Casa A Elétrica | As memórias e ruínas da música brasileira em 78 rpm

02/06/2023

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Erick Bonder

Por: Erick Bonder

Fotos: Reprodução

02/06/2023

A história da Casa Elétrica e dos Discos Gaúcho, que já contamos em outro texto, ficou esquecida por meio século, desde que a fábrica fechou, em 1924. De certa maneira, até hoje ela é pouco lembrada. 

O que sabemos sobre a discografia da fábrica e da gravadora vem dos esforços pessoais de indivíduos e de poucas instituições para conservar o passado da música brasileira em 78 rpm. Há também, aguentando décadas de descaso, o casarão no qual operava a fábrica. A história da Casa resiste através de três frentes:

Disco Gaúcho da coleção pessoal do engenheiro de áudio Marcos Abreu



OS ESTUDOS

Foi somente em 1984 que o pesquisador e folclorista gaúcho Paixão Côrtes trouxe à tona o assunto Casa A Elétrica, em seu livro Aspectos da Música e Fonografia Gaúchas. Paixão não apenas conta a história da fábrica, como realiza um levantamento discográfico, catalogando os artistas, selos e gêneros musicais lançados por Savério Leonetti, o dono da fábrica. Em correspondência com José Ramos Tinhorão, este o alerta: “Prezado Paixão, esta história da Casa A Elétrica é muito mais intrincada do que pode parecer”.

No livro, A Elétrica e O Disco Gaúcho, de 2006, o músico e pesquisador Hardy Vedana também se empenhou na catalogação dos discos lançados com o selo Gaúcho, bem como, em parceria com o engenheiro de áudio Marcos Abreu, realizou a digitalização dos áudios e disponibilizou-os em forma de três CDs que acompanham a obra.

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Outros pesquisadores, como Humberto Franceschi (Registros Sonoros por Meios Mecânicos no Brasil), Arthur de Faria (Porto Alegre: uma biografia musical, vol. 1) e Luana Zambiazzi dos Santos (A “Casa A Elétrica” e as primeiras gravações fonográficas do Sul do Brasil: um estudo etnomusicológico sobre a escuta e o fazer musical na modernidade) se dedicaram ao tema, seja revendo os fatos acontecidos e divulgando-os, seja buscando catalogar os discos conhecidos da Casa.

Mas a história segue “intrincada”. “Ainda são poucos trabalhos de pesquisa em cima disso. Falta as pessoas conhecerem essa história”, observa Abreu, que colaborou com parte dos estudos já existentes. Quanto à importância da Casa A Elétrica para a música local, de Faria, músico e pesquisador, comenta: “O mais incrível foi essa coisa de ter gravado centenas de músicas de compositores e artistas basicamente de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul”.

OS ACERVOS

Hoje, alguns acervos conservam os discos de 78rpm prensados em Porto Alegre pelas máquinas da Fábrica de Discos Savério Leonetti. É o caso do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, vinculado ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O MuseCom preserva uma coleção de 126 discos da Casa A Elétrica, que está disponível para consulta presencial no museu mediante agendamento prévio e também para a audição online (escute aqui). 

Abreu, que foi o responsável pela limpeza, restauração e digitalização dos discos (além de um dos idealizadores do projeto), comenta: “Acho muito importante o museu ter feito essa digitalização, porque torna o acervo acessível. Além disso, hoje as pessoas podem ir lá, pegar, escutar o disco, fotografar”.

Disco Gaúcho do acervo do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa


Outras gravações d’A Elétrica estão espalhadas por discotecas particulares Brasil afora. O Acervo Nirez, em Fortaleza (CE), possui uma grande coleção de discos da Casa. Esse acervo está disponível online através do projeto Discografia Brasileira, do Instituto Moreira Salles, junto com outras coleções adquiridas ou resguardadas pela instituição, como dos já citados neste texto Humberto Franceschi e José Ramos Tinhorão, assim como do pernambucano Leon Barg.

O PRÉDIO

Apesar da grande importância para a memória da fonografia brasileira, parte do que resta da Casa A Elétrica arrisca desabar e nunca mais ser recuperada. O prédio no qual funcionava a fábrica de discos, no bairro da Glória, em Porto Alegre, existe até hoje e foi tombado em 1996. Entretanto, o descaso de diversas gestões da prefeitura, e dos proprietários do imóvel, deixou com que o casarão histórico no qual funcionou a fábrica (e que até hoje possui a mesma fachada do início do século XX) se deteriorasse ao extremo. 

Foto de 2015, de Ricardo Eckert, retirada do grupo “Amigos da Casa Elétrica”, no Facebook. Na época, o imóvel já estava extremamente deteriorado.


Arthur de Faria, músico e pesquisador, provocou, em entrevista à NOIZE: “se isso estivesse a cargo da Secretaria Estadual da Cultura, seria muito fácil de resolver, mas infelizmente está com o município”.

A situação do prédio é denunciada há anos por diversos personagens. Foi fundado, inclusive, um grupo chamado Amigos da Casa A Elétrica, liderado por Ricardo Eckert, que procura fazer pressão no poder público para que o projeto de revitalização seja efetuado. Em 2010, o cineasta gaúcho Gustavo Fogaça lançou duas obras cinematográficas sobre a memória da Casa, sendo uma delas um documentário, no qual mostra o estado de deterioração avançado em que o prédio já se encontrava treze anos atrás.

Apesar dos esforços pessoais, os projetos de restauração nunca saíram do papel e essa memória pode sumir para sempre, com a revitalização tornando-se inviável, dado o avançado nível de degradação do imóvel. Para o jornal Zero Hora, em janeiro deste ano, a  prefeitura declarou que a responsabilidade é dos proprietários e que recorreria da decisão judicial de 2022 que obriga o executivo municipal a medidas emergenciais.

Da nossa parte, podemos apenas lamentar e denunciar a situação, esperando que algo seja feito para manter essa memória viva.

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02/06/2023

Erick Bonder

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