Adrian Younge lança disco inspirado no Brasil; leia a entrevista

26/11/2024

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Lucas Vieira

Por: Lucas Vieira

Fotos: Divulgação

26/11/2024

O músico e produtor Andrian Younge, das gravadoras Jazz Is Dead e Linear Labs, lançou o álbum Linear Labs: São Paulo no dia 15 de novembro. Na essência, trata-se de um compilado de músicas inéditas dos álbuns vindouros da Linear Labs em parceria com artistas de diversas nacionalidades.

Somam no lançamento as participações da atriz e cantora Samantha Schmütz [foto abaixo], Snoop Dogg e Lætitia Sadier, do Stereolab, para além da cantora do Oriente Médio Liraz, do londrinho ALA.NI e do cantor de soul afro-futurista Bilal.

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O álbum é fruto da rica pesquisa musical de Younge, que soma três décadas vasculhando vinis raros de diversos países e produzindo uma gama de artistas. “Quis construir um encontro sonoro de compositores de ontem e hoje, para discutir a forma como o hip hop chega aos ouvidos modernos… essencialmente, a minha música é para os cabeças. Isso é São Paulo!”, diz.

Linear Labs: São Paulo inclui uma faixa inédita do aguardado Something About April III, fruto da trilogia de sucesso do artista, “Esperando por Você”. O nome em português dá um spoiler: o disco trará exclusivamente canções em português.

Ouça o mix de jazz, hip hop, disco, afrobeat e psicodelia do novo trabalho abaixo:

Ainda neste ano, Adrian Younge falou à NOIZE sobre o Jazz Is Dead e sua relação com a música brasileira. Leia a matéria publicada na Revista Noize, na edição que acompanha o álbum Novela (2024), da Céu:

A maestria do Jazz Is Dead

Em 2017, Andrew Lojero produzia um show do trompetista Keyon Harrold, batizado de Jazz Is Dead. O nome atraiu a atenção dos também produtores Adrian Younge, Ali Shaheed Muhammad e Adam Block, que tinham vontade de criar um selo que realizasse gravações e produzisse concertos de jazz. Assim começou a história de um coletivo considerado pelos criadores um verdadeiro movimento de amor à música.

Além do currículo profissional de peso, o quarteto tem em comum a paixão pelos LPs, estando sempre ao redor do mundo em busca não só de discos como também dos artistas que os fizeram.. “Isso vem de nós sermos filhos da cultura hip hop, e vermos essas gravações através de sua história. Os artistas samplearam álbuns do mundo todo para criar algo genuinamente novo, e nós amamos esse tipo de música porque ele nos permite acessar culturas diferentes”, conta Adrian Younge, músico e produtor musical que já trabalhou com nomes como Kendrick Lamar, Snoop Dogg e Wu Tang Clan.

O nome Jazz Is Dead (“Jazz está morto”) desperta inevitável curiosidade, intencionalmente provocada por seus criadores. O produtor explica:

“Quando dizemos ‘Jazz Is Dead’, tendemos mais para uma afirmação retórica do que para colocar uma pergunta para o ouvinte responder. Existe essa intenção de provocar o público a se perguntar o motivo de afirmarmos isso. Além disso, deixa as pessoas intrigadas para saber o que está acontecendo,. Quando uma pessoa vê o nosso trabalho, aí realmente entende o ponto, de onde isso está vindo”.

O foco inicial do Jazz Is Dead foi produzir shows para levar aos palcos nomes emblemáticos do jazz que tiveram suas músicas sampleadas por artistas de rap, como Roy Ayers e Lonnie Liston Smith. A produção de álbuns e outros conteúdos em audiovisual, com o objetivo de honrar o legado desses músicos, também se tornou parte das atividades do selo, que já lançou 20 gravações em CD e LP, além de mixtapes em fita K7, posters e outros produtos.

Conexão Brasil/Los Angeles

Desde o início, o Jazz Is Dead tem forte ligação com a música brasileira. Artistas como Marcos Valle, Arthur Verocai e Azymuth tiveram samples de suas obras usados por Jay-Z, Ludacris e Flying Lotus, respectivamente.

Essa conexão inicial fez com que o selo se aproximasse dos brasileiros, que já realizaram várias turnês e discos com o Jazz Is Dead. Adrian conta:

“A música brasileira mudou o ritmo de todo o planeta, a energia é diferente. Eu escuto os músicos brasileiros trabalhando para viver, e não vivendo para trabalhar. Vocês celebram a vida de um jeito que a gente não faz nos Estados Unidos. Tem o carnaval, as pessoas gostam de estar juntas. Uma boa composição ajuda a resolver o que está errado, esse é outro motivo que faz o Brasil ser tão ouvido mundo afora.”

