Filipe Catto mergulha no repertório de Gal Costa em disco tributo 

27/09/2023

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Isabela Yu

Por: Isabela Yu

Fotos: Juliana Robin/ Divulgação

27/09/2023

Belezas São Coisas Acesas por Dentro vem do processo da pandemia, é uma resposta ao governo nazi-fascista, uma afirmação da beleza como a principal arma para combater o preconceito e o retrocesso”, divide Filipe Catto sobre o seu novo projeto, o disco tributo a Gal Costa

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O trabalho foi lançado nesta terça-feira, 26/9, data de aniversário das duas artistas – Gal completaria 78 e Filipe fez 36 anos. Já o show de lançamento será na quinta-feira, 28, na Casa Natura Musical, em São Paulo. Com 10 músicas, o álbum passeia por diferentes fases da carreira de Gal Costa, incluindo “Lágrimas Negras”, “Tigresa”,  “Esotérico” e “Vaca Profana”, além de composições mais recentes, como no caso de “Jabitacá” e “Sem Medo Nem Esperança”, ambas do Estratosférica (2016). 

Antes do projeto se tornar um disco, Filipe desenvolveu o show com o mesmo nome, onde apresenta algumas músicas a mais – “Não Identificado”, “Como 2 e 2”, “Recanto escuro”, “Dê um role”, “Só Louco”. No palco e no disco, está acompanhada da banda formada por Michelle Abu na bateria, Gabriel Mayall no baixo, Fabio Pinczowski na guitarra e na coprodução. 

“Quando recebi o convite do Sesc para fazer o show, pensei numa parada sintética, com guitarra, baixo e bateria. A minha referência da Gal Costa é ela roqueira, acho que ela sempre teve essa veia ao longo da vida”, lembra. Os shows foram tão impactantes que desejaram registrar o repertório, cujos arranjos foram criados de forma coletiva. O quarteto compartilha referências em comum: além das cantoras da MPB, ícones do rock alternativo como Pixies e PJ Harvey

“Sou uma gatinha do rock”, afirma. “É o que eu mais ouço e o estilo que mais me inspira. Ironicamente, antes de saber que tudo isso aconteceria, falei para o Pinc: ‘estou com vontade de gravar um disco de power trio sujo, cheio de drive, cheio de espaço, algo minimalista e cru’. O convite foi a desculpa para realizar esse desejo. Vou dançar que nem uma stripper ao som dos solos de guitarra!”. 

Nos 15 anos de estrada, ela já havia mergulhado nas obras de outras cantoras, como Maysa e Cássia Eller, porém apenas ao vivo. “No final do show, o [DJ] Zé Pedro me olhou com aquela cara – ‘você sabe que vai ter que gravar isso’. Ele me encontrava e falava para gravar isso ou aquilo. Eu falava não porque show é show, disco é disco. O palco é o lugar onde me permito cantar Gal Costa ou o que for. Mas pela primeira vez, falei que iria pensar. No final, foi inevitável”, explica. 

Gravado em dois dias, o álbum Belezas São Coisas Acesas por Dentro saiu pelo selo Joia Moderna, do DJ. “Foi uma experiência old school, bem rock’n’roll”, aponta. Havia a preocupação de não soar literal ou reproduzir qualquer símbolo da cantora: “Gal Costa é tão sublime, que jamais tentaria imitá-la de qualquer jeito. O bonito é a gente interpretar a obra com os nossos códigos”. 

No visual, propõe o encontro com outra diva setentista, a Cher. O cabelão é uma das semelhanças entre elas, além de representar um símbolo de feminilidade. “Há um certo erotismo e misticismo na figura delas. A Cher foi a minha referência quando pensei no visual do tributo com a Alma Negrot: quero vestir Cher, como se ela cantasse Gal”, reflete. 

O projeto revolucionou a sua performance, algo que vinha trabalhando desde O Nascimento de Vênus (2021). “Trouxe um corpo de uma Filipe que esperei muitos anos para conseguir expressar no palco. Foi muita terapia, muito chão de boate, chute na cara, desilusões amorosas até me sentir prontíssima para arrasar”, divide. Essas experiências se somarão no quarto disco autoral, ainda sem data de lançamento. 

Sendo gestado desde 2018, o disco foi produzido, tocado e escrito pela compositora. Ainda com o DNA roqueiro, ele possui arranjos orquestrais e ares cinematográficos. Um registro íntimo, confessional e triste: “Com ódio no coração, mas sexy, não dá para ser só triste, tem que ser triste sem calcinha”. 

