Para algumas pessoas, um só país não é suficiente. A rapper Akua Naru nasceu em New Haven, nos Estados Unidos, mas morou em Chengdu, na China, e há anos ela não para de viajar ao redor do mundo. Desde 2011, sua casa é em Colônia, na Alemanha, mas na verdade isso não importa muito. Nesta entrevista exclusiva feita pouco antes do seu primeiro show em Porto Alegre, onde dividiu o palco com Tássia Reis, Akua explica que a sua casa é o mundo.
E esse olhar sem fronteiras vem de cedo. Desde adolescente, a cantora está em contato com os ideais de personalidades que lutaram pela igualdade de direitos dos negros e das mulheres, como Malcolm X, Angela Davis e Assata Shakur, e essa bagagem se reflete com rara beleza em sua obra. Mais do que uma artista do entretenimento, Akua é um polo emissor de reflexão crítica. Não fique surpreso com o fato de que ela já foi convidada para falar em muitas universidades, como Princeton (Estados Unidos), Folkwang University (Alemanha) e Ahadi Women’s University, no Sudão. Dona de um discurso simples e impactante, Akua Naru já fez palestras tanto com a famosa autora Tricia Rose quanto com Chuck D, do Public Enemy.
Seu disco mais recente, The Miner’s Canary (2015), foi gravado em vários países, incluindo o Brasil. Na conversa que você lê abaixo, a rapper conta que tem uma conexão especial com o nosso país e revela ainda que já gravou faixas que nunca foram lançadas com Emicida, Kamau e Rashid. Imagina o que vem por aí…
Quando você começou a fazer música e quando se deu conta de que ela poderia ser uma ferramenta para estimular mudanças sociais?
Eu sempre li poesia e desde que era uma garotinha eu já encontrava meu jeito de criar músicas. E sempre fui uma pessoa que fazia perguntas aos outros sobre o que estava acontecendo no mundo. Qualquer coisa que eu criasse, obviamente, iria refletir a pessoa que eu era naquele momento então acho que eu sempre soube que eu poderia criar qualquer coisa como um reflexo de quem eu sou. Não acho que tenha havido um momento em que minha música tenha se tornado mais política, porque tudo é político.
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A música, e o hip hop particularmente, tem um poder enorme para estimular mudanças sociais. Você tem visto isso acontecer nas suas viagens ao redor do mundo?
Com certeza. O hip hop está em toda parte, isso é que é bonito, o hip hop está em todos os lugares. Eu tenho viajado bastante, especialmente nos últimos anos, e em todos os lugares onde estive vi as pessoas usando essa música e essa cultura para serem ouvidas. Está dando voz às pessoas de um jeito que eu não sei se outros gêneros de música fazem. Acho que o hip hop é muito especial nesse sentido. E também acho que, com a internet, temos conseguido nos comunicar de uma forma muito mais rápida com outras partes do mundo e isso também muda a música de algumas formas.
“HEARD” foi o primeiro clipe do disco mais recente da cantora, The Miner’s Canary, assista:
Você nasceu nos Estados Unidos, mas chegou a morar em várias partes do mundo?
Eu viajei muito. Mas morei na China e agora estou mais ou menos morando na Europa.
Na Alemanha, correto? Por que você escolheu a Alemanha?
Acho que… Eu não estou realmente ficando em nenhum lugar. Agora eu estou no Brasil. Então, estou morando no mundo. Eu viajo tanto que é como se eu tivesse uma base na Alemanha. Tenho algumas coisas lá, mas não vou lá com tanta frequência. Mas por que não? A resposta na verdade é: por que não? Esse mundo é tão grande e eu sou tão pequena. Eu só quero ver, eu só quero estar, e absorver o máximo possível.
Houve algum motivo para The Journey Aflame (2011), seu disco de estreia, sair na Alemanha?
Foi porque eu estava lá naquele momento. Se estivesse no Japão, eu teria lançado no Japão. Se estivesse no Brasil, teria saído no Brasil ou onde quer que eu estivesse.
The Miner’s Canary, seu segundo disco, foi gravado em muitos lugares, inclusive no Brasil.
Sim, um amigo meu, o Fábio Hataka, tem um estúdio em São Paulo e eu gravei lá. Também gravei no estúdio da Trama. E eu gravei para esse disco algumas coisas que nem foram lançadas feitas no Zimbábue, França, Bélgica, Alemanha, Nova York… Hm… Romênia… Acho que foi isso.