Sobre a conexão entre o Brasil e o Jazz Is Dead, Andrew Lojero comenta: “Houve uma indústria que investiu no desenvolvimento incrível da produção musical brasileira, e isso torna possível que a gente, mesmo depois de muitos garimpos, descubra sons espetaculares que nunca tinha ouvido falar e que nos deixam boquiabertos. Esse tipo de sonoridade cantada em português é fantástica, muitas vezes não entendemos a letra, mas a música soa tão incrível que cantamos mesmo assim, sem saber o que ela está dizendo”.

Os maestros

Marcos Valle foi o primeiro artista brasileiro apresentado pessoalmente ao Jazz Is Dead, em encontro definido por Adrian Younge como “um daqueles grandes momentos da vida, que dá vontade de chorar”. Desde então, artistas como Hermeto Pascoal, Joyce e Tutty Moreno, Dom Salvador e Hyldon se uniram ao selo, seja fazendo shows ou realizando gravações. 

Adrian e Andrew referem-se aos músicos brasileiros e aqueles que trabalham no Jazz is Dead como “maestros”, que, em inglês, também é sinônimo de mestre. Sobre a relação com esses artistas, Younge comenta: “Você cresce achando que é impossível conhecer essas pessoas. Tem muita gente que não entende o valor do que elas fizeram nos anos 1960 e 1970 e que continuam produzindo, são acessíveis. Nós honestamente queremos vê-las brilhando, em mais festivais, gravando mais discos, sendo reconhecidas. Por isso, estamos aqui para lhes dar uma plataforma que possibilite que elas compartilhem, deem mais às pessoas”.

A parceria com o Jazz Is Dead aumentou a projeção internacional dos mestres da música brasileira e trouxe frescor pra suas carreiras. Assim, novas gerações puderam se conectar às suas obras e apresentações. Segundo Andrew Lojero, hoje cerca de 25% do público do selo tem entre 18 e 35 anos. O produtor comenta sobre o aumento de consumidores dessa faixa etária ao longo dos anos: “Eu estou trabalhando com músicos veteranos há duas décadas. Há 15, era muito mais difícil reunir um grande público, além de ser sempre uma audiência mais velha. Agora, com os streamings e redes sociais, os ouvintes estão fazendo playlists que não têm gênero específico. Antes, você via as “tribos”, pessoas que se vestiam de uma forma, ouviam um certo tipo de música. Hoje, não. As pessoas ouvem punk, hip hop, afrobeat, não há muito rótulo. Acredito que isso nos ajudou muito a chegar nos ouvintes mais jovens”. 

Trabalhar com esses maestros tem sido um grande aprendizado para os produtores. Adrian revela:

“Uma coisa que eles nos ensinam é que a música te mantém jovem até o dia da sua morte. João Donato é o exemplo perfeito disso, assim como Mamão. Estamos vendo a obra deles girando de novo porque continuamos os diálogos de ontem nos dias de hoje, de forma que muitos continuam em atividade e os novos artistas entendem o trabalho deles. Nós também nos ligamos nisso e tentamos fazer algo por eles. Tem um lance desses maestros que está no núcleo do que é o Jazz Is Dead: não seguir as tendências do pop, trabalhar com o que gostamos. Eu acredito que esse é o movimento”.

Os bastidores da novela

Além dos músicos veteranos, o Jazz Is Dead também trabalha com artistas contemporâneos. Seja promovendo shows ou gravações, o selo já trabalhou com nomes como Adi Oasis, Butcher Brown, Allysha Joy e os brasileiros Emicida, O Terno e Céu.

Em 2019, Adrian Younge e Ali Shaheed Muhammad se apresentaram no Brasil. Na ocasião, o compositor Antonio Pinto realizou uma festa em sua casa para recebê-los. Entre os convidados estavam Céu e Pupillo, músico, produtor e companheiro da cantora. “Ali, nos tornamos amigos e eles me convidaram para assistir um show deles. Eu amei a performance, e ficamos naquela: ‘Um dia vamos gravar juntos, hein?’, mas era algo pouco concreto, que talvez poderia acontecer”, conta Younge.

Com o passar do tempo, o trio foi gradualmente se aproximando, mas Adrian só reencontraria Céu e Pupilo de novo em 2022, no show que a cantora fez ao lado de Bebel Gilberto, em um evento do Jazz is Dead, em Los Angeles. “Quando eu olhava a plateia e via todo mundo sorrindo para ela, percebi o quanto o público a ama, e eu também. Na segunda vez que a vi, tive a certeza de que poderíamos fazer algo especial. Foi depois desse show que recebi o convite pra produzir seu novo disco”, revela o produtor.

Quando recebeu o chamado da artista, Adrian respondeu que só toparia caso Céu concordasse com uma regra: fazer o disco com o equipamento completamente analógico, sem o uso de computadores ou instrumentos eletrônicos. A cantora resolveu pensar, mas logo topou as regras.

