Talvez o indie rock tenha morrido. Enquanto almoçava em casa, deixei sintonizado no Multishow para acompanhar as bandas que iriam se apresentar no horário inicial, quando os fãs começavam a chegavar até o Autódromo de Interlagos. O céu cinzento, o dia com cara de chuva, uma série de fatores potencializadores de uma preguiça geral para com o dia só aumentavam a vontade de chegar um pouquinho mais tarde. A primeira banda a ser deglutida com um macarrão ao sugo também moroso foi a Walk The Moon. Não tinha dúvidas. O indie rock morreu mesmo, só esqueceram de enterrar e tentam trazer seus moribundos no festival aqui. Apesar de toda vontade da banda, do vocalista se contorcendo pra lá e pra cá com seu cabelo seapunk, o som é mais do mesmo. Muito mais do mesmo. Uma voz fraca, um tambor ali, outro aqui, um som que sai de nada e chega a lugar algum, pasteurizado, pastiche de um pop que quer ser épico, se esforça em chegar aos pés de um Coldplay, o que não deveria ser tanto um patamar a se alcançar. Após a indigesta apresentação, o macarrão estava delicioso, no entanto, fui levar a sério a ida ao festival.
Já sabendo da preguiça inerente de acompanhar vários shows que ali estavam pela terceira, quarta vez (volto a esse ponto mais tarde), fui para o esloveno Denis Jašarević, ou Gramatik, com seu eletrônico mistureba de hip-hop, dubstep e trip-hop, no palco Trident. Olha, que baita show! Merecia mais destaque. Acompanhado de um guitarrista, samples atrás de samples, camadas mil em um palco que introjetava em nossas retinas luzes mil e imagens psicodélicas que se espelhavam como fractais diante dos milhares de óculos escuros do pessoal fritando no som. Dava pra sentir emoção ali na música eletrônica do DJ. A coisa já estava muito melhor que o insosso show anterior. Talvez a televisão tenha ajudado a torná-lo mais fraco e esteja sendo injusto, mas o Walk The Moon ainda tem muito feijão com arroz pra comer. Falta swing e swag. Gramatik já entende mais do metiê ali. Sabe o que faz. Quando Gramatik acabou, saí correndo para acompanhar Albert Hammond Jr. e sua guitarra tocada bem alta no corpo, no palco Axe.
Todo de branco, um pouco mais calvo, as entradas são perceptíveis, os tempos de “This Is It”, longínquos 15 anos atrás, idade que muitas pessoas ali no Lolla aparentavam ter, passaram. Suas músicas lembram muito a de um Strokes antigo, os riffs curtos, agudos, gostosos e pegajosos, daqueles que você morre de vontade de jogar num também ultrapassado Guitar Hero. De certa forma ouvir o Albert Hammond Jr. é abraçar um saudosismo gostoso, relaxar e entender que não se está vendo nada realmente novo e audacioso. É um rock bom moço, legal, que usa calça skinny e é amigo de todo mundo. A rebeldia já os deixou faz tempo, se é que podemos dizer que ela houve no Strokes em algum momento. Agora é um som tranquilo, favorável, de time que joga em casa na altitude nessa Libertadores que é o Lollapalooza. O cantor é simpático, conversa com a plateia o tempo inteiro, impossível não gostar dele, mesmo que a música já não cause mais aquele furor de outrora. Mas, verdade seja dita, a qualidade é inegável, muito superior a outras bandas que vieram para o line up do evento. Não cheguei até o final do show, pois estava doido para acompanhar o Alabama Shakes.
Após atravessar os sete mares de pessoas e praticamente me ver num périplo para chegar a tempo de não perder nenhuma música da banda de Brittany Howard, o que não foi possível, pois cheguei ao final de “Rise to the Sun”, tive o prazer de acompanhar o restante de um dos melhores shows de festivais que já assisti. A banda amadureceu – e muito – de sua última visita para cá. O show é um espetáculo a parte de Brittany e sua voz incomparável, mas toda a banda, agora acompanhada de backing vocals, engrandecendo o som, é competente demais no que faz. No que parecia ser um hit atrás do outro, misturando canções dos dois álbuns, o Alabama Shakes dominou o palco, com simpatia e muita qualidade. A plateia ia abaixo com o virtuosismo vocálico de Brittany, e cheguei a me emocionar ao ovi-la cantando “Be My Baby” e “You Ain’t Alone”. Dois grandes hinos que fazem Ottis Redding, Sister Rosetta Sharpe, ou até mesmo Joe Cocker, sorrirem orgulhosos do céu. Esqueça o que disse sobre o indie rock. Ele está vivo nessa banda. As outras são fracas. Alabama Shakes é gigante.
