Besouro Mulher faz faixa a faixa do disco “Volto Amanhã” 

20/07/2023

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Igor Miranda/ Divulgação

20/07/2023

Criado durante imersões em 2020, o disco Volto Amanhã, estreia da Besouro Mulher une referências atuais como Ana Frango Elétrico, Noname, Billie Eilish, Mac Demarco e Homeshake ao Led Zeppelin, Moacir Santos e Elza Soares. O grupo, formado por Arthur Merlino (baixo), Bento Pestana (guitarra), Sophia Chablau (voz) e Vitor Park (bateria), se alterna como compositores nas 10 faixas, que misturam indie rock e MPB com camadas eletrônicas experimentais. 

“Foram vários dias escutando as ideias dos outros, criando afinidades nas nossas relações como músicos e amigos, reconhecendo as diferenças sonoras para também se encontrar nelas”, conta o guitarrista. Para ajudar na criação do registro, a banda contou com a colaboração de Diego Vargas, Guilherme Cunha, Felipe Martins e Pedro Marques, do selo Rockambole, de São Paulo, na produção musical e na criação da capa do álbum. 

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O nome do trabalho foi concebido por Sophia a partir de um sonho, mas que de certa forma, consegue amarrar as ideias do registro. “O nome tem a ver com o nosso processo, porque ele traz o ‘voltar’, que parece um registro do passado, mas no futuro. Ele consegue sintetizar o processo do disco criado durante a pandemia, o desejo de voltar a ser nós mesmos ou partir de onde deixamos. Acho simples e poético, algo que a nossa banda também tem vontade de ser”, explica a compositora. 

No faixa a faixa, os integrantes se dividem para compartilhar as histórias escondidas em Volto Amanhã

“Carótida” (Sophia): Música que eu compus aos 17 anos, estava escutando muito indie nessa época, queria escrever sobre viver, morrer e mudar. Essa veia “carótida” é uma das veias mais importantes de todas – e acho que ela é uma metáfora boa porque conecta o coração ao cérebro. A música fala sobre a ligação entre a percepção e a ideia. Acho uma boa música para começar o disco porque ela dá uma direção dos assuntos abordados. Além de ter uma linda frase de guitarra do Bento.

“Torresmo” (Sophia): ‘Torresmo’ é uma grande composição de Juliana Perdigão com a poesia de Arnaldo Antunes. A letra é linda, a interpretação que eu tenho é que essa música abre margem para a imaginação, o pensamento, aquilo que não cabe no nosso tempo escasso, enfim, uma música sobre a criatividade. Eu acho as linhas dos instrumentos bem criativas, apesar de continuarem numa lógica indie, de rockzinho. Principalmente a linha do Arthur no baixo e a linha do Bento na guitarra, ambas são belas jóias.

“Alguma Coisa” (Sophia): Ela é uma música que eu fiz enquanto estava num date. Foi cômico porque enquanto eu estava em situação de date, fazendo um macarrão com molho vermelho, pensava que queria compor a música. Eu tinha lá os meus 18 ou 19 anos, não lembro, e queria muito dizer alguma coisa pra menina ficar comigo mais umas horas. Mas estava meio sem criatividade, morrendo de fome, aquela ansiedade. No dia seguinte, eu lembrava bastante da sensação e escrevi numa tacada só. Na questão da faixa, para mim, uma das coisas que mais somou na faixa foi a percussão do Jorge Bento Costa.

“Pão Francês” (Sophia): Essa música é a mais antiga do disco, fiz com 16 ou 17 anos. Numa relação, muitas vezes há um ruído de comunicação tão imenso que duas pessoas parecem falar línguas diferentes, a única possível união é esse “pão francês”, esse cotidiano entre as duas pessoas. Foi uma música em que o Park foi o responsável pelo arranjo. A gente estava ouvindo bastante Noname na época… O Park também fez o beat que entra no final. Eu tenho até um pouco de receio da letra, é bem antiga, mas eu gostei tanto do lugar onde ela chegou que fiquei com menos pudor de lançar.

“Curto/Tempo” (Sophia): É uma letra do Park, ele chegou alguns anos atrás com uma música toda cabulosa em 7/4. Eu sempre gostei da simplicidade da letra e de como ela passa essas duas impressões: de tempo curto e de curtir um tempo, afinal, quem trabalha sabe que o tempo para estar com alguém que a gente gosta é realmente CURTO. Eu e o Bento a gente ficamos tocando a música, criando harmonias, repensando na letra até que a gente chegou nessa musiquinha gostosa pra ouvir no curto tempo que temos com quem gostamos. Novamente, o Jorge Bento Costa somou nas percussões e o Park pensou num beat eletrônico para estar junto.

“Vamos Indo” (Sophia): Fiz essa durante um dos nossos intensivões. É uma música que fala dessa frase tão brasileira e tão recorrente na nossa vida: “vamos indo”. Ela não faz o menor sentido, assim como a gíria “sipa” – sou fissurada em ambos os casos. Comecei a improvisar no violão e cheguei nessa música, que também revela muito sobre a nossa situação pandêmica de “ninguém está bem”. No máximo, quem está feliz é quem ainda pode dizer “vamos indo”. Um convite a continuar.

