É na luta cotidiana que se forja a mulher, como bem lembra a data de 8 de março. Mais de um século se passou desde que os protestos das trabalhadoras industriais dos Estados Unidos inspiraram a criação do Dia Internacional da Mulher, mas a situação social das mulheres ainda assusta, especialmente em um país como o Brasil.
O mundo da produção músical, onde teoricamente as pessoas precisariam desenvolver o mínimo de sensibilidade para fazerem seus trabalhos, não está imune aos efeitos nocivos de uma sociedade que prioriza a atuação dos homens. Pelo contrário, reflete como um espelho as distorções e violências entre gêneros que são tão comuns em nosso país.
Esse assunto esteve presente em muitas das entrevistas célebres publicadas pela NOIZE nos últimos tempos e, abaixo, separamos dez exemplos de artistas que fazem da sua música uma ferramenta de conquistas. Tássia Reis, Elza Soares, Marisa Monte, Fernanda Abreu, Akua Naru, Mãeana, Camila Garófalo, Dom La Nena, Assucena Assucena (As Bahias e a Cozinha Mineira) e Lauren Zettler (Savoir Adore) falaram sobre o espaço e o valor que se dá às mulheres. Confira:
“A música sempre foi um ambiente muito masculino. Todos os meus músicos são homens, os técnicos e os produtores também são somente homens. As exceções sempre foram as vozes, porque é algo que o homem não pode fazer (risos). Até que alguns tentam (risos). O papel da mulher na música tradicionalmente foi sempre de intérprete, com raríssimas exceções na composição, como a Dona Ivone Lara. Mas as grandes vozes femininas da música brasileira não eram de compositoras, como a Carmem Miranda e a Dalva de Oliveira. Foi a partir dos anos 80 que a mulher começou a compor mais e esse papel da sensibilidade e da presença feminina na música passou a se transformar. Ainda há espaço para novas instrumentistas, empresárias, produtoras… Ainda é um mundo muito masculino, mas eu sempre me senti bem, pois o que eu fazia eles não podiam fazer. Talvez se eu tivesse investido na carreira de guitarrista poderia ter sido mais difícil (risos)”.
Marisa Monte, leia na íntegra
“Não importa quem você seja, você quer se ver representado. Tanto quando eu era uma pequena garota negra quanto agora como uma mulher negra adulta, eu gosto de me ver representada. Eu quero ouvir a minha história e quero que histórias parecidas com as minhas sejam contadas. Eu quero nos ver em toda nossa beleza e todo nosso esplendor. Ser representada, ser ouvida. Sabe? Em todas as diferentes formas com as quais podemos nos representar. Então, ver mulheres diferentes se expressando no hip hop foi poderoso, assim como em outras formas de arte, não só no hip hop. Mas é isso, foi empoderador e inspirador. Eu estou só fazendo meu trabalho e torço pra que alguém em algum lugar esteja ouvindo e que alguém goste. Mas eu gosto, e isso que é importante. Sabe? Eu estou só sendo autêntica e emprestando a minha voz, falando com verdade e tentando contar histórias que soem honestas para mim. Eu não sei, eu não vou dizer que estou aqui para inspirar as pessoas. Estou aqui pra ser eu mesma. E se alguém encontrar inspiração nisso então eu vou ficar honrada, é uma grande honra. É uma responsabilidade e uma honra”.
Akua Naru, leia na íntegra
“Pô, eu nunca aceitei esse tipo de pressão. O mundo da música já é muito machista, tem muito homem. Muito homem, demais, dentro de estúdio, no show bussiness, dentro das gravadoras, na banda, é muito mais homem do que mulher. Então eu sempre tive que me impor, de uma certa maneira. Sempre tentei na base da delicadeza, nem sempre foi possível. Cara, eu fico meio na minha, eu não aceito, eu ouço sugestões, mas eu não entro muito nessas ondas. Ah, que tem que fazer botox, tem que fazer plástica, por enquanto o meu medo é maior do que a minha vaidade. Quanto à juventude mesmo, eu acho que não tem muito a ver com a aparência, eu me sinto com 20 anos, tô com uma puta energia!”
Fernanda Abreu, leia na íntegra
“Era para ser comum, se pensarmos que o rap vem de uma cultura periférica e tudo mais, mas a gente sabe que o machismo e o racismo na sociedade são uma realidade. Eles impedem de outras maneiras que as mulheres consigam avançar no mundo da música, que dirá no rap, que são outras circunstâncias. Eu acredito que a representatividade é importante no sentido de que as pessoas precisam se enxergar, mas ainda é pouco. Estamos num cenário pequeno, precisamos nos enxergar no mainstream, na mídia, na publicidade, e não queremos mais só ver uma lá. Já estamos passando o nível da representatividade, que é a equidade, e daí é um pouco mais profundo, que vai mexer no privilégio das pessoas. Mas nós queremos isso, é importante”.