A condição implicava diretamente na estética do disco, trazendo a ele um frescor característico da identidade sonora de Younge: “Eu queria produzir algo em que nós fizéssemos música sem medo de errar. Sem bateria eletrônicas e máquinas de ritmo, sem temer as imperfeições. Faríamos vários takes, repetiríamos gravações até chegar onde queríamos. Era o que eu gostaria de fazer com ela, porque a Céu é uma artista especial pra mim”, conta Adrian.

Em julho de 2023 Céu, Pupillo e o músico Lucas Martins viajaram para Los Angeles para dar início à produção de Novela (2024) no Linear Labs, estúdio de Adrian Younge caracterizado por ser totalmente analógico, com gravadores de fita e uma grande diversidade de instrumentos vintage, incluindo teclados, baixos e guitarras. Em um período de uma semana de gravação, o quarteto registrou as bases das canções.

Depois das primeiras sessões, Céu, Pupillo e Lucas só voltaram ao Linear Labs Studio em novembro. Enquanto isso, Adrian seguiu cuidando de detalhes do álbum: “Eles já trouxeram as composições bem prontas, e eu queria dar uma cara mais dark e hip hop a elas, pra que os arranjos de algumas músicas evocassem aquela sonoridade dos samples analógicos do hip hop. Quando eles voltaram para o Brasil, eu gravei vários instrumentos, então tem faixas em que estou no baixo, outras na guitarra, teclados”.

O quarteto se formou novamente pra mais uma temporada no final de 2023, dessa vez de dez dias, com objetivo de gravar vozes, mixar e finalizar o álbum. Nessa etapa, aconteceu o momento que, para Adrian, foi o mais emocionante da produção: “Para mim, foi muito especial ver as caras da Céu e do Pupillo emocionados enquanto gravávamos a orquestra. Não foi um pedido deles para o álbum, foi um presente nosso, porque nós amamos muito eles e acreditamos muito no projeto”.

Novela foi coproduzido por Céu, Pupillo e Adrian, e o americano recorda da troca que teve com a brasileira: “Céu estava insegura de cantar em inglês em ‘Into My Novela’, mas eu a incentivei bastante, acho essa música incrível. Ela queria um dueto, e eu sugeri o cantor Loren Orden, que ela conhecia dos meus discos. Além do feat, ele também foi fundamental para os arranjos de voz do álbum, trazendo uma sonoridade do soul norte-americano dos anos 1970. Ficou muito cool, foi espetacular vê-los juntos”.

Novela saiu pelo selo Urban Jungle Records, em parceria com a ONErpm, e está sendo aclamado por público e crítica. Feliz com o resultado, Adrian comenta: “Foi um trabalho feito com muita sinceridade entre a gente. Quando eu, Céu ou Pupilo não gostávamos de algo, deixávamos claro um para o outro, tudo dito de forma muito amorosa. O que você ouve no disco não são as minhas ideias, são de todos nós. Foi como fazer um trabalho para uma amiga”.

Dead?

Novela não será a única parceria entre Céu e Younge. Entre os planos futuros do produtor, estão o lançamento do seu álbum Something About April III, que está recebendo a contribuição da artista e será cantado totalmente em português. Segundo o músico, o disco terá “uma sonoridade soul psicodélica dark”. Além disso, Adrian prepara sua volta às apresentações ao vivo, uma vez que não faz shows desde antes da pandemia.

O disco será lançado pelo selo Linear Labs, voltado mais para trabalhos pessoais de Adrian. Enquanto isso, o Jazz Is Dead prepara uma turnê com diversos artistas pelas Américas do Norte e Sul para o segundo semestre de 2024, que contará com uma nova edição do Jazz Is Dead Summit.

Com primeira edição feita em 2023, em São Paulo, o evento — que reuniu artistas como BaianaSystem, Emicida e Céu — foi uma realização única nas palavras de Andrew Lojero: “Nossa intenção com o Jazz Is Dead Summit era levar música para o público, e ver o que eles sentiam com o som que nós estávamos fazendo, além de ter a presença de Dom Salvador, Marcos Valle e outras pessoas com quem trabalhamos. Ele não foi planejado para ter a dimensão que adquiriu, então nós pensamos que deveríamos aproveitar essa reunião para compartilhar o pensamento desses artistas, e vimos essa que parecia ser uma ocasião especial escalar a um momento épico”.

Além dos shows, Adrian e Andrew revelam que os dois selos preparam uma série de lançamentos de ao menos 17 álbuns. O catálogo inclui, nas palavras de Younge: “O melhor álbum de Carlos Dafé, que soa como se tivesse sido produzido por Arthur Verocai e Quincy Jones; um disco de Hyldon com sonoridade que parece com o seu trabalho de estreia; e LPs de Dom Salvador, Antônio Carlos e Jocafi, Tutty Moreno e Joyce”. Com tantas novidades, parece fazer sentido devolver a afirmação retórica em forma de pergunta: “Is jazz really dead?”.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 151 da revista NOIZE, lançada com o vinil  Novela, da Céu, em 2024.

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26/11/2024

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