De Olho Nelas | Iara Rennó renova sua sonoridade enquanto saúda os orixás

31/03/2023

Powered by WP Bannerize

Gabriela Amorim

Por: Gabriela Amorim

Fotos: Sillas H/Divulgação

31/03/2023

Estruturando o lançamento do seu nono disco Orí Okàn, Iara Rennó homenageia a deusa do mar com a canção “Iemanjá”, nesta sexta-feira (31). A música é uma composição de Serena Assumpção (1977-2016), com quem Rennó concebeu o proto-projeto Lua Peixe, e está presente no álbum póstumo Ascensão (2016), onde a paulista interpreta a música ao lado de Céu. Sua ligação com Serena Assumpção não começou por esta canção, mas sim por relações familiares ainda na juventude, quando sua mãe, Alzira Espíndola, acompanhava Itamar Assumpção (1949-2003) dentro e fora dos palcos. “Apesar da amizade com minha mãe e da frequência constante em casa, eu ‘descobri’ Itamar musicalmente aos meus 16 anos, quando me entendi num interesse consciente pela música. Aí aqueles sons que faziam parte da minha vida cotidiana, de repente deram um estalo na minha cabeça, e eu percebi que realmente convivia com gênios”, reflete Rennó em entrevista à NOIZE

Fã das canções “Beleléu” e “Sampa Midnight”, de Assumpção, Iara até tentou arranjar umas músicas para Itamar escutar, porém foi quando se juntou com Anelis Assumpção, filha de Itamar, que a dupla foi convidada para compor a nova banda do artista. Desfrutando de uma carreira que tem vida própria, Iara caminha para um novo projeto, que de certa forma, conversa com o seu disco antecessor Oríkì (2022). De nome Orí Okan, o significado em yorubá traz a frase ‘destino do coração’, transportando a perspectiva mais íntima da relação de Rennó com o candomblé – universo cultural e religioso com o qual se relaciona há mais de 20 anos.

*

“Orí Okàn” é o nono disco de Iara Rennó e está previsto para ser divulgado em maio. (Foto: Sillas H/Divulgação)

Apesar do futuro álbum dialogar com o anterior, a cantautora afirma que o novo disco, que tem lançamento previsto para maio, irá abranger uma sonoridade mais intimista, utilizando menos instrumentos: “Não chega a ser uma voz e violão, mas o protagonismo está aí. Em coerência com o contexto e as composições. Eu queria que as músicas soassem um pouco como elas foram compostas, no violão, sendo eu comigo mesma, num ambiente íntimo. Não aguentei e acabei colocando umas coisinhas a mais, ou a menos, mas sem perder o foco”, brinca. 

Seu último disco, muito coeso, lhe rendeu a indicação, ano passado, ao Grammy Latino na categoria “Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa”. A artista concorreu ao lado de grandes nomes, como Alceu Valença, o vencedor da categoria, Luiz Caldas, Mateus Aleluia e outros: “Apesar de não ter ganho o prêmio, estar na indicação ao lado de artistas como Mateus Aleluia e Áurea Martins, que infelizmente também não receberam o prêmio com seus respectivos discos, também cantando para orixá, enegrecendo um pouco mais a categoria. Saber que, por causa da indicação, o disco chegou mais longe e pessoas que nunca tinham ouvido uma música minha, ouviram pela primeira vez, me fez sentir mais reconhecida e realizada. Mais um pequeno-grande passo na história coesa que venho construindo na música brasileira, mais um tijolinho nessa construção. Mas sem deslumbre. O mundo é grande e ainda há muito a se conquistar”.

