Em seu mais novo projeto, Tonho Crocco extravasa toda sua experiência adquirida em uma temporada em New York no melhor estilo “Abre-alas” [Abrindo os caminhos/Eu quero passar/Não se preocupe com o desfile anterior/Não se preocupe com o resultado posterior]. Em uma auto-reinvenção, expõe um samba rock capaz de flertar com o acid house experimentando uma provocativa cumplicidade que celebra o nascimento de espaços sonoros e letras efusivas onde, antes de Tonho, só havia calmaria.
Para festejar a conclusão de seu projeto solo (gravado nos EUA), fruto de seu afastamento do microfone e da guitarra que fez soar desde 1991 à frente da consagrada banda Ultramen, Tonho Crocco retorna às terras gaúchas apresentando o resultado de um caleidoscópio sonoro polarizado por suas passagens por bandas como De Falla, Black Master, Casa da Sogra e tantas outras. A produção do álbum segue sob a batuta de Simon Katz(Gorillaz/Jamiroquai) e Zé Luis Oliveira(Caetano Veloso/Blitz), o que torna possível uma deliciosa consagração rítmica no disco do início ao fim.
O EP “Teto Solar” sai em formato SMD (semi-metalic disc), uma nova tecnologia nacional idealizada pelo cantor Ralf (Chrystian & Ralf) e que alia uma proposta ecologicamente correta com um menor custo final ao público. O visual incandescente fica por conta do norte-americano Peter Rentz que vai buscar inspiração em terrae brasilis para o design gráfico da capa e do encarte do álbum.
Leia agora a entrevista com Tonho Crocco a respeito de seu mais recente trabalho comentando sobre sua carreira, o cenário roqueiro gaúcho, polêmicas e planos para o futuro:
Luís Augusto Fischer (escritor gaúcho) já alertou sobre o fato de haver ocorrido durante o período de Regência no Brasil (1831-1840) um esforço do governo central para manter a centralização econômica repudiando qualquer autonomia política das províncias. Os intelectuais da Corte forjaram então símbolos unitários do país, daí os índios de José de Alencar e as palmeiras e sabiás de Gonçalves Dias. De que maneira você percebe essa transposição histórica aos dias de hoje? Você entende que o rock brasileiro conseguiu moldar uma identidade nacional própria ou ainda percebe-se como um mero aglomerado de instrumentalidade e harmonia regionalmente estabelecidas?
Tonho Crocco: Ótima colocação histórica; Getúlio Vargas também contribuiu para essa ‘’invenção’’ política/cultural. Acho que cada vez mais os regionalismos estão mesclados com as influências musicais. O Rock dos Titãs era muito diferente do das bandas daqui (80’s) como o do Cachorro Grande é bem diferente da Pitty hoje em dia. Mas ao mesmo tempo ambos transitam com facilidade pela percepção do público, talvez pelas referências serem parecidas, mas o resultado final ainda continua sendo diferenciado.
A faixa “Abre-alas” pode ser apontada como a grande sacada do álbum: primeiro pelo fato de o próprio título já servir como faixa de abertura dos trabalhos; segundo por carregar aquela “pitada” de influências nacionais como Jorge Ben Jor e Bebeto e, finalmente, por ser a música que consegue unir os traços simbióticos luso-africanos da sonoridade brasileira com a sua trajetória musical. Ela traduz realmente o impacto que você pretende causar com “Teto Solar”?
Tonho Crocco: Gosto de trabalhar com analogias, metáforas e nesse caso coincidências. Abre-alas veio do meu gosto pessoal pelo afrobeat e da possibilidade rítmica que poderia ser fundida com a MPB. Essa canção foi composta nos 6 meses que passei em New York e lá tem muitas bandas fundindo o afrobeat com rock, funk, r’n’b, etc.
Falando em impacto, como você está sobrevivendo à resposta dos seus fãs ao remix de “Abre-alas”? Trazer a contribuição do DJ/Produtor norte americano Chris Penny, diretamente do berço da house music foi mais a sua veia de DJ despontando novamente ou uma provocação intencional buscando essa interatividade entre artista e público?
Tonho Crocco: Realmente o remix desvirtua muito do EP; mas não pude deixar de incluí-lo. Hoje em dia a musica eletrônica está no momento de separar os oportunistas dos verdadeiros amantes do movimento. O primeiro LP que comprei foi o ‘’Trans-Europe Express’’ do Kraftwerk ; sou um pesquisador e colecionador de vinis e trabalhei 3 meses em NY como DJ de música brasileira, DJ Anderson, um dos maiores DJs do RS (quiçá do Brasil) tocou comigo na Ultramen, o movimento acid house começou em Chicago com afro-americanos sendo responsáveis pela sua concepção e criação. Por tudo isso resolvi polemizar um pouco e incluir o remix do Chris Pen no disquinho.
