#BQVNC | A poesia de Arthur Nogueira ganha mais um disco

28/08/2015

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Por: Paula Moizes

Fotos: Diego Ciarlariello

28/08/2015

Belém foi apenas o início da trajetória de Arthur Nogueira. Com os pés no chão e a mente em constante divagação, ele é um dos compositores da nova geração que estão chamando atenção de grandes nomes da nossa música, como Gal Costa e Cida Moreira. Queria ser ator quando criança, mas acabou virando o poeta cantor de Sem Medo Nem Esperança, seu terceiro disco, lançado neste mês.

O álbum de estreia saiu em 2007, com uma tiragem reduzida, mas ele considera que sua carreira começou a partir de Mundano (2009), seu primeiro registro mais amadurecido. As melodias leves da maioria das faixas escondem um artista introspectivo e vulnerável. “Carbono” já começa a trazer um desconforto na sonoridade de Arthur, que em “Sem Nome” fica ainda mais evidente.

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A voz serena de Arthur Nogueira aparece novamente no EP Mundano+ (2010). O título faz referência ao álbum anterior pois funciona como um desdobramento dele. É em Mundano+ que ele vai se aproximar radicalmente de elementos eletrônicos. Experimentações que vão potencializar suas letras orgânicas.

Cinco anos depois de Mundano+, Arthur Nogueira está ainda mais perto do eletrônico. Em seu novo disco, Sem Medo Nem Esperança, ele estreia novas parcerias e mantém antigas, como com o poeta Antonio Cícero, que desde 2006 não compunha canções. “O Cícero é um poeta que eu leio muito cedo, que mudou a minha cabeça, a minha forma de pensar. É um grande filósofo. Se eu tô com alguma dúvida em relação a algum assunto, eu ligo pro Cícero e converso com ele. Nós fizemos três músicas pra esse disco, uma delas foi sob encomenda da Gal”, comenta Arthur Nogueira em entrevista à NOIZE. Os dois compuseram juntos uma das faixas do último lançamento de Gal Costa, Estratosférica (2015), que foi parar no disco solo do músico também.

Arthur Nogueira é assim, gosta dos poetas antigos, mas também é chegado em uma experimentação eletrônica. Busca o auto-conhecimento, mas a coletividade também faz parte de sua vida. Arthur Nogueira é a chuva que lava e o trovão que desconcerta. Conversamos com o músico sobre o novo disco, a composição pra Gal e a nova fase em São Paulo. Ouça um de seus melhores discos lançados até então, Sem Medo Nem Esperança, e veja a entrevista completa logo abaixo:

Seu novo disco traz elementos eletrônicos que nos álbuns anteriores não tinham aparecido. Como foi a produção dessa parte instrumental com o Arthur Kunz, do duo Strobo?

Eu trabalho com o Arthur, que é o baterista do Strobo, há muito tempo. O Arthur é de Belém como eu e nós começamos meio juntos. As baterias do meu disco de 2009 foram todas gravadas por ele. De lá pra cá, a gente construiu uma relação de parceria, de amizade, que faz com que ele me conheça muito bem e saiba traduzir as minhas ideias. Então eu confio muito nele, porque ao mesmo tempo que eu sei que ele é um músico muito inventivo, ele respeita o que eu penso pra minha música. Quando surgiu a oportunidade pelo Zé Pedro de fazer esse disco pelo selo Joia Moderna, ele disse “acho que você podia gravar com o Strobo”. E foi incrível, porque apesar de toda essa relação que eu tenho com o Arthur, eu nunca tinha pensado nisso. Eu pensava em fazer um disco com o Arthur, mas quando se unem Arthur e Léo Chermont, que é a dupla do Strobo, a coisa muda, ganha outro conceito. Então foi muito legal esse convite que veio em um momento que eu tava pensando no que eu poderia fazer. Aí o Marcus Preto entrou pra direção artística do disco, e nisso o Marcelo Segreto (Filarmônica de Pasárgada) entrou pra formar essa tríade na produção do disco com o Arthur e o Léo. Eu gravei as bases de voz e violão em São Paulo com o Marcelo no estúdio, e depois fui pra Belém e fiquei uma semana lá com o Strobo ouvindo aquelas bases e trabalhando em cima delas com os elementos eletrônicos, e às vezes desconstruindo as harmonias das músicas, tirando acordes e coisas assim, pra deixar o som mais industrial, pesado. Foi um processo que o tempo todo me sacudia. O Léo é um músico muito inventivo e um grande guitarrista. Eu mostrava uma música e ele já a ouvia de outra maneira e ia ignorando todos os meus acordes, indo por outros caminhos, me empurrando pra outro lugar. Em muitos casos no disco, tem essa participação muito forte deles.

