Hype sombrio: como o terror no cinema influencia a música pop e a moda

28/03/2025

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Por: Nicolle Cabral

Fotos: Reprodução

28/03/2025

Na última década, a indústria do entretenimento provocou uma avalanche de remakes de clássicos filmes de terror nas salas dos cinemas. It: A Coisa (2017), Halloween (2018), Massacre da Serra Elétrica (2022) e Pânico (2022) foram alguns dos títulos que receberam um aceno de grandes produtoras para reviverem as histórias horripilantes e misteriosas que marcaram a cultura pop. 

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A retomada de uma estética visual sombria respingou também em outros meios artísticos, como a moda e a música. A relação entre essas duas vertentes, contudo, não é inédita: há sempre algo estranhamente elegante nos clássicos, que reverberam há décadas na comunidade artística e inspiram os novos produtos culturais. O que muda agora, na dança das cadeiras de tendências, é a sincronicidade de eventos em um mundo pós-pandêmico e a importância da imagem na indústria fonográfica atual. 

A fim de investigar esta expressividade fantástica, a Noize veio apontar algumas conexões entre esses universos.  

O terror nas passarelas 

Quando se pensa em moda e terror, é improvável não mencionar Alexander McQueen (1969—2010). Em uma era que precedeu o momento que vivemos atualmente, o estilista já havia incorporado o cinema dentro de suas próprias coleções. A primeira, inclusive, foi feita como um trabalho de formatura em 1992: o Jack the Ripper Stalks His Victims. O casaco, feito de cetim de seda rosa, é estampado com espinhos e forrado com cabelos humanos encapsulados. A inspiração veio do filme de terror, baseado em fatos reais, que assombrou os britânicos em 1988: Jack, O Estripador.

Para além dessa história, no verão norte-americano de 1995, ele se inspirou em um clássico de Alfred HitchcockOs Pássaros (1962), para promover outra coleção. No ano seguinte, teve como Norte o filme Fome de Viver (1983), de Tony Scott. 

McQueen teve prestígio nas passarelas e também na indústria da música, devido a sua parceria com Lady Gaga. A aparição da artista “vestida de carne” no MTV Music Award de 2010, para receber o prêmio de Melhor Videoclipe Feminino por “Bad Romance” (2009), foi um dos momentos mais chocantes e emblemáticos de Gaga —e isso se deve a McQueen. 

Desde o início da carreira como estilista, ele foi — e é — considerado um revolucionário da moda, com coleções que chocavam o público. Não à toa, Gaga quis se associar a ele. Durante toda a divulgação do lançamento de “Bad Romance”, a artista só usou looks da coleção de McQueen. Uma pena, contudo, que a parceria tenha sido tão breve. No mesmo ano em que o estilista assinou a coleção para Gaga, ele foi encontrado morto, por suicídio. 

Em trabalhos mais recentes da indústria da moda que revigoram o terror nas passarelas —com menos teor que McQueen— está Raf Simons, que preparou a coleção de verão de 2018 para a Calvin Klein com diversos personagens de filmes clássicos e remakes, como é o caso de Carrie (1976 e 2013). No desfile, o estilista trouxe casacos e vestidos que faziam alusão às manchas de sangue de porco presentes no figurino da protagonista. 

No inverno norte-americano de 2020, a Prada apresentou uma coleção inspirada em Frankenstein (1994) e na Família Addams (1991). Na passarela, as modelos vestiam peças estampadas com os personagens e tinham os cabelos repartidos em referência à personagem Wandinha.

Em uma entrevista à revista Vogue norte-americana, a estilista Miuccia Prada refletiu sobre a escolha editorial do desfile: “Eu diria que reflete o mundo atual, onde há muito perigo, muito medo, muita guerra ao nosso redor”. Na mesma temporada, a grife Undercover lançou roupas que evocavam a atmosfera do filme Suspiria (1977), de Dario Argento. O diretor italiano foi uma das primeiras figuras a desenvolver filmes sobre assassinos em séries sendo perseguidos por detetives. Dessa vertente, derivou-se outros formatos de narrativa, como o slasher, popular nas décadas de 1980 e 1990, onde um assassino em série persegue adolescentes, e o splatter, que contém muitas cenas de mutilações, decapitações e sangue. 

No Brasil, a nova coleção da À La Garçonne, sob a direção criativa de Alexandre Herchcovitch, também apresentou elementos de terror. O desfile aconteceu em 2022 na São Paulo Fashion Week com referências aos filmes O Exorcista (1973), Sexta-Feira 13 (1980) e A Hora do Pesadelo (1984). Ou seja, o terror está na moda. 