Questionada por apresentar ao público justamente a única música, presente no álbum, que não é sua composição, como é o caso de “Iemanjá”, a artista relembra sua história com a amiga Serena: “Ela faz parte da minha história, a começar pelo encontro de Alzira e Itamar. Nós vivemos juntas um proto-projeto: Lua Peixe, que acabei de garimpar isso na minha memória. Uma amiga, Malu, nos chamou pra cantar canções de Irene Portela (1945-1999), na época éramos eu, Serena, Anelis, Tana, filha da Irene, e Joana, filha da Malu. Ali foi a primeira vez que ouvimos a voz de Serena, que na época era professora de inglês. Ainda crua, a voz dela chamava atenção pelo timbre e pela extensão. Ela era quem alcançava os graves mais profundos e os agudos mais altos. O projeto não seguiu, e a vida seguiu seu curso. Na época que comecei a compor as músicas de Oríki, 2008, Serena e eu estávamos muito próximas. Ela ouviu a primeira música que eu compus pro disco, ‘Ave Leve’, e chorou quando ouviu. Ela me incentivou a acreditar no projeto que ali nascia. Serena já era feita no santo, foi como uma benção pra mim. Acredito ter sido também nesse momento que nela acendeu a primeira faísca do que viria a ser o disco Ascensão.”

“Desde 2011, quase todos os anos estou na Bahia no 2 de fevereiro, desígnio de Iemanjá. Ela não podia faltar nesse disco, e cantar a ‘Iemanjá’ de Serena era trazer ambas para contar essa história. A escolha dessa música significa também o fechamento de um ciclo, com gratidão, coragem, respeito e admiração. Amor. É curioso que esta é a única composição dela no Ascensão e a única que não é minha em Orí Okàn“, complementa.

Concebendo um disco por ano, desde 2020, Rennó carrega artistas de peso em participações nas faixas de suas obras. Sobre o nono disco, ela não cita nenhum nome e diz apenas que são artistas de maior importância e que alguns, fazem parte do seu caminho no axé.

Tendo menos de um ano para lançar um novo trabalho no mundo, Rennó afirma que a maioria de suas canções, com exceção da música “Logun”, foram compostas em um mundo pré-pandemia e que algumas contam com coprodução de Anelis Assumpção, Tiganá Santana e Maria Beraldo: “As canções de Orí Okàn foram, na maioria, criadas em janeiro de 2020, quando me recolhi no terreiro para minha feitura. Tem uma música inclusive que conta isso, ‘Baragbô’, um afoxé que fiz para a casa. Então o ponto de vista dessas canções é totalmente diferente, e ao mesmo tempo complementar, ao de Oríki. Lá, as músicas são em 3ª pessoa, são narrativas descritivas dos Orixás. Em Orí Okàn, as músicas são em 1ª pessoa, quem fala é a yawô, contando de maneira poética, claro, sua história e relação com o àse, do ponto de vista subjetivo”, completa

Avaliando o ritmo intenso de sua vida profissional, a compositora prolífica, que tem mais de 100 músicas gravadas por grandes nomes da música brasileira, se atenta aos aprendizados que seus trabalhos lhe trouxeram, sendo o mais relevante o processo de aceitar as coisas em seu tempo.

“Acho que aprendi muita coisa, embora me sinta uma recém nascida com muito à aprender, ao mesmo tempo amadureci minha visão sobre a passagem do tempo terrestre, foi muita coisa mesmo. Falando do ponto de vista da produção musical, o processo foi corrido. Lançar discos tão intensos, num espaço menor do que um ano, eu não recomendo. Em Oríkì (2022) eu tive 13 anos pra lapidar, em Orí Okàn eu tive que lidar com desejos versus agendas das pessoas e até mesmo a minha, que às vezes foi incompatível. Mas, ao mesmo tempo, as coisas são como tem que ser. Saber aceitar isso, por exemplo, já é um aprendizado infinito. Então, numa resposta objetiva, acho que aprendi a fazer muito com pouco, mas afinal, o que é muito e o que é pouco sob os olhos dos Orixás, não é mesmo?”, finaliza.


LEIA MAIS ENTREVISTAS

Tags:,

31/03/2023

Gabriela Amorim

Gabriela Amorim