_por Ismael Caneppele
Se o dia nasce com sol, a probabilidade de tudo fazer sentido é ainda maior. O certo é que hoje, no final do dia, terei que cruzar a cidade. Parte dela. Terei que estar em um lugar chamado Santana. Um lugar onde nunca estive. Já calculei as rotas do metrô. Estou preparado para o pior. Adentrar a cidade implica sempre estar preparado para o pior.
Os dias agora são feitos de uma mistura complexa entre o nunca mais e o tudo que ainda tem para vir. Há toda uma vida esperando para ser desfeita. As acelerações adquirem potência. Tumores aquecem espera. Você não virá.
A realidade está grávida de encontro. As gripes abandonam o meu corpo. Tudo passa por mim e é rápido demais. Basta que risadas, cachaças e descanso. Depois fumaça. E as noites insones daquele que ainda lê demais. Antes de dormir, invento a solidão. Paul Auster. Hannah Arendt. Uma cama que não é minha. Um alguém que não existo aqui.
Os duendes voltam a habitar o quarto. Basta que solidão.
Tampouco comprarei passagens. Ir ficando. Até desaparecer. O calendário prevê diagnóstico. Desde quando passamos a datar no calendário o nosso próprio fim? Quem conta o homem não quem ele é, mas o que ele é? Quem definirá do que é feito o homem? Só quem o vê de fora.
Os livros que agora leio foram todos marcados por você. Vasculho suas fotografias. Analiso cada histórico. Acumulo milhas sobre um corpo que não é meu. Que não será.
Tudo, agora, é da ordem temporária do não pertencer.