Tom Capone era o cara

02/09/2014

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Lidy Araujo

Por: Lidy Araujo

Fotos:

02/09/2014

Quando comecei a produzir este especial, a ideia, obviamente, era a de fazer uma homenagem a Tom Capone, relembrando sua história. Só que, durante a conversa que tive com Xandão, guitarrista d’O Rappa, ele afirmou ser um privilegiado por ter conhecido Tom pessoalmente. “Sempre que falo nele para alguém que não teve essa oportunidade, ouço um lamento: pô, queria ter conhecido esse cara”, disse.

Foi aí que lembrei de uma pessoa que, embora tenha sido muito importante para Tom, conviveu com ele por apenas dois meses. E certamente não deve lembrar desse período, pois esta era a sua idade quando o fatídico acidente em Los Angeles ocorreu, há exatos 10 anos.

*

Estou falando de você, Bento. Por isso, mais do que uma homenagem a Tom, este post é uma espécie de carta para você, que foi separado tão cedo de seu pai.

Seu pai, você sabe, foi um grande guitarrista e um brilhante produtor. Sob o seu comando, grandes discos da música brasileira foram criados. Entre as obras-primas de Tom, estão estes cinco álbuns, cujas histórias os próprios artistas me contaram, e você pode ler clicando nos títulos de cada um:

“O Silêncio Q Precede o Esporro”, d’O Rappa
“Infernal”, de Nando Reis
“Na Pressão”, de Lenine
“Baladas Sangrentas”, de Wander Wildner
“Amor Pra Recomeçar”, de Frejat

Durante nossas conversas, eles também me falaram coisas que, acredito, você vai gostar muito de saber. São declarações que me fizeram lembrar de uma frase que ouvi uma vez, que é mais ou menos assim: eu posso não ser O cara, mas sou amigo dele. Pois é, O cara era seu pai. Olha só:

“Tom era muito generoso, esta era a sua maior característica. Eu aprendi a ser generoso com ele, e isso mudou minha vida. Quando ele comprou a casa, onde veio a ser construída a Toca do Bandido, ele me disse: comprei a casa, vai morar lá. E eu fui. Ele tinha muita paciência comigo, e eu era muito difícil, muito mais do que sou agora. Eu era muito burro, não sabia nada, e ele saiba muito. Ainda tinha o fato de andar em bando, e claro que ele era o chefe. Quando ele dizia ‘vamos lá’, a gente ia, era natural. Lembro uma vez que ele me disse: comprei um pranchão, amanhã nós vamos surfar às 6 da manhã. Eu não surfava, mas fui. Tentei, mas não estava conseguindo ficar de pé na prancha. Era difícil. Toda vez que eu caía, minha canela batia na quilha. Acho que era a primeira vez do Tom também, mas ele era mais corajoso. Ele era assim, levava todo mundo com ele. Lembro que a Marisa Monte o convidou para jantar, e ele chegou e disse: nós vamos. Aí, fomos eu e todo mundo junto. Com certeza, ele melhorou a vida de todo mundo que andou com ele, porque o amor dele era incondicional, e eu aprendi o que é amor incondicional com Tom. No dia em que ele me contou que fez uma reunião com a Fafá de Belém, ele estava com um sorriso nas orelhas: cara, tive uma reunião com a Fafá , vou produzir um disco dela. Que roqueiro vai dizer isso? Ele tinha ouvido para tudo. Isso é ser um produtor. Um produtor não tem preconceito.”
Wander Wildner

Tom em bando, com Pedro Luís e A Parede | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

Tom em bando, com Pedro Luís e A Parede | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

“A gente teve uma relação muito gostosa de troca, de um aprender com o outro, e isso fortaleceu muito a nossa amizade. A gente trocava ideia, falava de planos pessoais, de filhos, mulheres e tal. A gente tinha uma troca bacana como amigo, apesar do pouco tempo de convívio. Foram apenas cinco anos, mas nossa relação foi intensa mesmo. O tempo não é representativo. A intensidade de uma relação independe do tempo. Lembro também que ele ficou doido, porque os meus equipamentos eram todos arrumados, e os dele eram uma bagunça total. Ele ficou louco com isso, dizia que estava com vergonha e tinha que arrumar. Aí, montou o estúdio, arrumou tudo, fez um armário para guardar pedais, e me disse: está vendo, estou aprendendo.”
Frejat
(N.R.: O músico ainda lembrou que você, Bento, e o filho dele, o Rafael, nasceram no mesmo dia. Só que Rafael é oito anos mais velho que você)

Com Mauro Manzolli, Sergio Affonso (Warner) e os Raimundos, sendo premiados por "Só No Forevis" | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

Com Mauro Manzolli, Sergio Affonso (Warner) e os Raimundos, sendo premiados por “Só No Forevis” | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

“Eu poderia ficar aqui falando de Tom por horas. Sofremos todos de uma orfandade muito grande. Esse cara foi um frescor dentro de um mercado cheio de dogmas e posturas erradas. Esse mercado já nem existe mais, existe outra coisa, mas houve uma época em que a indústria fonográfica era gerida e gerada por gente que não sabia música. Tom foi um frescor, cara. Depois de sua morte, ninguém queria fazer o segundo disco da Maria Rita. Quem poderia fazer? Só eu mesmo, lógico, porque a Maria sentiu em mim o mesmo tipo de orfandade. A gente sentia, sacou, a falta do cara realmente.”
Lenine

