Africanize | O espírito de Fela em Seun Kuti

01/10/2014

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Por: Revista NOIZE

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01/10/2014

O filho do afrobeat está entre nós. A turnê latino-americana de Seun Kuti com o Egypt ’80 hoje passa por Porto Alegre, no Bar Opinião, em um show que vai desafiar cada músculo do corpo dos presentes. Seun é filho de Fela Kuti e a semelhança com o pai não é só física e sonora. Ao responder abertamente nossas perguntas sobre Fela, o saxofonista e cantor demonstra ter a mesma consciência de seu pai sobre as mudanças que o mundo, em especial a África, precisam. E esbanja o mesmo carisma.

Seun acompanhou Fela tocando em clubes desde os oito anos. Cresceu com a mãe e, assim como o irmão Femi, é um dos frutos musicais de Fela. Mas diferente de Femi, que seguiu com o afrobeat mas se afastou por um tempo do pai, Seun cresceu com o Egypt ’80 e era o filho mais querido de Fela. Quando o pai morreu em 1997, Seun assumiu a liderança dos vocais da banda com apenas 14 anos de idade.

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Hoje, ele traz o espírito de Fela Kuti a Porto Alegre. Os ingressos para o show vão de R$ 55 (1º lote) a R$ 75 (3º lote) e podem ser adquiridos nas Lojas Multisom, clicando aqui ou na bilheteria do local. A turnê com o Egypt ’80 vai continuar pelo Brasil, passando por Rio de Janeiro e Belo Horizonte. E a passagem pelo nosso país será registrada. Seun Kuti também está gravando o clipe de “Black Woman”, música recente dele com a banda.

Na nossa entrevista, você conhece o homem Fela Kuti pelas palavras de Seun e, consequentemente, acaba conhecendo o filho também. Veja logo abaixo de “Black Woman”, faixa do disco A Long Way To the Beginning lançado no início desse ano.

Seu pai misturou funk, jazz, música nigeriana, rock e outros sons, deixando o legado do afrobeat. Onde você acredita que está a verdadeira marca de Fela no estilo?

Eu acho que a verdadeira marca de Fela no afrobeat é a ideia de uma música que representa as pessoas. É uma das coisas únicas do afrobeat. Eu falo pras pessoas que você pode ouvir James Brown e dizer que é afrobeat. Você pode ouvir o funk de George Clinton e dizer “wow, parece com a música de Fela!”. O que torna a música de Fela única é que você tem a ideia dessa música que representa as pessoas, mas para essa música representar as pessoas ela precisa se movimentar como elas, ela precisa soar como as pessoas.

Você começou a tocar muito cedo com seu pai. Como era se apresentar ao lado dele?

Eu tinha oito quando comecei, então era só diversão! Era interessante ficar acordado até tarde nos clubes enquanto todos meus amigos iam dormir. Eu sempre ia falar com Fela para não me sentir pressionado durante as apresentações e ele dizia “suba no palco e faça o que você gosta que Fela cuida do resto”.

Em 1977, houve um trágico ataque de soldados nigerianos contra a República de Kalakuta criada por Fela Kuti. Em que momento o seu pai conversou com você sobre isso?

O ataque à Kalakuta nunca foi esquecido pelas pessoas que moravam lá. Toda a minha vida eu ouvi sobre esse dia. E meu pai costumava lembrar do aniversário do que aconteceu lá, todo 18 de fevereiro. Minha vó foi morta naquele dia, então foi um dia marcante não só para a República como para toda nossa família.

Seu pai costumava dizer que os artistas devem ser os futuros líderes da humanidade. O que você acha sobre isso?