A brutalidade musicada 

Na indústria musical, também vimos artistas mergulharem, sem medo, nesses leques de referências. Em 2021, Lana Del Rey “se transformou em lobisomem” no clipe de “Chemtrails Over The Country Club”, ao mostrar os olhos brilhantes, enquanto no clipe de “In Your Eyes”, do The Weeknd, o artista simula o conceito do Giallo, gênero literário e cinematográfico de suspense propagado pelo diretor Dario Argento, citado acima. No clipe, The Weeknd interpreta a persona do “stalker assassino”. 

Logo depois, o canadense nos sintonizou em uma espécie de estação de rádio transmitida diretamente do purgatório com Dawn FM (2022). Como DJ dessa “rádio”, o ator Jim Carrey dá voz ao personagem principal que guia os ouvintes com um discurso sobre a morte e a aceitação.

“O medo tem reações corporais muito semelhantes às de grande adrenalina, que também nos dão prazer. Por ficar em uma linha muito tênue do que é um e outro, essa fascinação pelo terror vira uma espécie de prazer”, explica Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em Neurociência do Comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em entrevista à Noize

Já no Brasil, essa “fase do terror” na música pop partiu de Duda Beat com o disco Te Amo Lá Fora (2021). O segundo álbum da cantora é quase como o lado oposto da sofrência colorida de Sinto Muito (2018). “Fomos sagazes de termos feito isso meio antes de ter virado uma grande tendência”, pontua Marcelo Jarosz, diretor criativo de Duda Beat. O artista também é um dos nomes por trás da estética da capa do single de “Boys Don’t Cry”, de Anitta. No clipe dessa música, a artista também se joga na onda dos filmes de terror e se inspira em clássicos como Beetlejuice (1988) e Madrugada dos Mortos (2004).

Entre os trabalhos com Duda, Jarosz fez a direção criativa do clipe de “Meu Pisêro”, onde enriqueceu a narrativa com referências ao slash e filmes de terror como O Bebê de Rosemary (1969), Poltergeist (1982), O Beijo da Mulher Aranha (1985), Elvira, a Rainha das Trevas (1988) e mais. 

Já no registro visual de “Nem Um Pouquinho”, música de Duda Beat feat. Trevo, a produção buscou inspirações no clássico filme de Steven Spielberg, E.T. O Extraterrestre (1982), O Drácula de Bram Stoker (1992) e Lobisomem Americano em Londres (1981). O último, inclusive, foi referência da estrela do pop Michael Jackson (1958—2009), que se reuniu com o renomado diretor John Landis para gravar o inventivo videoclipe de “Thriller”.

Com produção da Alaska, formada por Gustavo Moraes e Marco Lafer, a história do clipe de “Nem Um Pouquinho” se passa em um futuro distópico, pós-apocalíptico, onde a personagem da Duda é um ser metamorfo, com mordidas vampirescas marcadas no pescoço. Além disso, ela tem poderes sobrenaturais, sendo capaz de “possuir” outros personagens para se aproximar da pessoa que ela está apaixonada. 

“O figurino sempre carrega códigos e informações não explícitas da narrativa. Esses detalhes presentes nas camadas trazem uma maior complexidade para a personagem e são elementos que nos ajudam a mergulhar na história”, destaca Marina Vieira, stylist da Alaska, responsável pela ambientação de “Nem Um Pouquinho”. A produtora também foi responsável pelo clipe de “Modo Turbo”, parceria entre Luisa Sonza, Pabllo Vittar e Anitta, que passeia pelo universo da ficção científica.

Além dessas estrelas, Gloria Groove também preparou um clipe horripilante para o grande hit “A Queda” (2021), que viralizou no TikTok, com referências à faceta mais obscura do movimento circense. Algo que se assemelha ao que assistimos no remake de It: A Coisa (2017).

Nostálgica, apocalíptica e punk



Em dois anos de isolamento social em um contexto cívico instável, os artistas musicais escoaram suas forças criativas em diversos gêneros. Estrelas do pop se inspiraram nas pistas de dança da era disco, como Lady Gaga com Chromatica (2020), e Dua Lipa com o Future Nostalgia (2020), enquanto outros se voltaram para facetas mais sombrias como o próprio The Weeknd. Mas, em ambas as esferas, há um ponto em comum: a nostalgia. 