Por mais solo que seja Sem Medo Nem Esperança, a concepção do disco foi uma experiência coletiva. Qual é a importância dessas colaborações pra construção da sua música?

Eu gosto muito de compôr em parceria, porque os parceiros, normalmente, nos levam a caminhos pelos quais não poderíamos transitar sozinhos. Então eu gosto muito desse exercício de dividir com o outro. Esse disco inaugura três parcerias, digamos assim. Eu não pensava em ter uma canção em inglês no disco, por exemplo. Quando eu mandei a melodia de “Eye Shark” pra Letícia Novaes (Letuce), ela me respondeu com uma letra em inglês e disse “podia?”. Tem esses caminhos que se abrem graças ao que essas pessoas trazem. Esses parceiros me dão um banho de criatividade, de estímulo e uma série de coisas boas.

Ao lado de Antonio Cícero, você compôs “Sem Medo Nem Esperança” pra Gal Costa. Como rolou esse convite?

Isso foi um convite do Marcus Preto, porque a Gal queria fazer um disco cantando músicas inéditas de compositores que ela nunca havia gravado. Eu tava conversando com o Marcus a respeito de alguma parceria musical, e então surgiu esse convite pra ele fazer esse disco da Gal e como ele admira muito Antonio Cícero, assim como eu, ele sugeriu a gente. O Cícero gosta de compôr botando letra em uma melodia já pronta, então eu fui pra casa com a tarefa de fazer uma melodia pra Gal e isso foi muito desafiador. Por onde começar, né? Fiquei dois dias muito tenso, sem dormir, sem saber, ouvindo os discos antigos da Gal, até que fiz aquela melodia e mandei pro Cícero. Nesse processo, a gente acabou fazendo outra música que foi “Truques”, que entrou no disco Sem Medo Nem Esperança, e fizemos “Sem Medo Nem Esperança”. Aí tem uma história curiosa: o nome da música não era “Sem Medo Nem Esperança”. A gente fez a música com outro título, só que a letra fala disso. “Sem medo nem esperança” é uma máxima latina que o Antonio Cícero sempre repete, ele leva como um lema da vida dele. Porque são sentimentos que tiram a gente do presente. Aí o Cícero falou “por que você não chama seu disco de ‘Sem Medo Nem Esperança’?” E eu achei linda a ideia. Eaí a gente sugeriu pra Gal mudar o nome da música, e ela topou. Na etapa final do disco dela foi que a música ganhou esse nome. Muita gente acha que o título do meu disco é posterior a essa música, mas não. Esse nome surgiu por conta desse processo do meu disco e da coisa toda. A gente achou que colocando esse nome na música a Gal se identificaria. Mas eu fiz questão de manter a música no feminino pra marcar que foi uma canção feita pra Gal, pensada pra Gal, e que me traduz a partir do momento em que eu sou o autor da música.

Gal Costa e Cida Moreira foram algumas artistas que já cantaram composições suas. Como é ouvir uma música sua na voz de outra pessoa?