Tássia Reis, leia na íntegra
“Ser mulher… Primeiro, é uma palavra que me toca profundamente, me transpassa. Ser mulher é viver o mundo com outros óculos, mais sensíveis. E quando eu digo sensível eu não quero dizer mais fraco, é mais apurado mesmo. Eu acho que até quando um homem se propõe a expressar sua feminilidade o olhar dele começa a ficar mais sensível. E eu acho que a mulher é responsável por trazer essa construção social da sensibilidade com o outro e com a vida. Então ser mulher é a água, ser mulher é a própria vida. É a vida. É a existência. É a beleza. É a sabedoria. São todos esses “as” que se manifestam em nós e por nós. Por nosso entendimento”.
Assucena Assucena (As Bahias e a Cozinha Mineira), leia na íntegra
“Não é incomum estar em turnê e ser a única garota na casa noturna até as portas abrirem. Mas isso não é necessariamente específico para a indústria da música. Existem mulheres incríveis trabalhando em todas as áreas da música e, enquanto elas não são a maioria, existem algumas mulheres incrivelmente inteligentes e fortes, construindo um caminho significativo para criar um melhor equilíbrio. Eu me sinto sortuda por estar entre elas”.
Lauren Zettler (Savoir Adore), leia na íntegra
“A maternidade é uma experiência muito primitiva e essa questão do sagrado feminino e da deusa é muito primitiva mesmo, é uma coisa que está na terra, na água, é uma força que está no corpo da mulher. É uma coisa básica, mas, por outro lado, está faltando muito. Está muito em falta a “Deusa”, estamos acostumado com “Deus”, um homem que criou e tal… E o mundo está muito fálico, está muito desequilibrado. Então qualquer esforço em função desse equilíbrio está valendo, é ultra necessário. Tanto para as mulheres reconhecerem o próprio corpo quanto pra todo mundo entender de onde que a gente vem. Porque temos essa passagem pelo útero e [reconhecer isso] nos ajuda a valorizar a vida de todo mundo. Se a gente aprendesse a valorizar a vida, com certeza a coisa não estaria do jeito que está. E acho que isso tem muito a ver com o valor da mulher e da Deusa”.
Mãeana, leia na íntegra
“Alguns jornalistas desmereceram o meu trabalho e eu jamais vou saber se foi pelo conteúdo do clipe ou se foi simplesmente porque não gostaram. Tenho a impressão de que quando um homem se depara com uma situação na qual ele não tem papel nenhum, isso o incomoda, o repele e, muitas vezes, o enfurece. Estamos falando de um clipe com elenco formado apenas por mulheres, todas autossuficientes para fazer qualquer coisa, sem depender de ninguém, inclusive, de homem nenhum. Estamos falando de um mercado musical dominado por homens produtores que estão o tempo todo cometendo abuso de poder. Afinal em quantos nomes de mulheres produtoras você consegue pensar agora nesse momento? Cite três baixistas em dez segundos, por exemplo. Ou ainda tente lembrar o nome de uma mina que trabalha como técnica de som. Difícil, né? E não é que não existe. O mundo está cheio de instrumentistas, produtoras e mulheres extraordinárias capazes de carregar nas costas muito marmanjo por aí. Mas elas não aparecem, ou então estão correndo atrás do tempo perdido por terem sido subestimadas e apenas valorizadas quando são boas mães e ótimas esposas. É foda. Mas a gente não vai desistir e, apesar de me entristecer pela opinião negativa de algumas pessoas, eu não vou parar de fazer música de protesto”.
Camila Garófalo, leia na íntegra
“Tenho um grupo de amigas e a gente costuma viajar juntas pela França fazendo alguns shows e, nessas ocasiões, a gente sente muito a falta de crença das pessoas num trabalho exclusivamente feminino. Eu sei que, se nós fôssemos todas homens, seríamos levadas bem mais a sério. Às vezes as pessoas não entendem ou não querem entender”.
Dom La Nena, leia na íntegra
“Avançou, mas de uma maneira muito pequena. Tá tudo por baixo dos panos ainda, ainda precisamos avançar muito mais. Ainda falta muito. Toda mulher deve gritar muito. Mas gritar! Gritar! Gritar mesmo! Quando estiver sofrendo algum vexame, alguma agressão, que grite!”.
Elza Soares, leia na íntegra