O próximo passo era acompanhar Noel Gallagher, com seu projeto High Flying Birds. É aí que entra a minha crítica geral para o lineup desse ano. Sim, Noel teve um álbum ano passado, Chasing Yesterday. Não é das piores coisas, mas, venha cá, não temos mais bandas novas para se apresentar e apostar aqui? Quantas vezes Noel já veio pra cá? Sinto até que ele deve ter uma casa vizinha ao Autódromo. Florence + The Machine, outra excelente cantora, também toca ano sim, outro também, aqui no Brasil. Não são bandas ruins, muito pelo contrário. Só não empolgam mais tanto vê-las anualmente. Vale uma criatividade maior. Parece que, por já terem tocado aqui, existe uma facilidade em fechar datas, levando a essa repetição de lineup. Não culpem a crise, pois muitas bandas, até menores, viriam por menos. Essa necessidade de querer ganhar dinheiro a qualquer custo faz com que tenhamos uns chavões eternos, deixando a muitas bandas excelentes mas menores a ficarem só no sonho de algum espetáculo distante e ideal. Cadê Future Islands, que lançou um dos melhores álbuns dessa década? Badbadnotgood virá para o SESC, não caberia também num palco alternativo? Kamasi Washington fez uma explosão sonora que está indo para o Coachella. Blundetto é um novo nome legal no dub. Cadê o pessoal foda do rap e hip-hop: Kendrick, Chance The Rapper, Tyler The Creator, Frank Ocean. Tragam o Kanye, oras. Eminem? O cara faz tempo que não produz nada relevante, o hip-hop cheio de nomes maravilhosos e me trazem justamente quem? O cara que é antigo, que tem hit, base de fãs consolidada. Chamo isso de medo. Quer um nome pop que se torna cada vez mais relevante e nunca tocou aqui? Pronto, bota The Weeknd. O Damon Albarn deveria vir, se é para trazer um ícone do brit pop dos anos 90. A música mundial está fervilhando de grandes nomes e grandes opções, com custos que variam. Não precisa ficar repetindo nomes. LION BABE lançou álbum excelente, Santigold está aí com coisa nova totalmente pop, mas com qualidade. M.I.A. é uma deusa que mereceria ser headliner. Ousem. Tragam Drake. Metam um D’Angelo. Unam o Outkast para um show. Façam aquele lineup que vocês veem as pessoas compartilhando, como o Primavera Sound desse ano, que parece até mentira. Bem, findado o meu desabafo, vamos para o show.
Ele não foi ruim. Ao contrário disso, o show foi bom. Noel é cobra criada, manja do palco, sabe conduzir a plateia e fazer show. O trio de metais foi excelente, trouxe alma as músicas, o guitarrista era ótimo. Toda a marra do inglês fazia parte de seu personagem, mas ele sabia que muitos fãs seus ali só o idolatram por conta do Oasis, e dois dos maiores clássicos dos anos 90, “Wonderwall” e “Don’t Look Back In Anger”, levaram os saudosistas e todos ali presentes ao delírio. Talvez o espírito inglês estivesse muito forte no Autódromo, pois, com Noel Gallagher, uma garoa fina chegou, esfriando o local. Mas tudo bem, pois logo a seguir viria a catarse coletiva do Jack Ü.
Gente, que show! Caramba. Já tinha falado, há muito tempo, num outro blog, pessoal, de como o Skrillex fazia um show do peru. Conceitualmente e artisticamente muito amarrado. Visualmente um deslumbre, luzes pra cima e pra baixo, fumaças, telão frenético, seu som parecia um complemento a todo o caos do palco. Diplo é a mesma coisa. A união dos dois não poderia ser diferente. O show do Jack Ü foi assustador, sinal de nossos tempos, com uma profusão de informações, flashes rápidos, músicas aperitivos (várias foram tocadas só o refrão, como “Work”, de Rihanna), muitas explosões, fogos, fumaças, faixas caíram do céu, como se Michael Bay estivesse dirigindo aquele espetáculo. Diplo e Skrillex comandavam as cabines e a plateia, alternando a pickup entre ambos; enquanto um tocava, o outro fazia papel de líder de torcida. Como se não bastasse toda a pirotecnia, ambos provaram ser íntimos conhecedores do zeitgeist mundial, inclusive o brasileiro. Wesley Safadão, MC João com seu baile de favela e, para coroar a noite, uma participação especialíssimo do tranquilo e favorável MC Bin Laden mostraram o carinho dos dois djs com o que está na boca da população brasileira. Conhecedores do pop de cabo a rabo, Diplo e Skrillex fizeram um show impecável, mesmo para quem não gosta do ritmo. Por mim já poderia ter acabado o festival ali, mas ainda tínhamos Florence + The Machine e Planet Hemp para encerrar a noite. Embora ciente – e com preferência maior – pela segunda banda, fui ver a cantora britânica e seu pop épico que embala adolescentes por todo mundo.
Vestida como elfa, fada ou algo similar, da ordem da fantasia, com coroa de flores na cabeça e esvoaçante vestido azul, o new new age de Florence + The Machine encanta. Sua simpatia também. A cantora correu até a plateia, esbanjou um carisma típico de um personagem tolkieniano, entregou sua coroa para uma fã num momento muito bonito, em que a cantora se afastou das mãos dos seguranças e cantou olhando para essa fã. O jeito que ela fala com a plateia é muito simpático, polido e gostoso. A cantora rodopia e canta sem parar. Não dá nem para saber de que lugar sai essa voz fantasmagórica e fantástica enquanto seu rosto transparece tranquilidade e um sorriso plácido. Um ótimo show, encerramento perfeito para o festival (não para mim, que poderia ter acabado com o Jack Ü, digo para o festival como um todo), que deixou a plateia empolgada do começo ao fim, cantando tudo. Não sabia, mas Florence tem uma base de fãs bem respeitável. Fiquei impressionado, me senti velho. Isso é bom.
Ao fim, os shows do segundo dia do Lollapalooza foram muito bons. Bandas catárticas, que sabiam dominar o palco e controlar a plateia. Foi bonito. Mas ficou aquele gostinho de quero mais, de ver bandas novas boas, de ver o festival arriscar mais e trazer novos nomes, não os mesmos que já tocaram aqui.