O Vaporwave – junto com o seapunk – foi o primeiro gênero musical a surgir totalmente na internet, e começou a aparecer aí por 2010. Seus criadores também em geral fazem parte da primeira geração de filhos da internet. Pessoas que cresceram completamente inseridas numa cultura digital, global e massificada, na qual o espaço físico que cada um habita não importa, porque todos estão onde querem e convivem com quem quiserem, no cyberespaço. E assim, é natural que a primeira grande subcultura dessa geração exista também no cyberespaço.
Como movimento estético, o vaporwave é essa colagem de propagandas dos anos 90 cheias de glitches, estátuas gregas flutuando em paisagens 3D de degradê e tons pastel, e claro, sempre com um toque do maior fetiche dos vaporwavers: o Windows 95 e tudo relacionado a ele, seus alertas de erro, seu maravilhoso logo, a mesa de trabalho… Todos esses elementos fazem parte da aparência do início da internet, ou melhor, de uma ideia romântica do início da internet, imaginada por pessoas que vêem na internet um lar e uma nação, (ou uma anti-nação?), mas que, em geral, não acompanharam seu surgimento. Essas imagens, os sites, e toda a estética digital desse movimento, buscam recriar uma atmosfera de um tempo imaginado, que parece ser para seus artistas, a própria utopia, e que o artista Joe Veix descreve como “uma época antiga, quando ninguém sabia o que diabos estava fazendo. Quando o sinistro, o desconcertante e o perigoso espreitavam há apenas alguns cliques de distância. Antes de uma combinação de serviços centralizadores criarem uma web previsível e higienizada”. Imagens e sons futuristas, de um futuro como imaginado nos anos 80 e 90, um mundo de possibilidades infinitas, esperando para ser habitado por robôs e objetos geométricos.
Mas a internet virou isso aqui mesmo. Um ambiente asséptico, habitado por redes sociais, celebridades e principalmente publicidade. E naturalmente, os filhos da internet estão digerindo tudo isso e transformando em arte.
Enquanto a estética vaporwave escolhe uma visão futurista quase romântica, sua representação musical é bem mais distópica e crítica, e se bifurca em diversos subgêneros.
Como uma resposta à falta de privacidade on-line e ao culto às celebridades, artistas de vaporwave mudam seus nomes a toda hora, inventando novos pseudônimos, muitas vezes cheios de caracteres totalmente ilegíveis e que tornam suas músicas impossíveis de serem buscadas.
Além de uma tentativa de resgate de alguma sensação de underground e de anonimidade, atitudes como essa deixam bem claro outro tema recorrente das músicas vaporwave: a critica ao capitalismo e a toda ideia de progresso e sucesso. Apesar de usarem cifrões ou publicidade ou imagens e sons de shoppings em suas obras, os próprios vaporwavers não parecem estar interessados em fama ou em monetizar suas criações, que são sempre disponíveis grátis na web. É natural que essa geração que nasceu em um ambiente onde a informação sempre foi livre e grátis, e onde o capitalismo está morrendo aos poucos, não veja sentido em utilizar o dinheiro para intermediar tudo.
Normalmente os samples de publicidades ou outros produtos da cultura pop, são modificados de tal forma – ora mixando com “músicas de elevador”, ora diminuindo sua velocidade até que pareçam gritos de ciborgues morrendo, – que seu significado inicial é totalmente esvaziado. É como se tentassem (e conseguissem) dissolver tudo que há de comercial nas imagens mais icônicas do consumismo, para apontar o nonsense desse sistema agonizante. O que sobra são milhares de faixas virtualmente idênticas, longas, e que negam qualquer estrutura de músicas tidas como mainstream.
Então o vaporwave é a ridicularização final do capitalismo, e quer nos preparar para um mundo no qual a simples ideia de propriedade – física ou intelectual – não faça mais sentido, um mundo de identidades dissolvidas. Um futuro utópico, hacker, copyleft e livre. Como a internet deve ser.
Ainda que sejam muito parecidas para ouvidos destreinados, existem inúmeros subgêneros diferentes que nasceram junto ou do vaporwave. Convidamos Marcelo B. Conter, que está fazendo uma pesquisa sobre artistas gaúchos de vaporwave e de gêneros similares em seu pós-doutorado na Unisinos e desenvolvendo uma das primeiras pesquisas acadêmicas sobre o assunto, para apresentar alguns desses subgêneros e passar umas dicas de bandas e produtores para desbravarmos os confins dessa contracultura digital.
Entenda o vaporwave e seus subgêneros:
Vaporwave: toma aqueles jazz cafonas que servem de trilha sonora de salas de consultório e fazem uma remixagem, geralmente mais lenta, mais grave e com montagens radicais que forçam o ouvinte a prestar atenção em sons que normalmente servem de plano de fundo.
Tem um artista gaúcho, o VHS LOGOS, que fez esta coisa maravilhosa:
Future Funk: é parente do vaporwave, mas tem uma pegada mais para pista. Eu tenho dificuldade para diferenciar entre future funk, future bass e future disco…
Meu exemplo é Lola Disco:
Synthwave: nós já vimos vários revivals na moda, na cultura pop, no cinema e na música. O synthwave é o revival de hardwares, o desejo de continuar produzindo música com os timbres que fizeram sucesso nos anos 1980 e início dos 1990, especialmente em trilhas sonoras de jogos de videogame.
Tem o Deathray Bam! e sua homenagem ao Miura, carro esportivo fabricado em Porto Alegre:
E tem o Solomon Death do Ron Selistre, que era da Damn Laser Vampires e sua sombria Deathwalk:
Eccojams: historicamente essa lista tá meio fora de ordem, mas desde quando nossa navegação na web é linear? Acontece que o eccojams talvez tenha sido o gênero que antecipou quase todos os outos desta lista. São umas montagens bem grosseiras, repetitivas e cheias de eco, daí o nome. Muita gente concorda que o artista que fundamenta o gênero é Chuck Person:
Utopian Virtual: daqui em diante a coisas ficam bem difíceis de explicar, porque são gêneros muito específicos. Pra ser sincero não sei o que por nessa categoria, mas acho nome muito interessante. Ele dialoga com o vaporwave, no sentido de fazer uma crítica ao momento da humanidade: antropoceno (o homem é o agente das mudanças climáticas), o fim da história, a crise econômica global gerada pelo capitalismo tardio etc, e o utopian virtual faz isso resgatando as estéticas futuristas do passado, aquele modo bizarro de imaginar nosso futuro como asséptico, rico, paradisíaco, como a estação espacial de 2001 de Kubrick.
Mallsoft: Mall é Shopping Center em inglês, então já deu pra imaginar a bizarrice, né.
Trans World Airlines:
Futurevisions: Mais um gênero bem difícil de sintetizar. Eu vou usar como exemplo esse disco fantástico do 2814, que é um projeto do Hong Kong Express junto do Telepath. Imagina a junção de Brian Eno em Ambient Music com Vangelis na trilha sonora de Blade Runner. Agora coloca uns synths distorcidos e a sensação de futuro distópico.
Simpsonwave: sim, tem até simpsonwave. Neste caso, se trata de videoclipes para músicas consagradas do vaporwave. Na trilha visual, trechos do seriado Os Simpsons sincronizados com a trilha sonora e com efeitos digitais de deterioração visual, como se estivéssemos diante de um VHS empoeirado com episódios gravados lá nos anos 1990.
E para quem quiser ler mais sobre o assunto, o Marcelo sugere o livro Babbling Corpse: vaporwave and the commodification of ghosts, de Grafton Tanner.