Em maio, a banda gaúcha independente Isidoro Pilsen realizou uma turnê por Equador, Peru, Bolívia e Chile. O blog oficial do trio (isidoropilsen.com.br) narrou cenas da viagem. Convidamos o baterista Luís Bissigo para nos dar um relato exclusivo de como foi a experiência.
Início
Nossa viagem começou no dia 30 de abril, quando embarcamos para Guayaquil, no Equador, para uma sequência de seis shows em quatro países. Falando assim, até parece algo simples. Mas essa empreitada demandou pelo menos dois meses de preparativos e muita expectativa - especialmente para uma banda de Porto Alegre, independente, cuja apresentação mais distante de casa tinha sido feita em Novo Hamburgo.
O ponto de partida foi o convite para a Isidoro Pilsen tocar no festival El Carpazo, marcado para o início de maio, em Quito, capital equatoriana. Essa participação foi confirmada por intermédio da produtora Marquise 51, em cujo elenco estamos desde o inverno de 2013. O evento nos ofereceu cachê e hospedagem, mas as passagens aéreas ficariam por nossa conta. Calculando a despesa, concluímos que valeria a pena estender a viagem e realizar uma turnê propriamente dita, negociando uma pausa em nossos respectivos trabalhos - eu (Luís Bissigo, bateria) sou jornalista, e o Josué (Josué Orsolin, guitarra e voz) e o Adelino (Adelino Bilhalva, baixo e voz) são publicitários.
Assim, março e abril foram meses de bastante trabalho. Via internet, nós e a Marquise contatamos bares, casas noturnas, produtoras e bandas de várias cidades e países. Chegamos ao dia do embarque com tudo confirmado para tocar em cinco cidades diferentes num intervalo de 10 dias. O primeiro compromisso seria em 1º de maio, em Guayaquil.
Equador
A viagem toda foi uma sequência de surpresas, a maioria delas muito boas. Desde o primeiro show, encontramos um cenário que iria se repetir em praticamente todas as noites: bares muito bem estruturados para receber bandas de rock e plateias bem interessadas em conhecer novos artistas.
Foi assim na estreia, no White Rabbit, de Guayaquil, que nos impressionou pelo espaço bem distribuído - o palco fica em um mezanino, sobre o balcão do bar, visível para todas as mesas - e pelos aplausos calorosos das pessoas que foram nos ver. Para elas, tínhamos uma canção feita especialmente para a ocasião, “Yo no Hablo”, com letra em espanhol escrita pelo Josué e inspirada justamente na sensação do brasileiro que tenta se comunicar com os hermanos dos países vizinhos.
Essa experiência foi ainda mais intensa dois dias depois, no El Carpazo. O clima do festival foi empolgante: o local era uma grande lona de circo, armada na sede campestre de um clube nos arredores de Quito. Foi muito emocionante chegar nesse lugar e, minutos depois de sair do carro, fazer um som para uma plateia repleta de gente jovem - uma galera que pulou muito e até ensaiou cantar junto algumas das nossas músicas.
Depois de tocar, ficamos assistindo aos outros shows, cada vez mais orgulhosos de estar ali. Bandas equatorianas como Rocola Bacalao, Da Pawn, Munn e Swing Original Monks, além dos colombianos do Systema Solar e dos chilenos do Como Asesinar a Felipes, fizeram ótimas performances - e nos acolheram como iguais, inclusive fazendo elogios à nossa performance. Parece que em espanhol tudo soa mais importante, como no momento em que estávamos assistindo ao Da Pawn e uma menina veio nos cumprimentar: “Que puta tocada hicieron ustedes, he?”.
Peru
Um compromisso adicional na turnê era circular um pouco pelas cidades para captar imagens e impressões - tudo visando a edição de um documentário, que já tem exibição prevista para o segundo semestre no canal Travel Box. Nesse espírito, visitamos belos bairros antigos de Quito e Guayaquil - onde também visitamos o Malecón 2000, um espaço público ajardinado e tri bem cuidado às margens do Rio Guayas. Seria um exemplo bacana para Porto Alegre e seu Guaíba.
Mas onde tivemos mais tempo para conhecer lugares - especialmente bares - e pessoas foi em Lima, no Peru. Lá, em três dias, conversamos com muita gente, e sempre alguém tinha uma relação com o Brasil, ou com a música - ou ambos. Um exemplo: estávamos em um café e um músico nos abordou para divulgar um show que faria dali a alguns dias. Revelou-se que o cara era um argentino fã da música brasileira - o repertório dele era Caetano, Djavan, Chico Buarque e afins. Ele nos deu a dica de um bar bacana no centro da cidade, o Queirolo, que visitamos na noite seguinte. Lá, fizemos amizade com um outro argentino radicado no Peru, e ainda falava português e já tinha vivido no Brasil. Esse cara, o Didier Dutruel, é estudante de Cinema e decidiu ir ao nosso show – e ainda gravou, editou e publicou no You Tube um clipe da nossa música “Festim”.
