Érika Martins: garota papo firme

15/12/2014

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Lidy Araujo

Por: Lidy Araujo

Fotos:

15/12/2014

Fotos: Ariel Fagundes

E que papo! Érika adora falar. Chega até a esquecer que, logo mais, sobe ao palco e precisa poupar a inconfundível voz que a tornou conhecida nos anos 90, quando integrava a extinta banda Penélope e participou do hit “A Mais Pedida”, dos Raimundos. Nossa conversa, no entanto, girou em torno dos últimos 10 anos, em que ela vem trilhando sua carreira solo, e como o papo é longo, a introdução termina aqui, pra gente ir logo ao que interessa.

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Pra ler ouvindo o “Modinhas”:

Já faz 10 anos que a Penélope acabou…
Nossa, já tem 10 anos? E a gente não fez nada comemorativo. Até a Simony está fazendo DVD com o Balão Mágico, e a gente não fez. É que a gente está fazendo tanta coisa, lançando disco, show direto. Pra mim, é um gasto de energia muito grande parar pra fazer isso. Se alguém fizer, eu vou. Um show comemorativo seria legal. E a gente tem muita sobra de estúdio da Penélope. Deve ter umas 8 músicas… Ao menos uma caixinha comemorativa, porque os discos estão esgotados. O negócio é parar pra fazer isso.

Pois é, seria legal, heim? Voltando à pergunta… Já faz 10 anos que a Penélope acabou, mas as pessoas continuam apresentando você como Érika Martins, da Penélope. Isso não incomoda?
Vou ser bem sincera. Às vezes, sim, porque a Penélope foi um ciclo, um período. Eu era muito adolescente, muito novinha, então, eu vejo como algo muito distante. Eu estava descobrindo o mundo. É algo muito poeril, muito adolescente. Pra mim, tudo o que veio depois significa muito mais, pois é o que eu realmente sou. Então, caramba, são 10 anos de uma carreira fazendo milhões de outras coisas, né? E não parando. Passou tão rápido que eu não notei. Ai, às vezes, me incomoda um pouco isso, porque as pessoas ainda falam, ainda associam, mas tem uma galera que é um pouco saudosista de tudo. Na verdade, essas pessoas são saudosistas de um período em que elas eram felizes. Eram adolescentes, saíam, iam a show, conheciam as coisas… Aí, agora está em casa deprê, com 10 filhos, num trabalho que não gosta e, na verdade, não tem saudade do som, mas do que era na época. Então, eu acho que essas pessoas perdem o que elas tinham – o que é um desperdício, porque só se vive uma vez e você tem que viver da melhor forma, fazendo o que você realmente gosta, né -, mas se acomodam em situações que elas não gostam e têm saudade de uma época. Em relação à Penelope, eu sinto muito isso. Tem uns fãs que já chegam com aquela cara de deprê, tipo “tô passando o pior momento da minha vida”, e dizem pra mim que amavam a Penélope, que têm saudade. Aí, eu falo: cara, você não tem saudade da Penélope, você tem saudade do que você era naquela época. Isso eu já falei algumas vezes, e o bom é que as pessoas não levam pro lado ruim, é até uma análise. E eu vejo isso acontecer com todo mundo, como o Frejat. As pessoas chegam e dizem: ah, o Barão Vermelho era tão legal com o Cazuza. Tem quem fale que só tinha rock legal nos anos 70, 80… Poxa, também tinha coisas horrorosas nessa época. Toda época tem coisa boa e ruim.

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Verdade. Vamos falar dos últimos 10 anos então? Quando olha pra trás e vê tudo o que já fez, fica satisfeita?
Estou muito feliz. Agora, então, acho que eu me encontrei mais ainda nesse disco, o Modinhas (2013), nesse momento da carreira, porque eu voltei muito ao que eu era. Na pré-produção, fui pra Chapada Diamantina, levei a guitarra, vários pedais… Foi muito como no início da Penélope, sendo eu mesma, sendo o que eu sou. Me tranquei num quarto, criei camadas, arranjos. “Rolo Compressor” surgiu assim. É uma música do Pedro Verissimo. Ele me mandou e é uma das minhas preferidas do disco. Eu fui testando, fazendo as camadas, e é muito mais eu, sem estar presa a nada, até porque sou só eu, sem uma banda, tomando as decisões. Numa banda, você precisa ser democrático. A gente pelo menos era, não tomava nenhuma decisão que todo mundo não concordasse, o que é um saco às vezes, porque é cansativo, mas é importante. Eu e a Constança [Scofield, ex-integrante da Penélope] somos muito complementares, a gente sempre tinha a mesma opinião, e até trazia a galera pro nosso bloco. Bom, mas na carreira solo, você fica mais livre, toma mais as decisões, e é claro que você tem a banda, que está ali arranjando, somando…