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Leia um bate-papo com Filipe Catto a seguir:

Qual foi o pontapé do projeto Belezas São Coisas Acesas por Dentro

Surpresa! Você está grávida de um disco. Não sabia se aceitava o convite para criar o show. A Gal é uma cantora que me influencia muito, ela é sagrada. Tenho memorizado cada detalhe da voz dela. A minha pombagira veio e falou para fazer: “É para Gal, mas também é para você”. O repertório é íntimo porque são músicas que me traduzem de uma forma muito pessoal. Depois da minha afirmação de gênero, percebi o quanto essas letras falavam de mim de uma forma brutal, falavam da Gal, mas também de todas nós. As pessoas trans, as minhas pessoas, reverenciam muito a Gal. Ela é um grande ícone para a minha comunidade. Decidi botar a minha síndrome de impostora de lado e ouvir os sinais do universo. Quando rolou o show, aquilo virou um megazord de sentimentos. Foi muito emocionante. Saí do palco e falei para o Fabio [Pinczowski]: “a gente vai ter que registrar isso”. 

Quais foram os critérios para a escolha do repertório? 

O repertório do show foi a base de tudo, ele foi construído por mim, Ismael Caneppele e Cris Lisbôa. Queria cantar músicas muito emblemáticas, mas que contassem a minha história. Acima de qualquer coisa, precisava sentir que aquele texto era o que eu queria dizer. “Vaca Profana” é uma música que me traduz de forma visceral. Quero dizer tudo que está ali. Penso na pandemia em “Vapor Barato”: “não preciso de muito dinheiro, graças a Deus” cai como uma bigorna na minha cabeça. Parece que passa um filme sobre tudo que a gente passou e todas as dificuldades financeiras que a gente teve. 

Além disso, o disco também passeia por diferentes épocas da carreira da cantora. 

A gente trouxe “Jabitacá” e “Sem Medo Nem Esperança” como um recorte da parte mais atual, um dos grandes momentos da carreira dela, quando ela grava com a nova geração e canta músicas deslumbrantes. O show é bem diverso, mas no disco, peguei as músicas que me deixam completamente de quatro. Aquelas que quando eu cantei no palco, sentia que estava sendo verdadeira com o texto. Estou nesse lugar de intérprete, colocando a minha alma nelas, de uma forma que justifique a gravação delas, porque, sinceramente, não precisaria gravar esse disco. A obra da Gal é irretocável, então esse tributo é afetivo, ele se justifica porque amei cantar essas músicas, que tem tudo a ver comigo, e que as pessoas também gostam. 

Como a ordem das músicas ajuda a contar a história do disco? 

O show é um rito, ele tem a entrada, as mudanças de climas e momentos. Penso o meu palco como um ritual de bruxaria, onde estamos todos fazendo juntos. A gente quis preservar essa narrativa no álbum. O disco tem o compromisso com essa jornada, de conduzir as pessoas através dessa magia, quase como uma hipnose, um transe. É um trabalho feito para ser ouvido por inteiro. O arco narrativo dele se dá através dessas oscilações de potências, com momentos de super explosões, outros mais vazios. 

Antes de pensar no tributo, como a obra da Gal esteve presente na sua trajetória? 

Ela é um exemplo de repertório. As pessoas têm a relação com a voz, mas além disso, tenho com o repertório. Gosto muito do que ela canta, há uma sofisticação natural de quem consegue ir da bossa nova ao rock. Quem conduz tudo isso é ela. A Gal é um farol de como construir um repertório, colocar o corpo em cena e usar a voz. O seu universo poético sempre me pegou e me inspirou. Essa é a primeira vez que me debruço sobre um patrimônio cultural: o repertório tem composições de Jards Macalé, Waly Salomão, Caetano Veloso, Péricles Cavalcanti, Arthur Nogueira, Antonio Cícero, Junio Barreto, Lirinha e Bactéria. É muita coisa! 

Como você se lembra dos encontros com ela? 

Vi todos os shows da Gal desde Recanto (2011). O Marcus Preto me convidou para gravar o backing vocal de “Cuidando de Longe” com a Céu e Maria Gadú, parceria dela com a Marília Mendonça. Trabalhamos com muitas pessoas em comum, nos encontramos várias vezes em backstages e shows, ela sempre foi um doce, muito atenciosa. Era muito interessada, sabia de tudo que estava rolando. Lembro de encontrá-la e reparar em sua beleza e vitalidade, como era uma pessoa presente, leve, sorridente. Gal era muito gentil, amorosa, tranquila, ela queria viver a vida dela, ver um filme, ficar com os bichinhos e o filho. Uma diva muito de boa, completamente vidrada na música. 

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27/09/2023

Isabela Yu

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