_por Ismael Caneppele
Bastava que alguma rotina se instaurasse sobre os seus dias, para que se visse impelida a transformá-los. Agora chovia sobre a cidade. Fechava as janelas. O mundo, agora, era uma profusão de serás. Tudo era o que será.
Depois um de nós voltaria às cordas, mas as possibilidades de paixão e encantamento já escondiam seus diagnósticos. As pessoas quando adquirem nome, pouco a pouco perdem a graça. Não é uma coisa que nasça de repente. O encantamento advém de pequenas fendas que configuram rachaduras. Ou fraqueza. Há força nela. A fraqueza. Eu também. Repito gestos nos quais não acredito mais. Mentalmente o mesmo se dá. Transformo-me, expondo o que não tenho para mostrar. Repito cenas, até encontrar-me o diferente dentro de mim. Depois atualizo com você, fora daqui, em uma vida que ninguém saberá. Nem mesmo nós. Pessoas são endereços. A parte boa é que nunca dormi tão bem.
Você engoliu antes de mim. Encontramo-nos. Melody’s Echo Chamber.
São Paulo adquire sons. A noite na menor casa de shows da cidade só fará sentido se você estiver na última fila. E se no palco alguma coisa ecoar dentro de nós. É complicado capturar sua atenção. Quando a língua estrangeira não for a minha, dominarei o vocabulário. Depois retornaremos to our own private esperanto. Tonight, it’s all about blue bell. It’s all about us. When there’s empty moon, it doesn’t matter who’s taking to. It doesn’t matter wich drugs u’v taken to. O aparelho adquire sonoridades. Perdi o medo de perde-lo. Domino-o. Se perder o medo for mesmo dominar, então agora ele mora em mim. Melody’s Echo Chamber. Quando você me apresenta uma canção, é sempre preciso estar atento a ela. Melody’s Echo Chamber. Ecoamo-nos. Aceitamos o cheiro um do outro.
É certo que os planos terão que ser refeitos. Ou aniquilados, de uma vez por todas. As cidades não esperam por mim. Tampouco as canções. É para ninguém que escrevo. Habitarei escritórios, afim de me perder.
Em alguma parte do mundo, uma Tuane brota debaixo da bergamoteira no primeiro sol depois da chuva. Nesse verão, é certo que fará cogumelos. Tudo sempre será um pouco de tarde. Haverá sempre uma nuvem disposta a trovejar. Uma folha amarela cairá, mas talvez não pouse sobre a sua cabeça. As minorias talvez sejam mesmo genéticas.
Se somos cada vez mais quase ninguém, é porque aspiramos a redução da própria diferença, no outro. Afogamo-nos em uma única pessoa. Não serei eu quem doentizará o Narciso alheio. Afogar-se em si. Que mal haverá nisso?