Com Maria Rita e Claudio Conde | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

Com Maria Rita e Claudio Conde | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

“O Tom era um grande amigo meu. A conversa com ele era simples, a princípio ele sempre topava tudo: vamos arriscar, vamos, vamos experimentar, vamos. E claro que tem as risadas que eu dei com ele. Tenho muita saudade. A Toca do Bandido é especial porque é um estúdio de qualidade, que ainda guarda a memória dele e as histórias que vivi por lá.”
Nando Reis

Backstage com Nando Reis | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

Backstage com Nando Reis | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

“Quando entrou na Warner, Tom mudou a vida de todos nós vivíamos na gravadora. Ele conseguiu transformar não só o mercado musical, mas uma empresa. Ele era um cara tão expansivo e acreditava tanto nas ideias dele, que conseguia convencer a todos. O Rappa esta há 22 anos na mesma gravadora, vimos vários diretores passarem por lá, mas Tom deixou sua marca e mudou toda a forma de pensar. Ele não era o tipo de produtor que a gente estava acostumado a ver, ele pensava como músico, como artista. Para ele, não existiam limites para colocar uma ideia em prática. Ele não pensava no mercado, mas na música, na arte. Isso mudou um cenário inteiro. Em pouco tempo de vida, ele conseguiu trazer uma quantidade enorme de artistas de qualidade, e isso é uma coisa impressionante. Ele tinha a capacidade de transformar qualquer elemento em música de boa qualidade. Quem sente muito a perda dele é a música brasileira, pois foi o cara que a transformou, numa época em que tocava só música internacional. Ele era ousado, e se ele acreditava, ele ia dar um jeito de fazer dar certo.
A gente era muito íntimo, muito amigo, e ele era muito intenso, estava sempre alegre. Para mim, ele é um irmão que nem foi embora. Acho que ele continua do meu lado, mesmo não estando aqui fisicamente. Se eu sou produtor hoje, é em função do Tom, a pessoa que mais me incentivou a produzir. São pessoas assim que passam na vida da gente e a gente não consegue entender pq elas vão embora. Ele fazia tudo pelo bem, queria o bem. Era mesmo uma pessoa ímpar. Eu sinto muito até hoje de não ter ido com ele para Los Angeles, e ele insistiu para que eu fosse, porque eu também gosto de moto, e o plano era de alugar motos para a gente andar junto. Quando soube da morte dele, estava no Rio Grande do Sul fazendo show. Conheci uma das pessoas mais incríveis, um produtor e músico fabuloso. Me sinto uma pessoa privilegiada por ter convivido com ele. Tenho muita saudade, mas uma saudade boa. Ele foi muito intenso, então acho que viveu uma vida feliz, plena, viveu o que queria viver. Lembrei agora de quando ele me disse: pô, Xandão, quando me aposentar, vou abrir uma loja de instrumentos no sul da Bahia, numa praia no meio do nada, e vou ficar o dia todo tocando minha guitarra, porque não vai aparecer ninguém para comprar mesmo. Como amigo de Tom, agradeço a oportunidade de poder falar nele aqui. Obrigado pela lembrança e pelo carinho com ele, porque é uma pessoa que não podemos esquecer jamais.”

Xandão, guitarrista d’O Rappa

Com Gilberto Gil | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

Com Gilberto Gil | Foto: Arquivo Pessoal Constança Scofield

Viu só como seu pai era especial, Bento? Mas você também é, e muito. Sua mãe, Constança Scofield, me contou que foi você que deu força para ela seguir adiante quando vocês perderam Tom, inclusive mantendo a Toca do Bandido ativa. Ela queria que você conhecesse e descobrisse seu pai através do ambiente em que ele viveu e do legado que construiu. “Graças ao Bento e à Toca, eu não conheci o vazio absoluto. O trabalho e o meu filho foram essenciais para que eu superasse o luto”, disse.

Bento e Constança | Foto: Daryan Dornelles

Bento e Constança | Foto: Daryan Dornelles

Constança também contou que, recentemente, você disse pela primeira vez: esse lugar é incrível! Ela ficou tão feliz, e nós também, pois concordamos com você. A Toca é realmente incrível. Aliás, você chegou a ver a matéria que produzimos aí, ano passado, para a revista? Olha:

E ainda tem uns extras, que você pode ler aqui e aqui.

Constança também falou que tem muitos planos para a Toca, embora não seja fácil mantê-la numa época em que é tão simmples ter um home studio. Seu tio, Tomás Magno, os amigos de seus pais, como Álvaro Alencar e Carlos Eduardo Miranda, e seu padrasto, Felipe Rodarte, têm ajudado muito a sua mãe.

Um dia, Bento, você mesmo poderá ajudá-la a manter projetos tão interessantes como o selo Toca Discos e a galeria de graffiti Guest House, que são inspirados e influenciados pelo legado de Tom. A cultura brasileira será eternamente grata a você, caso opte por isso, mas é claro que você tem toda a liberdade para trilhar o seu caminho, seja em cima de uma Harley-Davidson, como fazia seu pai, ou não.

Um abraço – coletivo, de toda a equipe da NOIZE 😉

Foto destaque: Daryan Dornelles

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02/09/2014

Lidy Araujo é uma grande mulher. Porém, louca.
Lidy Araujo

Lidy Araujo