outro e podemos ser quem somos, sem amarras. E com a produção dessa música queríamos passar isso, uma vontade de dançar com os braços soltos. O processo de gravação foi um pouco diferente das outras, pois gravamos ao vivo em uma das vindas da Bruna a Berlim. Eu gravei o violão e o piano Rhodes, e o Tomás Peralta tocou o baixo, triângulo, conga e a zabumba. Depois, o Pier Ciaccio gravou a bateria, diferente das outras faixas que tem a produção majoritariamente digital feita pelo Emerson Vilanni.

“Saudade Auf Deustch”: Acho que é a faixa mais diferente do álbum, pois mistura a cultura alemã com sons brasileiros: é uma ode ao sentimento saudoso de quem está mudando para outro país. Compus com um grupo de amigues em 2015 para o Carnaval das Culturas de Berlim. A letra em alemão é bem simples para retratar esse momento em que estamos aprendendo uma língua e cultura nova, e o refrão tem uma referência de “yodeling” que é como o canto das montanhas alemãs e austríacas, onde perguntamos – “como se diz saudade em alemão?”. O estilo europeu musical que queríamos retratar é “Schlager”, e misturamos mesmo com um pouco de funk brasileiro e elementos como o triângulo, o violão e bateria de samba.



“Ella & Louis”:
Como o nome sugere, esta faixa abraça o espírito musical da década de 1950, quando Ella Fitzgerald e Louis Armstrong estavam na moda, e é sobre as visões e projeções românticas em um relacionamento, como em um filme, em que se pode prever múltiplos lados de uma jornada. Uma canção em que eu e minha ex compusemos sobre as delícias e derrotas de um relacionamento de longo prazo que refletiremos em retrospectiva. Ela tem como inspiração um mix de jazz com elementos eletrônicos como em Portishead, e para a produção escolhemos colocar um arranjo de Flugelhorn, que foi feito e executado pelo maestro Cláudio Cambé. A relação durou apenas quatro anos, mas essa canção é com certeza um dos maiores presentes e lembranças boas que levo dela.

“It’s Not a Coincidence We’ve Met”: Eu estava em Berlim no meu primeiro ano aqui, era inverno de 2015 e eu conheci uma pessoa que mexeu muito comigo. Londrina, ela foi estudar teatro em Berlim durante três meses. Nós nos envolvemos, mas ficou uma coisa mal resolvida. Entre noites de festa, caminhando e cantando pelas ruas de Berlim, tocando em jam sessions e parques, que ficou desse encontro foi uma mensagem de texto que ela me enviou. E eu respondi essa mensagem com a canção. A letra da música é exatamente a mensagem.


Something About Us”: Este clássico de Daft Punk é o único cover do álbum, cuidadosamente escolhida por mim devido a sua mensagem de amor – acho essa música genial por sua simplicidade. Eu escutei ela pela primeira vez como uma versão na voz de Alice Caymmi. Ela fez uma versão bem lenta e suave, e desde então me apaixonei pela música – uma das minhas favoritas de se cantar. Eu escolhi trazer um dos meus corais como participação nela porque queria fazer um crescente no arranjo, além de ter a minha família berlinense no projeto. Eu começo só com a guitarra, depois introduzo bem de leve o piano rhodes até que o coral se une e a música cresce, tendo até uma bateria de carnaval no final.

I Love Life”: Nessa faixa, eu deixo o meu lado crooner vir à tona, com uma mensagem vulnerável e singela sobre finalmente chegar em casa depois de uma longa jornada, encontrar a quem se ama, ter um bom vinho nas mãos e uma varanda para poder ver a primeira estrela a brilhar no céu. É uma canção de ninar que honra a minha conexão com o teatro musical e o jazz, e que proclama sem medo, que eu amo a tudo e a quem está do meu lado, mas acima de tudo o meu amor maior é a própria vida. Eu gravei essa faixa ao vivo com o acompanhamento de Anja Lotta no piano, uma querida amiga com a qual também canto aqui em casamentos e eventos diversos. E na gravação fizemos ao mesmo tempo um vídeo em que eu estava de drag queen – Dolores Delight é o nome da minha drag. Acho que isso também influenciou a minha maneira de cantar no álbum. Eu compus a música no piano assim que voltei a Berlim depois de passar três meses no Brasil, e eu estava nos últimos meses de uma casa linda onde tive a sorte de morar por dois anos. Veio como um presságio de que aquela fase estaria chegando a um fim, de que tudo é passageiro e que temos que viver no agora e amarmos e honrarmos as nossas vidas e o tempo presente. 

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