Fotos: Ariel Fagundes
Vou me apropriar de uma analogia usada por Keziah Jones em seu último álbum, Captain Rugged (2013), e deixar o mar servir de contexto pra essa recriação da sua apresentação no dia 18, aqui em Porto Alegre. Porque foi um pouco assim que me senti durante o show e é assim que me sinto agora: dentro de uma onda, sob o mar (numa crise de abstrações sinestésicas).
Logo no início, entramos em contato com o virtuosismo do guitarrista em sua plenitude. E que encontro! O homem domina a guitarra e a transforma num misto de percussão e notas dedilhadas, nos presenteando com uma sonoridade híbrida irresistível. O instrumento é alçado aos holofotes e disputa presença com os músicos numa sinergia cadenciada, mas poderosa. Através das faixas clássicas da carreira de Keziah, ele sedimenta muito bem o que quis dizer quando declarou que “o blufunk é um fato”. A mistura do blues e do funk está presente em todas as composições, está presente até na atitude despojada, dançante e sensual do músico, que requebra como se as notas embalassem seus quadris.
Depois de músicas como “Million Miles From Home”, “Kpafuca” e “Beautiful Emilie”, começo a me sentir perturbada e ansiosa: cadê o último álbum, cadê Captain Rugged? A decepção é acelerada por uma longa viagem instrumental que precede o lampejo de esperança: Jones veste a capa característica do alterego poderoso. “Pronto, tá aí”, penso comigo mesma. “É isso. Ele só estava guardando pro final”, foi o que me ocorreu. Mas não, já vou adiantar. Jones sufocou minha expectativa ao finalizar com “Afronewave” (primeira faixa desse CD que embrulhou meu cérebro desde a primeira vez que ouvi).
Mas então o solilóquio mental continua. “O cara tá no palco exacerbando talento aí na sua frente, é melhor que você aproveite e curta a vibe e todo resto. Só aproveita o momento”. Mas não deu. Amei enquanto durou, mas no fim a onda acabou por morrer antes de chegar à praia. E agora, no segundo dia depois do show, eu venho de encontro com a gostosa realização de que não, o que sobrou não é ruim, não foi a frustração, mas uma singela sede de mar, de quero o resto, de quero (bem) mais. Em síntese: quero ter o prazer de escutar Captain Rugged ao vivo, em toda a sua glória ficcional de super-heróis.
*Pensei em dar o título “o autoproclamado super-herói nigeriano não me salvou” à resenha.
Se estivéssemos a fim de considerar só minhas percepções acaloradas (e decepcionadas), a declaração até que faz sentido. No entanto, numa análise menos emocional, a conclusão a que chego me faz sentir o inverso: fui salva sim. E no maior estilo Clark salva Lois. Bem no meio de um suspiro.