Como manter uma agenda cheia de shows? Essa é uma das perguntas que o Google não consegue ajudar. Ainda que alguns sites prometam solucionar a questão em três dicas – sempre óbvias –, adiantamos que não existe uma fórmula mágica. Especialmente quando olhamos para o cenário independente, onde a autogestão é necessária para se manter circulando.
Quando um artista não conta com a ajuda de um booker na equipe, o profissional também conhecido como agente de shows, ele é o próprio responsável por entrar em contato com os programadores e acertar todos os detalhes da apresentação. Dentro desse cenário, cabe a ele orçar as despesas do show, definir cachê e montar a agenda da turnê.
No início da década passada, quando a designer paulistana Liu Anno começou a tocar na banda Ready Mades, ela não fazia ideia de como esse processo acontecia, mas se encantou com as possibilidades. “Entendi que construir uma boa relação com as casas era um dos pilares para conseguir tocar, assim como se comunicar nas redes sociais e conhecer quem trabalha e quais artistas se apresentam ali”, lembra a artista. Além de tocar diversos instrumentos em bandas como Kid Foguete e Fluhe, ela assumiu o posto de programadora da Casa do Mancha entre 2017 e 2020, mas viu o espaço não resistir aos efeitos da pandemia e fechar as portas em 2021.
Para ela, outras dicas que fazem toda a diferença são ter um release bem escrito, uma gravação de qualidade, fotos em alta definição e um e-mail completo e simpático. Se a banda dedicou tempo e dinheiro para a criação das músicas, ela também precisa demonstrar esse comprometimento na hora de marcar shows. “Entenda a vibe da casa onde você quer bookar. Não adianta procurar um palco autoral se está bookando um artista com repertório de covers. Também não faz sentido insistir em oferecer um show de uma banda que só toca com cachê para quem trabalha com esquema de bilheteria, que era o caso do Mancha. Já houve situações onde o artista chegou dizendo que só tocaria por tal valor e a gente falou: ‘Então não vai tocar’.”
Ao longo dos anos em que passou diversos finais de semana no Mancha, Liu viu na prática como uma cena se sustenta: pela articulação de pessoas. “Fale com quem está no bar, quem tem o blog que cobre shows, os artistas que estão tocando, todo mundo é importante no rolê”, explica. Claro, perder a timidez também ajuda, assim como antecipar as necessidades de cada local. “Ofereça um evento completo com conceito e bandas que combinam para tocar em uma mesma noite”.
Em busca do line-up perfeito
O circuito de festivais não é muito diferente das casas de show, além de que o país vive um boom de eventos deste porte. Com 30 anos de estrada, o Bacalhau, ex-baterista do Planet Hemp e Autoramas, atualemnte do Albaca, decidiu criar o seu próprio evento, o BacaFest, em 2015 no Rio de Janeiro. “Há festivais de todos os gêneros, têm os maiores que abrangem um público geral, mas também os eventos só de heavy metal ou rap, é preciso entender qual combina mais com o som da banda”, aponta. Para ele, ainda que circular por congressos de negócios da música seja interessante para ouvir diferentes experiências, nada supera a produção em si: “O mais importante para marcar shows é ter um trabalho artístico consistente com boas músicas”.
Bacalhau conta que o seu início de carreira com o Planet Hemp foi uma escola em todos os sentidos. “A gente sofreu muita perseguição antes de ser preso. Dias antes disso acontecer, a gente teve shows cancelados em Vitória e Minas Gerais. Também tivemos problemas com pagamentos: a nossa estratégia era pedir adiantamento de 50% do cachê e o restante no dia do show. Se não rolasse, a gente não subiria no palco”, lembra. Os imprevistos, de embates com a polícia até discussões com contratantes, também fazem parte do jogo.
Quando as coisas começam a dar errado é necessário manter a calma e pensar em soluções: “Em uma edição do festival, a filha de um artista nasceu no dia da apresentação e ele cancelou, então corremos para achar uma banda substituta em poucas horas. Lembro também de um show com o Autoramas em que caiu uma chuva enorme e o palco não tinha cobertura. A gente montou os equipamentos em um lugar menor e tocamos para 30 pessoas, essas coisas acontecem”.
Pé na estrada
Em 2015, os mineiros da Lupe de Lupe passaram por doze estados brasileiros com a turnê Sem Sair na Rolling Stone. Nesta edição, fizeram 25 shows, e o Vitor Brauer, guitarrista e vocalista, decidiu publicar uma prestação de contas da viagem no site da banda. Com a experiência adquirida na estrada, produziu um guia de como organizar sua própria turnê, de como marcar os shows, gerir os custos da estrada e se relacionar com os contratantes.
Dois anos depois, repetiram o esquema e fizeram 54 shows. Para o artista, priorizar oportunidades com fãs e amigos ajuda: “O produtor tem que entender que você precisa tirar um mínimo para sair no lucro. Ele precisa te ajudar a fazer isso porque muitas vezes será o seu primeiro show em um lugar e você precisa tocar para um público que ainda não te conhece”. Em relação a precificação dos shows, explica que gastos como combustível, manutenção do veículo (caso viaje de carro) e alimentação entram como metade do pagamento.“Combine com antecedência e tente ser justo com os produtores e as outras bandas. Em alguns lugares, você vai precisar de mais dinheiro, em outros não”.
LEIA MAIS