Eu também acredito. Porque com a arte você tem o poder de influenciar as pessoas. A arte é a única coisa que lhe dá esse presente. Quero dizer, ninguém gosta de médico, não né? Toda vez que você precisa ir ao médico é tipo “ah, droga!”. Mas toda vez que vai ver um artista você realmente quer isso. É a única profissão no mundo que lhe causa esse impacto na vida das pessoas. Por isso que é muito errado os artistas hoje em dia usarem a sua música para vender coisas e fazer as pessoas se sentirem menores. Porque as pessoas te amam pela sua música, e você pegar ela e dizer que é melhor do que os outros é a perversão desse acordo. Então sim, músicos e artistas são naturalmente líderes da humanidade. Hoje em dia, temos maus líderes na música, assim como na política. Mas isso não é culpa da música. Isso é por causa dos maus líderes na política que usam seu poder para influenciar quem será o próximo líder na música.

Fela Kuti com parte de suas mulheres na República de Kalakuta

Fela Kuti com uma parte de suas 27 mulheres na República de Kalakuta

Fela tentou se candidatar para a presidência da Nigéria, mas sua candidatura foi recusada. Você acredita que ele poderia ter vencido as eleições? Se tivesse ganhado, o que teria feito pelo país?

Eu não gosto da palavra “se”. “Se” a gente usa quando uma coisa é impossível. É como eu digo: se minha mãe fosse um homem, ela seria meu pai. Mas ela é uma mulher [ri]. Fela tinha boas chances de vencer e boas chances de mudar o país.

Que significado tinha a maconha para Fela?

Ela não só tinha um significado para Fela como também tem para toda a humanidade. Você não me fez essa pergunta porque quer uma resposta ignorante. Essa resposta é importante. Você sabe, o mundo escolheu seus líderes, o meio ambiente está sendo destruído e nós precisamos consertá-lo. Esses líderes enviam todos os anos para as Nações Unidas petições ambientais. Essas petições tem 50 mil páginas de relatório [ri]. Para mim, essas 50 mil páginas de relatório matam, talvez, 500 ou mil árvores. E eles precisam copiar esses relatórios para mandar outros lugares. Então, eles fazem 500 cópias desses relatórios e matam mais, vamos dizer, 20 mil árvores. Só o New York Times e o Washington Post destroem, em um ano, 15 milhões de árvores. Eles precisam matar algumas árvores para reportar esses relatórios. Com a maconha a gente pode produzir livros e papel. Não estou falando de roupas [que também podem ser produzidas com a folha do cânhamo], estou falando de papel. Muitos países no mundo estão sendo destruídos pelo papel. E a maconha pode ser uma alternativa pra essa destruição. O capitalismo ainda não descobriu todos os benefícios da maconha. Se eles [líderes] decidissem se beneficiar da maconha, a África seria rica [ri]. Os negros seriam ricos. Porque a maconha de melhor qualidade é a da África. O mundo precisa avançar nesse estigma e parar com esse terrorismo econômico. É esse terrorismo econômico que causa a guerra contra às drogas.

Por outro lado, o álcool é uma droga muito perigosa. Mas álcool pode. Como o comediante Chris Rock diria: “It’s all right if is all white [está tudo bem se for tudo branco]”, entende? Acredito que isso é uma coisa perigosa não só para a humanidade como para o planeta. Porque as pessoas precisam procurar todos os tipos de alternativa para produzir as coisas hoje em dia. Maconha não é apenas para consumo, o potencial econômico da maconha está ainda para ser descoberto pelo mundo e vai salvar muitas pessoas da pobreza. Muitos jovens que hoje vendem drogas nas esquinas podem se tornar homens de negócio e pagar impostos! Muitas pessoas usam drogas. Traficantes são ricos, políticos são ricos. Não é apenas o tabu de fumar a maconha. Nós temos que buscar o valor econômico e humano da maconha.

Você conhece um Fela Kuti que nós nunca iremos conhecer. O que só Seun Kuti poderia dizer de Fela?

Fela era um homem de muitos segredos. Não acredito que tenha uma coisa que só eu saiba. Deixe eu pensar… … … Não tem nada!

Qual você acredita que foi o maior legado de Fela além da música?

A mensagem dele para a humanidade. Kalakuta estava aberta para todos que quisessem morar ali. O maior legado dele foi essa mensagem de igualidade e a ideia de que cada um tem responsabilidade sobre o outro.

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01/10/2014

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