É muito curioso, sabe. Eu sempre fui uma pessoa que escreveu com base no que eu tava sentindo, no que eu queria dizer pra alguém, enfim, sempre foi um universo muito particular. Quando começaram a surgir convites por parte de artistas que eu admiro muito, eu passei a exercitar esse outro lado de tentar traduzir o que a outra pessoa queria dizer nesse momento ou o que eu gostaria que aquela pessoa dissesse. Eu tenho exercitado isso, tenho tentado fazer músicas mais distantes da minha própria vida. No caso da Gal, especificamente, nós mandamos pra ela a música com violão. Quando eu ouvi a versão dela, que é um rock, eu fiquei feliz com aquilo. Porque eu senti que ela tava sendo autoral ali, porque ela viu a música como um rock. O Marcus Preto me disse que eles queriam que fosse algo como “Mal Secreto”, uma coisa que fosse pra fora. E eu gostei dessa visão, porque ressignificou. Até por isso que eu quis incluir a música no meu disco, pra mostrar exatamente o quanto a Gal se apropriou daquilo e fez do jeito dela. É muito bom ver como a pessoa enxerga a sua própria obra.

Você tem uma relação muito próxima com a poesia. Quando isso começou a influenciar você como músico?

Eu sempre ouvi música, desde cedo na casa do meu pai. Mas eu só quis fazer música e me aventurar nessa atividade de compôr por causa da poesia, por causa dos poetas que fazem música. No Brasil tem essa tradição dos poetas do livro que são letristas. Muito da riqueza da música brasileira acho que se deve a isso, a essa cruzamento da literatura com a canção popular. Quando eu ouvi “Mal Secreto”, do Jards Macalé e Waly Salomão, cantado pela Gal no disco Fatal (1971), aquilo mexeu muito comigo. E foi por causa da poesia. Tinha algo ali que eu não tinha entendido direito porque tinha 13 anos. Então eu comecei a ir atrás dos poetas, comecei a ler muita poesia, comecei a pesquisar esse universo. Até hoje eu quero estar perto dos poetas. Nesse disco, a última música, “Fim do Céu”, é um poema do Adonis, que é um poeta sírio. A obra dele foi traduzida para o português acho que pela primeira vez em 2012. Eu comprei o livro e sempre gostei muito desse livro. Durante o processo do disco, eu acabei musicando o poema “Fim do Céu”, mas eu não pensava em gravar porque eu achava que seria muito difícil conseguir autorização. Até que pela internet eu encontrei o tradutor do poema pro português e ele me colocou em contato com o filho do Adonis e eles autorizaram a música. A arte de uma maneira geral é um olhar sobre o mundo, é um olhar diferente que ressignifica as coisas. Mas eu acho que a poesia, especificamente, ela é como se fosse o centro. Inclusive, existem autores que chegaram a dizer que todas as formas de arte são como se fossem gêneros da poesia, a partir do momento que a poesia é algo que pode ressignificar tudo. Estar perto dos poetas me faz ter uma visão diferente sobre o mundo e sobre mim.

Há dois anos você mora em São Paulo. Como está sendo isso?

Quando eu saí de Belém eu tinha medo de não ter essa proximidade com a natureza e a água, por isso que eu fui pro Rio, porque lá seria mais próximo daquilo com o que eu tava habituado. Eu vim com medo pra São Paulo, vim meio triste, achando que não daria certo, que era uma cidade muito grande, impessoal. Mas foi aqui que eu consegui me estabelecer mesmo. Não tem essa natureza, a proximidade com a água, então você tem que ir buscar a beleza, abrir o olhar, ter um olhar mais seletivo, digamos assim, pra reconhecer a beleza. Eu descobri coisas a respeito de mim mesmo. Essa possibilidade que você tem de ter o mundo mais perto, de poder ver todos os shows, filmes, exposições,… Você pode fazer tudo isso e, ao mesmo tempo, você pode meio que olhar pra si. É uma cidade onde o ritmo é muito acelerado, então nem sempre as pessoas estão livres. Eu, por exemplo, aprendi muito a me virar sozinho. É uma cidade que também faz você olhar pra dentro. Eu sou apaixonado por São Paulo.

Mais Arthur Nogueira:

facebook.com/arthur.nogueira
soundcloud.com/arthurnogueira

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28/08/2015

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