A partir de hoje, sempre na segunda quarta-feira do mês, teremos uma coluna de interlocuções entre música e poesia, trazendo destaque para um poeta específico. O responsável será Lucas Krüger, psicanalista e poeta que, também, transita pela música. Inclusive, o nome da coluna será o mesmo do livro de estreia de Lucas: O Sonho da Vírgula, lançado em 2015.
Os poemas do autor passeiam por temáticas que passam desde as relações humanas mais variadas, bem como a relação do homem moderno com a sociedade atual e suas amarguras. Temas que não deixam de ter influência de sua vivência psicanalítica.
ME VENDO PRA CAPITALIZAR (RELATOS DE UM TRABALHA-DOR)
Me calço pra levantar
Me entrego pro jornal
Me liquido de café
Me embanano pra comer
Me engarrafo pra transitar
Me sustento pra trabalhar
Me comprimo pra dormir
Sonho em despertar
É inegável uma influência surrealista e uma enxurrada de imagens despertadas em boa parte de sua poesia. O poeta abusa de flertes com os mais variados tipos de forma de apresentação do poema. Um exemplo é o poema ”Palavras Cruzadas ( O Progesso não é ordem)”, que brinca com o fazer poético, sem deixar de alfinetar politicamente a bandeira nacional. Além disso, ”Palavras Cruzadas” é originalmente música, uma valsinha psicodélica, que pode ser encontrada no site do autor, junto a outras canções que também tiveram versões em poemas mais visuais.
O humor provocativo, envolto em sexualidade, faz-se presente em poemas como ”Poema Nu”:
POEMA NU
O poema passeia pelado.
O povo anseia lambê-lo,
Nunca mais tirar da boca.
Tem gente que quer foder com o poema,
Dar pitaco. Todo mundo quer pôr o dedo.
Há os que querem encobrir sua genitália,
Censurar sua pouca vergonha.
Só que não resistem as suas curvas
E é por coisas dessas que o mundo perde a linha.
Na verdade, o que todos querem é que o poema seja seu.
O fato é que questões sociais, humor, amor, sexualidade, psicanálise, onirismo, imagens surrealistas e poesia visual se imbricam e fazem parte da obra como um todo, ora pendendo mais para um lado, ora para outro. Como a sexualidade romântica-surrealista de ”SALIVA”:
SALIVA
entardecendo
eu lambi a lua
até intumescer neblina
na noite ela gozar calada
até enrubescer
e amanhecer
de rosa
Além de poesia, o livro de Lucas tem referências musicais anunciadas nos poemas, como quando cita Tom Zé e o pioneiro do dub Lee ”Scratch” Perry (aliás, em seu livro há mais referências ao dub do que apenas a Lee Perry).
Aguardem, então, a partir de agora, esse espaço poético-musical, sempre dando destaque para um poeta. Para encerrar, poema ”Sorte” de Lucas Krüger:
SORTE
Absorto observo
Absinto verbos
Deusifico coisas
Conserto afetos
Obstruo óbitos
Reverto Óbvios
Diversifico dádivas
Logro luzes
Habilito versos
Tenho sorte.