Noutra ocasião, estávamos em uma mesa que incluía gente de todo lado: um espanhol que tinha passado uma temporada em Porto Alegre, uma colombiana que morou na China e um uruguaio jornalista que conhecia o Brasil. Por coincidência, esse camarada, o Sengo Pérez, trabalha no PubliMetro de Lima e fez questão de publicar uma notícia do nosso show - foi um baita orgulho ver a foto da banda impressa em um jornal local. Nessa mesa também estava um poeta e jornalista de ascendência irlandesa, o Kenneth O’Brien, que fez questão de ir ao nosso show, nos apresentou vários bares bacanas do bairro histórico de Barranco e ainda nos presenteou com um poema inédito para transformarmos em canção – o que deve acontecer em breve.
Na última noite, enfim, tocamos no Sargento Pimienta - um bar de rock tradicional de Lima, fundado em 1976. Com palco e equipamento de primeira categoria, fizemos um show dos mais empolgados, com direito até a aplausos e gozações de dois gaúchos que estavam na plateia. Depois, até demos uma canja com uma cantora que apareceu no bar - a americana Ashlynn Manning, que em poucas horas iria pegar o avião de volta a Nova York, depois de meses percorrendo a América do Sul.
Bolívia
Nós também tínhamos que estar no aeroporto na manhã seguinte, rumo a La Paz, na Bolívia. Iríamos chegar durante a tarde e à noite já tínhamos compromisso: show no bar Luna Llena. Deu tempo pra tudo, mas havia um complicador. A altitude de 3,6 mil metros e a profusão de lombas da capital boliviana nos exigiram um cuidado extra com o fôlego - o Adelino, asmático, sentiu mais o ar rarefeito e teve que ir direto descansar depois do show. A tocada se deu, novamente, diante de uma plateia atenta, formada por pessoas de diferentes origens.
No dia seguinte, fomos visitar o centro histórico de La Paz. Soubemos de uma praça em que músicos de rua eram bem-vindos, e lá levamos nossos instrumentos. Tocamos algumas músicas, mas foi rápido - bem naquela tarde, um palco estava sendo montado para um evento no lugar, e os técnicos ficavam testando o sistema de som, o que abafou nossos miniamplificadores. Em dado momento, uma grande passeata tomou conta da avenida em frente, em meio ao trânsito caótico, com gente fantasiada e faixas falando em Jesus Cristo – com Daft Punk rolando nos alto-falantes, só pra deixar a cena toda mais insólita, sempre com as montanhas cercando a paisagem.
Aquela tarde terminou em outra praça, na qual havia um palco aberto, como parte de uma feira de arte - dica dos nossos amigos do show da véspera. Chegamos e conversamos com o pessoal da banda Los 4, que estava se preparando para tocar ali e topou nos emprestar o amplificador para a guitarra. Assim, acabamos tocando três canções para nos despedir dos bolivianos. Muitos pareceram não entender muito bem as músicas, mas de qualquer maneira percebemos que o nome “Brasil” sempre desperta a curiosidade dos vizinhos hispânicos.
Chile
A última escala da turnê era Iquique, cidade do norte do Chile, espremida entre os limites do deserto do Atacama e o Oceano Pacífico. Uma paisagem de montanha e mar que impressiona logo na chegada - ainda mais se são 6h40 e as últimas três horas foram passadas a bordo de um avião, como foi o nosso caso. Desembarcamos meio sonolentos, esperando nossa bagagem. Cada um levava uma mala de roupas e uma mochila extra - a do Adelino, recheada com os equipamentos de vídeo para o documentário.
Isso sem falar dos estojos para os pratos da bateria, para a guitarra e para o baixo. Esses dois últimos, mais delicados, eram tema de algum debate na hora do check-in. A ideia era levá-los junto conosco no avião, mas em alguns trechos tivemos que despachá-los com a bagagem - sempre temendo por algum estrago. Ao fim da viagem, depois de seis voos, o case da guitarra apareceu com várias rachaduras, mas o instrumento felizmente sobreviveu sem arranhões.
O show em Iquique foi obra de um grande amigo que fizemos: Mauro Rueda, cantor e guitarrista da banda El Señor Camaleón. Nós o conhecemos via internet quando ainda estávamos buscando lugares para tocar, e ele prontamente nos convidou para dividir a noite de 10 de maio com sua banda em um bar tipicamente roqueiro da cidade, o El Democratico.
Organizador de vários festivais em Iquique, Mauro cuidou da divulgação - novamente tivemos o gosto de ver uma foto da Isidoro na imprensa local - e também fez questão de nos reservar hotel e agendar táxi para nos buscar no aeroporto. Não queríamos dar trabalho, mas depois ele nos explicou: a intenção era comprovar o quanto é possível as bandas realizarem seus eventos por conta própria e com o máximo de profissionalismo. Como já tínhamos entendido ao conversar com outros grupos ao longo da viagem, a realidade da cena independente não muda muito de um país a outro.
De nossa parte, não podíamos ficar mais agradecidos pela acolhida dos chilenos. O show no Democratico foi fantástico, de novo com uma reação bacana da plateia. Depois de tocar, fizemos festa com os Señores Camaleones até a hora de entrar no táxi para ir ao aeroporto, cansados e já com vontade de estar novamente em casa, mas com a sensação forte de que, sim, é possível.