“Música 7” (Bento): Em 2016, tive contato com o disco Maestro (1972), do Moacir Santos, me amarrei e escutei muito com um grande amigo meu, o Diogo Queiroz. Especialmente a música “Nana”.  Aquela capa com a foto do Congresso Nacional e o céu de Brasília até fez a gente compor uma música chamada “The Land of the Brazilian Sun”, que fizemos junto com uma banda que tínhamos com outros amigos muito queridos, no auge dos nossos 16 anos e da nossa amizade. No ano seguinte, descobri que “Nana” tinha uma outra versão, no disco Ouro Negro (2001). Fiquei maravilhado com o arranjo por causa dos sopros, que se relacionam e produzem melodias e climas. Depois descobri que havia o filme de um show homenageando o Moacir, que intercalava conversas e músicas. Em uma dessas conversas, o Moacir conta como que compôs “Nanã”: imaginou uma procissão pela liberdade e presença do povo preto na rua. No entanto, a procissão que imaginei foi uma procissão em um cenário apocalíptico e que, de certa forma, era um chamado do próprio diabo ao eu-lírico. A So completou a letra de um jeito lindo, mantendo o clima tenso da música, mas com delicadeza. A partir disso, montamos o nosso arranjo, que foi para um lado mais eletrônico, mais tenso e muito inspirado em A Mulher do Fim do Mundo (2015), da Elza Soares. O Jorge Bento Costa tocou conga, o João Barisbe somou no saxofone, a Manuela Julian e a Ananda Maranhão estão no coro. O Arthur fez um tema bonito no contrabaixo, que colocamos no final da canção e que remete um pouco (pelo menos no meu imaginário) ao Moacir e que prepara o ouvinte para o restante do álbum, um pouco mais triste. 

“Pele” (Bento): Essa música foi escrita a muitas mãos. Fiz um poema durante a pandemia sobre um término que passou a reverberar durante o isolamento, talvez fosse a solidão ou a ausência de novas histórias. Mandei para a So, que extraiu uma canção de um monte de ideias mal formuladas. Ela me mandou um áudio tocando violão, eu acabei pensando a música de outro jeito e mandei pra ela de novo. Quando a Sophia disse que tinha gostado, botei fé que dava pra tentar arranjar junto com a banda. Foi uma música que, durante a imersão, demoramos pra mexer, mas conversávamos muito sobre ela. Com o Park acho que tive um dos debates mais importantes: matar aquela “valsa jazz”, que estava rolando e tentar evitar um swing que remetesse muito a uma música em 3/4. Logo em seguida, eu tive uma aula de guitarra com meu querido amigo João Pedro Borgneth, um guitarrista excelente e um professor espetacular e que me ajudou em algumas coisas musicais e pessoais. Nessa aula, o JP conversou um pouco comigo sobre o disco Bright Size Life (1976), do Pat Metheny: o guitarrista buscou a sonoridade da harmonia pelas pequenas relações intervalares das notas de cada acorde, como se fosse uma infra-harmonia ou algo assim (risos). Esse papo me fez repensar a estrutura da música e tentar secá-la, criar uma ambiência a partir de algumas notas de cada acorde, o raciocínio me levou a construir a linha de guitarra que compartilhei com o Arthur e So. Os dois curtiram e a partir daí construímos a linha de baixo e a estrutura básica da música. Quando mostramos pro Park, ele fez a bateria e daí surgiu essa musiquinha. Ela contou com João Barisbe a participação no sax e arranjo de sopros, Yasmim Rainho no trompete, Manuela Julian e Ananda Maranhão nos coros. 

“Dia útil” (Arthur): Uma composição da Sophia com uma letra e melodia muito bonitas. Ela fala de um amor que é correspondido apenas de dia útil e toda sensação de frustração que isso traz. A melodia traz essa melancolia com muita força, sendo que fizemos os arranjos pensando no destaque para a voz. O solo de contrabaixo com arco não foi planejado, mas acabou rolando no estúdio, acho que combinou porque o som mais escuro do instrumento destaca essa tristeza. 

“Seus Vazios” (Sophia): Composta durante o intensivo da banda, ela é marcada por três situações importantes da minha vida. A primeira: o meu amigo de infância faleceu de um ataque do coração, sem mais explicações ou motivos, então essa situação me deixou muito abalada. Inclusive, a missa de sétimo dia aconteceu durante o intensivo. Foi muito chocante, eu estava totalmente atônita, foi um luto terrível e que me desencadeou um enorme medo de morrer a qualquer segundo. A segunda, é que nesse meio tempo, eu fui encontrada pelo “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa. Eu li o livro em seis dias, eu começava e não conseguia parar, aquilo tomou um sentido muito grande e me tirou de um momento horrível. Nunca pensei que um livro poderia me ajudar a me deparar com a beleza da vida. E a terceira situação é que eu estava começando a me apaixonar pela minha namorada. E quando eu digo “me sinto pronto pra morrer”, não é literal, tipo “vou me matar”. É mais no sentido de que eu não preciso mais temer a morte, todo mundo vai morrer e eu estou pronta pra viver sabendo que um dia a morte vai chegar. Quando mostrei a música para os meninos, eles ficaram muito emocionados, porque ela foi o começo de uma melhora pessoal da minha vida. Eu gosto da letra, ela fala que a gente tem que encarar quem nós somos, os mistérios, os caminhos, as paixões, os quereres, a vida como um todo, por mais que em em muitos casos, o caminho possa ser solitário. 

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20/07/2023

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