Impulsionada pela pandemia mundial causada pela Covid-19, a melancolia ao passado foi um dos escapes da sociedade. Devido à impossibilidade de criar novos conteúdos, as programações de TV investiram em reprises para cumprir a grade, enquanto, na música, a busca por clássicos dos anos 1980 aumentou 54% no Spotify, segundo os dados divulgados pela plataforma em 2020. Mas essa nostalgia não se limita apenas à uma década, e sim, a um estado de escapismo do presente. 

“Tivemos um período grandioso de reclusão social e de emoções positivas, além de sentir um medo muito intenso. Então, nesse processo de isolamento social, é natural excitar memórias e relembrar momentos ou coisas que são valiosas para a gente. É uma forma de poder superar o período”, explica Dr. Yuri Busin.

Quem não viveu o revival dos movimentos de contracultura dos hippies e punks, que aconteceu na virada do milênio com a moda neohippie e o emo e o pop punk, encontrou outras formas de identificação durante esse período movediço. No TikTok, por exemplo, floresceu o apelo por parte da geração Z de resgatar a moda dos anos 2000. As presilhas no cabelo, cores neon, calças de cintura baixa são um hit da plataforma.  

Mas as roupas quadriculadas, luvinhas, meias-arrastão e olhos pretos esfumados também retornaram à cena, puxados pela nova onda de artistas que decidiram reviver a nostalgia. Décadas depois do seu surgimento, o emo, abreviação do gênero musical emotional hardcore, voltou a ser assunto. Olivia Rodrigo, Machine Gun Kelly, Willow Smith, Avril Lavigne, Jaden Hossler, e Travis Barker, baterista do Blink 182, são alguns dos nomes que dedicaram os novos trabalhos às letras sobre amor com bases pesadas de guitarra, baixo e bateria. 

Toda essa movimentação em torno do rock melódico ressuscitou até o My Chemical Romance, que lançou a primeira música inédita em oito anos, “The Foundations of Decay” (2022). Desde os veteranos bombados até a nova sensação da indústria, Olivia Rodrigo, existe uma relação estética desse gênero musical com as referências sombrias, surreais e fantásticas do terror. O primeiro disco da banda comandada por Gerard Way, o I Brought You My Bullets, You Brought Me Your Love (2002), por exemplo, teve a letra de “Early Sunsets Over Monroeville” inspirada em um clássico filme de zumbis: A Madrugada dos Mortos (1978), do diretor George A. Romero

Já nas imagens promocionais do “baile de estreia” de Sour, disco de Rodrigo, a cantora fez referência à Carrie, filme de Brian De Palma, lançado em 1977. No clipe de “Brutal”, Rodrigo também reproduziu cenas do longa-metragem dirigido por Karyn Kusama, o Garota Infernal, de 2009.

Em um recente editorial produzido pela revista brasileira ELLE, essa estética mais sombria foi levantada como pauta. “Tentamos levar a estética Emo para além da primeira que vem à mente quando pensamos nisso no Brasil. Foi uma tentativa de pensar como essa estética se manifesta em um styling adulto e no mundo atual”, explica Branca Moura, maquiadora responsável pelo editorial. “Há um movimento acontecendo, que influencia nas formas, nas cores, nos personagens que queremos viver”, explica.

Reflexo da própria era 

A partir de um estudo de tendências e comportamento realizado pela marca de tintas Suvinil, Michell Lott, diretor criativo, cenógrafo e consultor de cores, pôde destrinchar as sensações presentes no imaginário social após um período de isolamento intenso, além de observar comportamentos “fora da curva”.

“Há uma euforia no ar e a expectativa é que 2022 seja um grande delírio. Por isso, a maior parte das referências que vemos, vem do mundo imaginário”, explica. Ao analisar a percepção criativa sob a perspectiva da música pop atual, Jarosz entende que o contexto social, político e ambiental, favoreceram essa faceta mais obscura. “Essa coisa de todo mundo ficar recluso trouxe um gosto muito amargo para tudo. Não dava para começar a sair e criar coisas meio Alice no País das Maravilhas”, explica.

“Acho que por isso as pessoas abraçaram tanto essa história do terror, da melancolia. Além de que parece que só ficou faltando essa história para contar no mainstream, né? Se você olha para trás, parece que tudo já foi feito e refeito. Mas essa brincadeira de olhar para o horror e para o punk, não estava sendo revisitada. É uma oportunidade para todo mundo trazer algo mais inédito para o pop”, conclui.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 124 da revista NOIZE, lançada com o vinil de Te Amo Lá Fora, da Duda Beat, em 2022.

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Nicolle Cabral