Eu ia perguntar exatamente isso, pois você tem os meninos que te acompanham…
Eu amo os meninos. Falei hoje pro Fred [baterista, ex-Raimundos], que vai além. É um amor, é energia que rola, sabe, você olha pro outro e o olho está brilhando, com uma alegria de estar fazendo aquilo. Engraçado que as pessoas vêm falar comigo sobre isso. Teve um cara de Belo Horizonte que chegou dizendo: nossa, que banda, é um astral, é divertido, todo mundo se dá bem. Isso passa pra todo mundo. A gente se diverte o tempo inteiro, no palco e fora dele, a gente gargalha junto. E eles são uns amores, são amigos mesmo. Isso é muito legal.

Muitas bandas, às vezes, não se divertem, e isso é muito importante, né?
Há bandas novas que querem começar com tudo programadinho pra fazer sucesso. Aí, já começa pelo motivo completamente errado, né? Tem o cara que começa com motivos tipo “vou pegar mulher”, e já começou errado também. Tem que começar por um motivo nobre, que é fazer música. Claro que acontece do cara montar a banda pra pegar mulher e acaba fazendo sucesso, mas pra mim, não é um motivo nobre. Acontece também com as bandas que têm uma carreira muito longa e perdem aquele frescor no palco. Também está fazendo porque é um trabalho, batendo ponto. A gente fez o Porão do Rock, em Brasília, e os Titâs me chamaram pra tocar. Quando eu subi no palco, a energia dos caras era uma coisa adolescente, uma energia de iniciante, sabe, eles estavam fazendo aquilo com amor. Depois, eu até falei pro Branco Mello que aquilo me comoveu. Fiquei emocioanda com eles, por conseguirem manter isso depois de tanto tempo, pois bandas com carreira longa, às vezes, perdem isso. Ou seja, o segredo é também conseguir fazer a manutenção.

Sim, bandas também se tornam aquela pessoa que vem falar com você com saudade do passado…
É, e cara, eu fiquei tão feliz de ver isso nos Titãs. E agora ainda lançaram um discaço, né, no nível do Cabeça Dinossauro (1986).

Por falar no Porão do Rock, li uma resenha que falava mais ou menos assim: Érika é fofa, mas é aceita pelo rock. Achei estranho, pois você sempre foi do rock.
Pois é, mas nem todo mundo é informado como você. O problema é esse (risos). Tem várias coisas em jogo, né? Tem o preconceito. Tem uma galera que ainda tem essa imagem da Penélope, uma coisa bem adolescente, mas mesmo assim, a Penélope era muito rock’n’roll, era profundo. A galera via de uma maneira muito rasa, porque o que estourou foi “Holliday”, que era uma música mais levinha, mas tinha pop art, new wave, muita Jovem Guarda, tinha tudo ali, e as pessoas não conseguiam captar muito isso. E tem o preconceito com a Jovem Guarda, com mulher tocando…

Ainda existe isso?
Acho que não. Eu senti, na minha carreira inteira, só uma vez. Quando eu tinha 14, 15 anos, me chamaram pra entrar numa banda na escola, que já fazia o maior sucessinho entre os festivais de colégio, em Salvador. Toquei com os meninos, mas um dia eles me chamaram pra uma reunião. Quando eu cheguei, eles falaram o seguinte: olha, a gente quer te tirar da banda, porque mulher não faz rock. Eu falei: como assim, e a Rita Lee? E o primeiro rock do Brasil, que foi gravado por uma mulher, a Nora Ney? Fiz todo aquele discurso, mas eles me limaram da banda, cara, porque aquilo não era coisa pra mulher. Hoje em dia, eu sempre falo: um é dentista, outro… Ninguem continuou tocando. Só eu. Depois, nunca mais passei por nenhuma situação de machismo e não vejo acontecer também.

Erika Martins em Porto Alegre

Aliás, você nunca levantou bandeira, né?
Nunca levantei, porque eu acho que levantar qualquer tipo de bandeira é sublinhar aquilo, é legitimar tanto preconceito. O momento em que não se falar sobre isso é o momento ideal, né? Porque está ali, de igual pra igual. Eu era muito amiga da Vange Leonel, e ela, com todo o discurso dela, com os livros que escreveu, foi a pessoa que mais entendeu a Penélope. Ela entendeu o femininsmo na Penélope, e isso foi sensacional. A gente teve um papo uma vez… Ela assistiu ao show em São Paulo, pirou e ficou falando sobre isso, que a gente era feminista sem levantar bandeira, porque não precisava. A gente estava ali e acabou. É muito pequeno também achar que, pra ser feminista, tem que levantar bandeira, se vestir não sei como. Pra mim, o maior machismo é se vestir igual a um homem pra fazer rock ou qualquer outro trabalho tido como masculino. Por que eu não posso ser mulher, me vestir como uma mulher e fazer do mesmo jeito? E eu nem acho que não existe diferença. Tem diferença, e eu não quero ser como um homem. O grande lance das diferenças é que niguem é melhor que ninguém, a gente tem que respeitar e acabou.

