“Gal uau”: analisamos as transformações no estilo de Gal Costa 

27/09/2023

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Por: Vivian Whiteman

Fotos: Thereza Eugenia/ Reprodução

27/09/2023

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 110 da revista NOIZE impressa, lançada com o vinil de “Nenhuma Dor”, de Gal Costa, em 2021.

Um sorriso ou um vermelho, boca, cachos, cabelos. Não uma coisa chatérrima tipo um ícone de estilo. Muitos looks memoráveis, é verdade, mas nenhum maior que o rosto, que a música, nenhum maior que ela. Que gata, curva, onda, visual. Gal fenomenal. 

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Dividi-la por décadas funciona, mas não adianta, é preciso aproximar. Temos lá os registros sessentinha, ainda a franja lisa, garota bossa nova, olharzinho de onça, não combinava. Os cachos com plumas, aí sim, os olhos marcados de preto. Um narizinho assim impondo respeito. Divino-maravilhosa no festival da Record, bata, brilho, uma montação, segurando um colar de espelhos. Ditadura, serpentina no cabelo, ela chega junto do público, fica enorme, a coisa toda vibra, as vaias viram aplauso, estupefação, muita gente acaba se vendo ali naquela garota cheia de volume, toda coragem. 

Pesquiso no YouTube imagens feitas por Leon Hirszman no início dos anos 70, filmagens do show de Fa-tal, dirigido por Waly Salomão. A todo vapor mas não total, Gal parcial, vários recortes de sua beleza, os takes conversando com a arte do miolo do vinil que registra essa explosão toda. A testa pintada de brilho, a cintura lá embaixo, muito umbigo, muito barulho. Gal cult-sensual. 

Setenta ainda, vem o show de Índia. O vestido vermelho-sirene, de franjas longas, brilhantes, brilhantes. Flores no cabelo, duas, aquelas emparelhadas que voltariam na capa de Tropical, isso correu o Brasil. Mas uma foto, ah essa foto: topzinho franzido, uma saia de babados, banquinho, violão, a roupa enrodilhada naquilo tudo, as ondas do tecido formando folha, cauda de sereia.

Essa coisa do cabelo, isso vai longe. Tem cachos e enrolados, mas uma espécie de forma geral, ampla. Indomada mas dentro de uma moldura própria, muito precisa, um movimento sólido, uma marca. Baby Gal, Fantasia, Aquarela do Brasil. O mundo anunciava os 80, permanente, muita textura, uma aura expandida em volta da cabeça, arquitetura orgânica, visceral. Gal monumental. 

Não daquele pique careta norte-americano, uma coisa de jeito, charme especial. Era ela no Fantástico, no programa de auditório, na loja de discos, nas festas de família, aquele picu anunciando um verão eterno, baile – a era dos generais, do exílio e da censura aos poucos ficava para trás. 

Crianças oitentistas talvez se lembrem da imagem de Profana. Meio kabuki, meio fantasma, os cabelos especialmente possuídos, a pintura branca no rosto, o batom resplandecente, afora e acima da manada. Uma atriz, uma artista, uma mulher preparando a risada. Gal sobrenatural. 

E a capa de Lua de Mel Como o Diabo Gosta? Gal de costas, toalha rosa na cabeça, piscininha, cigarro na mão. Dentro do encarte ela sorri de cabelos molhados. Maravilhosa, sedutora, cheia de dentes. 

Num país sem maravilhas, detonado pela crise econômica herdada dos militares, agravada por governos neoliberais locais, elitistas, neoescravagistas, Gal vira gata no show de O sorriso do Gato de Alice. Cabelão de lado, camisão e calça ampla, inspirados nos uniformes operários, peito aberto, seios de fora. Ela canta Brasil, joga na cara da pátria amada. Gal social. 

Parada estratégica. Não que ela não tenha lançamentos dos 2000 iniciais, mas convém dar uma repassada em tudo. De como Gal foi Tropicália mas ainda mais ela. Foi roqueirinha mas não Jovem Guarda. Como brilhou nos oitenta sem ser engolida pelas modinhas, embora tenha passado por elas, afinal ninguém escapou dali sem uma ombreira, um vestido de tafetá, um furta-cor. 

Basta um google nela, é tanto estilo. Tem um ciganismo, anel no dedo do pé. Os vestidos de alcinha, um mais lindo, leve e solto que o outro. O biquininho de Índia. Do nada uma jaqueta de couro com um colar de minibolsa no pescoço. Muita barriga no sol. Óculos, chapéus, arranjos de cabeça. Um sexy cool brasileiro na linha Sonia Braga. Não à toa ela inspirou uma série de editoriais de moda. Gal plural. 

Toca pra São Paulo, Parque da Juventude, 2012. Show de Recanto, lançado em 2011. Ela aparece muito moderna, toda Miami Maculelê na música, look clássico. Camisa branca, calça preta, bem patroa de toda a MPB e arredores. Muita gente, muito adolescente, o céu, os picolés, aquele tempo da aglomeração moleque, faz mais ou menos uns cem anos no relógio. Aquele disco fora do tempo, oracular, “viver é um desastre que sucede a alguns”, seguimos. 

Ela seguiu grande, veio Estratosférica, não identificada estilo abertura de Bacurau. Uns cabelos cheios de mata atlântica, riqueza amazônica. Um nojo, todinha vestida de Gucci, Gal floral.

Vento novo em A Pele do Futuro, esvoaçante, cantando gente nova, coisa boa, recriando coisa antiga e bacana com gente boa, bacana e nova, melhor geleia, Nenhuma Dor. Tão bonita a capa, com fotos de outros tempos. Gal se olha no espelho, o que será que ela vê? Não sei, mas imaginemos. 

Dava pra pensar as novas parcerias em looks. Gal com Criolo, os dois de camisão, uma coisa perto do mar. Gal com Tim Bernardes, decorativo tipo Wes Anderson chegando em uma Copacabana mítica. Gal e Zeca Veloso. Só vento, só voz, perfume, tudo invisível. Gal experimental. 

Sabemos dessa musa, dessa cantora, só que ela está sempre aí, falando o que lhe vem, se recontando, cabeluda, descabelada, batendo cabelo na cara dos caretas. Viva o SUS, fez até foto com a carteirinha na mão, vacinada. 

Sei lá, muito chic. Gal vital, fundamental. 

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Vivian Whiteman