Lá no fim de 2013, comecei a bisbilhotar algumas listas de melhores discos do ano quando dei de cara com o terceiro álbum da Julia Holter, Loud City Song, como o nº1 do SputnikMusic. O site há tempos era (e ainda é) uma das minhas principais referências de música gringa, principalmente de sons que vêm dos Estados Unidos. Naquele mesmo 2013, os caras já tinham me apresentado coisas maravilhosas como San Fermin, Laura Stevenson e Typhoon. Por isso, me senti na obrigação de dar uma chance para a cantora, e encontrei muito mais do que quaisquer palavras dos críticos poderiam dizer.
Julia me ganhou logo na segunda faixa de Loud City Song, o verdadeiro abraço em forma de música que é “Maxim’s I”. Mais do que um som incrível e pegajoso, a faixa é uma baita síntese do que é a sonoridade do disco. O instrumental é todo baseado em arranjos orquestrais, sempre criando um clima etéreo, atmosférico, algo como estar andando no meio de uma neblina. Mas não uma neblina de Silent Hill, e sim algo muito menos assustador, mais confuso e até certo ponto convidativo. Algo como estar em um sonho.
Depois, conhecendo melhor a discografia de Julia, descobri que ouvir “Maxim’s I’ também era estar em contato com uma síntese de todo o som da cantora. No meio das obras dela, Loud City Song é o álbum do silêncio e da dinâmica, praticamente um disco de orquestra acompanhado das histórias contadas pela artista. Não por acaso, foi o primeiro álbum que Julia gravou em estúdio e acompanhada de muitos músicos, e não em seu próprio quarto, como tinha feito com os anteriores Tragedy (2011) e Ekstasis (2012). Porém, mesmo em casa, com só um notebook, bons timbres e alguns amigos, ela já conseguia construir atmosferas muito parecidas com as produzidas em estúdio.
Também não é por acaso que a artista foque tanto em misturar elementos diferentes nos arranjos, desde instrumentos de sopro e corda até beats programados. Julia é natural de Los Angeles e se formou em composição pelo California Institute of the Arts, chegando a participar de pequenas turnês como integrante da orquestra da faculdade.
Seu segundo disco, Ekstasis, aliás, marcou a primeira vez em que a artista experimentou o “hype” da mídia alternativa, com o Best New Music da Pitchfork e comparações (justas) a nomes como Joanna Newsom e Björk.
Hoje, Julia está prestes a lançar a sequência de Loud City Song, Have You In My Wilderness, álbum previsto para o fim de setembro. O disco, que já ouvi com exclusividade, mostra a artista mudando levemente sua direção sonora. A tensão de faixas como “Maxim’s I” e “Horns Surrounding Me” dá lugar a sons mais alegres e a faixas mais centradas em estruturas de verso-refrão, deixando um pouco de lado as longas intros e as viagens sonoras dos discos anteriores, principalmente de Loud City Song.
Mas algo não mudou, e dificilmente mudará na cantora: suas letras. Aliás, “cantora” é uma alcunha que Julia rejeita, ou pelo menos se diz não interessada. Como comentou numa entrevista recente à Fact Magazine, a artista se considera muito mais uma “storyteller” do que uma cantora. “Eu realmente não me excito ao cantar canções que estão diretamente ligadas a algum evento específico. Estou muito mais interessada em contar histórias”, comenta, para depois complementar, quando o jornalista insiste em perguntar se não seria interessante os fãs saberem do que está passando em certa fase da sua vida: “Não. Talvez as pessoas estejam interessadas na Taylor Swift e em sua vida, mas elas são pessoas diferentes, e eu não sou Taylor Swift”. Quando Julia canta, ela conta uma história, e a artista não cansa de buscar referencias na literatura de todas as épocas para construir suas canções. “Maxim`s I”, por exemplo, tem inspiração direta dos manuscritos “Maxims I” e “Maxims II”, poemas tradicionais ingleses, de autor anônimo.
Primeiro single de “Have You In My Wilderness”, “Feel You” dá uma boa ideia do que será o som do novo álbum, com seu instrumental conversando entre o jazz e a música clássica e uma sonoridade que se mantém delicada, apesar de todo o poder da voz de Julia. A letra segue no estilo da cantora, criando muitas imagens a cada verso, misturando cidades, flores, festivais, luzes e pessoas em um turbilhão visual e sonoro. É música literária sem precisar citar nomes e conceitos o tempo inteiro.
Enquanto o disco novo não chega, dá para ir conhecendo melhor a artista através dos outros álbuns e também das performances ao vivo de Julia, como a que ela fez para a rádio KEXP. Na entrevista, a cantora é extremamente tímida, característica que ela perde totalmente quando começa a soltar a voz. Dá para sacar tudo nos vídeos abaixo.