E é só você de mulher na equipe?
Não, tem a produtora também, mas os meninos são muito gentis, carinhosos, guris de apartamento. Todos bonzinhos (risos).

E viajaram todos juntos pra Europa. Como foi?
Foi sensacional. Tem milhões de histórias. Fomos pra Alemanha, Holanda, Espanha… Na Espanha, a gente tocou num festival imenso, numa praça, de graça. A galera que estava tocando também era de vários lugares diferentes, como Venezuela e Portugal. Foi bem legal. Na Alemanha, a gente tocou num lugar subterrâneo, num evento de graffiti. No show da Holanda, rolou um lance muito legal também. Eles pediram bis 5 vezes, e isso nunca tinha acontecido comigo. Eu nunca tinha passado por isso na minha vida. O Fred, a gente até brincou que, quando voltar lá, vai ter um busto dele. O Fred, sério, a galera ficou enlouquecida por ele. A gente tem essa coisa brasileira que, independente do que estiver tocando, tem um suingue diferente. A gente tocou também no último dia da Copa, em Frankfurt, num evento que comemorava a volta da seleção alemã pra casa. Aí, teve o nosso show, e depois a gente ficou vendo o jogo. Foi divertidíssimo. A gente saiu na rua pra ver a Alemanha campeã.

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E agora, o que você está planejando?
O inicio do ano foi uma loucura pra gente. Lançamento do Modinhas, aí o Rodrigo Penna chamou o Chuveiro in Concert (projeto paralelo de Érika) pra fazer o Bailinho (tradicional festa carioca), que teria um segundo palco pela primeira vez. É um karaokê com banda, em que eu fico fazendo mais o papel de MC. É o playground da gente, porque é muito divertido. Toca as cosias que a gente não poderia tocar no show. Aí, a gente fez janeiro e fevereiro, todos os domingos, no MAM, no Rio. Foi uma loucura, porque estava fazendo os shows do Modinhas, fazendo Bailinho, e ainda teve uma temporada do Lafayette e os Tremendões (outro projeto paralelo) no meio, todas as quartas, no Teatro Solar, de Botafogo.

Haja voz, heim?
Não, haja pé, porque com esse salto… Quando terminou essa temporada toda, eu falei: gente, estou indo lá pra Chapada Diamantina, na Bahia… Cheguei e não penteava nem o cabelo, quase hippie, de Havaianas… Voltando aos projetos, Chuveiro e Lafayette seguem rolando e ainda tem o programa que foi gravado pro Canal Brasil e vai sair em DVD. A gente gravou no Rio, com direção de Dadá Bürger, participação do Herbert Vianna… A gente refez o dueto de “Inbetween Days”, do The Cure, depois de muito tempo, então foi lindo. Nesse momento, eu olhava pra frente e via a galera filmando com aquele olhinho mareado. Foi lindo, todo mundo se emocionou. O legal é que também é um doc sobre a minha carreira toda. É tanta história… Eu mesma me surpreendia com tanta história, e ainda tem tanto por vir. Os netos, coitados, vão ouvir muito, né? E eu já falo horrores… O programa começa a ser exibido no início do ano, e o lançamento vem logo em seguida.

E a tour do Modinhas continua…
Sim, porque show, pra mim, pode ser Rock in Rio pra 200 mil pessoas, como já fiz, ou um menorzinho. Eu vou estar me divertindo do mesmo jeito. Claro que, com mais gente, você vai ter uma troca de energia muito maior, mas o divertimento é o mesmo, até porque a gente ama fazer isso, cara, é muito amor. Bate uma onda. Você não tem noção, é uma loucura. Quando vê, já está em alfa.

Nota da redação: Quando tivemos esse papo, o projeto Érika & Gabriel ainda não tinha sido lançado. A estreia da dupla formada com o marido, Gabriel Thomaz, do Autoramas, rolou com um EP, que você pode ouvir no player abaixo:

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15/12/2014

Lidy Araujo é uma grande mulher. Porém, louca.
Lidy Araujo

Lidy Araujo