17 de julho, 1967. O Brasil sob uma dura Ditadura Militar. Em São Paulo, cerca de 400 pessoas gritavam algo como “Abaixo a guitarra, abaixo a guitarra!”. Era o coro que tomava conta da Avenida Brigadeiro Luís Antônio há exatos 45 anos.
Com o objetivo de “defender o que é nosso”, a data entrou para a história da música brasileira como o dia da Passeata Contra A Guitarra Elétrica.
Elis Regina, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Jair Rodrigues, Zé Kéti e outros da considerada MPB tradicional figuravam na comissão de frente, soltavam palavras de ordem contra o imperialismo musical norte-americano. Para eles, na época, representado na guitarra.
Até Gilberto Gil estava lá.
O mesmo Gil que, tempos depois, detonou nos acordes elétricos ao lado dos Mutantes com sua “Domingo no Parque”, levando assim o segundo lugar no 3º Festival de MPB da Record. O mesmo Gil que curtia pra valer o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, álbum dos Beatles carregado de guitarras.
Mas Gil estava lá por simpatia à Elis. Ou assim ele dizia.
O regime militar era só alegria – a guitarra se tornava símbolo da tão perseguida alienação. Justamente o oposto da música popular, a voz de revolta dos artistas diante da proibição de se “falar em política”.
Para muitos músicos da MPB, a “invasão do rock” via Jovem Guarda fazia com que os jovens se afastassem das preocupações políticas. Para eles, o resultado seria um só, rasteiro: uma música despolitizada e sem o DNA da cultura popular brasileira.
Uma teoria que ganhava reflexo nos caminhos tomados pela principal emissora de televisão da época.
De um lado o público podia assistir ao programa O Fino da Bossa, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues. Do outro, o iê-iê-iê da Jovem Guarda em um programa de mesmo nome, nascido no mesmo ano de 1965 e na mesma emissora que o de Elis: a TV Record.
Só que, ao contrário de Roberto Carlos e sua Jovem Guarda, Elis perdia público. E culpava a migração da MPB para o iê-iê-iê. Em 67, dois anos depois de sua estreia, O Fino da Bossa saia do ar. Frente Única – Noite da Música Popular Brasileira assumia o posto.
Nasceu dali a Passeata Contra A Guitarra Elétrica: para divulgar o terceiro programa da nova série semanal.
Em casa, ou melhor, da janela do Hotel Danúbio, Nara Leão e Caetano Veloso – que, assim como Gil, encabeçava o Tropicalismo e se orgulhava do descompromisso com estilos, modismos e estruturas – assistiam ao coro passar. “Nara, eu acho isso muito esquisito”, divagava ele. “Esquisito, Caetano? Isso aí é um horror! Parece manifestacão do Partido Integralista. É facismo mesmo!”, respondia Nara Leão.
Chico Buarque, que sempre soube das coisas, tampouco foi às ruas. “Nunca tive nada contra esse instrumento, como nada tenho contra o tamborim”, justificava. “O importante é ter Mutantes e Martinho da Vila no mesmo palco.”
45 anos mais tarde e até Chico tem guitarrista em sua banda. A guitarra não escapa nem mesmo dos sertanejos à la Michel Teló. Imagine você o que ela, a guitarra, deve estar pensando disso tudo…