O álbum “Teto Solar” faz transparecer a simplicidade das grandes idéias, a começar pelo pontapé inicial que acrescentou ao seu trabalho nomes como o londrino Simon Katz e o carioca Zé Luis Oliveira que assinam a produção. Como foi pra você sair de uma ambiente de longa amizade com o fim da Ultramen e conseguir construir essa nova camaradagem que esteve sempre presente no novo EP?
Tonho Crocco: Foi muito mágico e ao mesmo tempo muito fácil. Estava tocando no Rose Bar no Brooklyn e fui apresentado ao Simon, que disse que tinha tocado em Porto Alegre com o Jamiroquai e morado um tempo na Bahia. Pediu para ir a casa dele mostrar minhas músicas, tomar umas, ouvir um som, etc. Ouvimos Fela Kuti, Jorge Bem, mostrei minhas musicas, fizemos uma Jam e daí veio o convite para gravar. O Simon disse que estava acostumado a trabalhar com um Brasileiro e me apresentou o Zé. Na outra semana começamos a pré-produção e em 4 meses o disco estava pronto.
Tonho, dos desenhos para a flauta doce e então para o violão e a gaita de boca; para então, finalmente, subir aos palcos pela Ultramen e agora em um trabalho solo lançando “Teto Solar”. Como você percebe essa mobilidade artística integrada em sua carreira?
Tonho Crocco: Você esqueceu ‘’cantor de coral’’; cantei 2 anos no coral do colégio Tiradentes da Brigada Militar e 2 vezes no coral da OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre). Tenho sorte de ter estudado musica e ao mesmo tempo aprendido o som das/nas ruas. É difícil ver um M.C. que toca, compõe, improvisa, canta…tenho consciência de que isso é uma soma de estudo, talento e sorte.
Você ajudou a construir a história do rock no sul, difundindo seu trabalho e talento no Brasil e no exterior. Que panorama você traça para o rock sulista atual?
Tonho Crocco: Atualmente vejo a cena roqueira muito bem. Evoluída, autentica; não apenas uma imitação do que vem de fora. Mas acho que as influencias regionais são pouco lembradas pelos artistas. E não estou falando só de vaneirão e milonga. Cadê o maçambique, tambores de Osório e Sopapo?
Você divide a letra de “Quadratura” com Zé Luis Oliveira e o resultado demonstra a riqueza de linguagem e de elementos figurativos contempladas em seu novo trabalho. Por qual motivo a loucura e a razão conseguem vagar tão confortavelmente por suas músicas?
Tonho Crocco: Difícil explicar a loucura…sempre gostei de lapidar as letras, deixá-las com ‘’aparência’’ de poesia e achei no Zé um grande parceiro. Sabia que ele tem letras com o Cazuza? Sabia que ele é bisneto do Álvaro Moreira? Na ultramen 90% das letras são minhas e sentia falta de conselhos a respeito de licença poética, rimas,etc. Aprendi muito com o Zé Luis e acho que vamos fazer outras parcerias pois conseguimos uma química escrevendo junto.
Fale um pouco sobre sua opinião a respeito da faixa título do álbum. O que você achou da transposição da melodia e do acompanhamento harmônico, características singulares de “Teto Solar”, para o design da capa e do encarte? A apresentação final foi um consenso racional ou virtuosidade do acaso?
Tonho Crocco: Compus teto solar na saída de incêndio do meu prédio no Brooklyn. Lá era verão e aqui inverno. Louco de saudades, percebi que aquele sol do hemisfério norte era o mesmo do sul, que aquecia meus amigos, família, amores…. Além da palavra teto significar ‘’a viagem e/ou desmaio devido à exposição solar’’. Vejo claramente as influencias harmônicas e melódicas de r’n’b e swing/samba rock. Peter Rentz, que fez a capa e o encarte, disse ter pesquisado as capas de discos Brasileiros dos anos 60/70 e fotos de explosões solares e eclipses. Tudo foi pensado e discutido coletivamente entre nós. Nada foi por acaso.
A faixa “Árida saudade”, mais do que um tributo ao amor, parece ser um tributo às raízes do samba com as quais você sempre trabalhou. É uma canção egoísta, um presente para você mesmo?
Tonho Crocco: Nada…fiz pra minha namorada! O bacana foi o incentivo do Zé Luis: -Vamos gravar com o mesmo modelo de microfone que o Cartola usava! E com regional ( 7 cordas, cavaco, percussão…nada elétrico).
Tonho, do Partenon para o mundo. Quase vinte anos de uma fértil carreira musical, muitos espaços conquistados e construídos, alegrias e amizades, muito trabalho e criatividade. O que mais os fãs podem aguardar por aí?
Tonho Crocco: Também não sei o que vai acontecer agora. Quando decidi ir para os EUA, não tinha lugar pra ficar, estava sem banda, sem show e sem dinheiro. Não sabia que ia gravar, discotecar, tocar…e tudo aconteceu. Quando se espera o nada, tudo pode acontecer.
Profundo né? (risos)
*Felipe Kayser colabora com sites de rock Brasil afora e realizou esta entrevista via email em 18 de Setembro de 2009.