Sobre a sua relação com o Brasil, você já esteve aqui outras vezes e conheceu vários músicos daqui, como o Kamau, Emicida, Rashid… Como isso aconteceu?
Eu conheci o Emicida primeiro. Temos alguns amigos em comum e ele estava indo à Europa… Quer dizer, tem várias versões, já ouvi várias histórias diferentes sobre como nós nos conhecemos. É como se a gente já se conhecesse. Teve um dia em que várias pessoas disseram: “foi desse jeito”, “não, foi daquele jeito”. O que eu acho é que uns dois anos atrás ele foi pra Europa e eu estava lá no mesmo momento e, de alguma forma, estávamos conectados às mesmas pessoas. Tenho um empresário brasileiro e ele está conectado a todo mundo, porque ele é de São Paulo, e ele tem estado na cena musical nos últimos 20 anos. Ele também foi alguém que ajudou a estreitar alguns laços que desenvolvi na época. Aí eu fiz uma turnê apoiada pelo Fióti, do Laboratório Fantasma, Emicida, Rael, e eu conheci um monte de gente, o Rashid, Criolo… Muitas pessoas diferentes, a Tássia [Reis]… Eu vim aqui e me apaixonei pelo país, esse lugar é muito especial. Já estive em muitos lugares e digo que o Brasil é muito, muito especial. Um dos meus locais favoritos.
Por que você sente isso?
É o espírito, a atmosfera, o país tem tantas caras diferentes. Quando você vai à Bahia é uma atmosfera tão diferente daqui do Sul, entende o que eu quero dizer? E Brasília não é igual ao Rio. E o Rio não é igual a São Paulo ou Curitiba. São Paulo é tão grande, e tem tantas formas diferentes de ver a cidade, sabe? Eu realmente gosto disso, dessas diferentes influências culturais que acontecem quase ao lado uma da outra. E tem muito ativismo acontecendo por aqui. Eu conheci algumas pessoas muito interessantes, muito comprometidas, que trabalham pelo bem de diferentes comunidades aqui e eu pude aprender muito sobre as suas experiências e compartilhar as minhas em troca. E a comida é incrível. O clima foi maravilhoso da última vez em que estive aqui, agora está um pouco frio. Mas é um grande e lindo lugar. Eu poderia escrever uma lista! Poderia falar por horas sobre isso. Tem algo muito especial sobre esse país que eu nem consigo descrever.
Qual sua impressão sobre o hip hop brasileiro? Vê alguma particularidade nele? Como soa pra você?
É legal, é uma mistura de coisas diferentes. Às vezes se ouve uma mistura de samba com hip hop, às vezes tem uma engenharia de som que é específica desse lugar. Vi o Emicida fazer isso misturando alguns padrões de ritmos diferentes, o Criolo também, eu fui em um show seu em São Paulo três anos atrás e ele estava fazendo uma mistura de diferentes estilos. É interessante, é algo muito único e eu gosto.
Assista ao encontro de Emicida, Kamau e Rashid no show que Akua Naru fez em São Paulo no último dia 6:
E você já gravou ou tem planos de gravar com rappers brasileiros?
Eu gravei ontem mesmo com o Kamau e uma banda brasileira. E eu já gravei com o Emicida, e na verdade gravei uma faixa com o Rashid que nós nunca lançamos. Eu e a Tássia falamos muito sobre fazer uma faixa juntas. O tempo está muito curto dessa vez, mas eu vou voltar e nós teremos chance de fazer isso. Com certeza.
Nada disso foi lançado ainda, né?
Não, ainda não.
Naquela música, “The World is Listening”, você homenageia muitas rappers, como Lauryn Hill, Queen Latifah… Qual a importância aquelas mulheres tiveram na sua juventude?
Não sei, quer dizer… Não importa quem você seja, você quer se ver representado. Então, tanto quando eu era uma pequena garota negra quanto agora como uma mulher negra adulta, eu gosto de me ver representada. Eu quero ouvir a minha história e quero que histórias parecidas com as minhas sejam contadas. Eu quero nos ver em toda nossa beleza e todo nosso esplendor. Ser representada, ser ouvida. Sabe? Em todas as diferentes formas com as quais podemos nos representar. Então, ver mulheres diferentes se expressando no hip hop foi poderoso, assim como em outras formas de arte, não só no hip hop. Mas é isso, foi empoderador e inspirador.
E como você se sente agora, estando no palco, de alguma no lugar onde estavam aquelas mulheres quando você era criança? Como se sente nesse papel de servir de inspiração para outras jovens negras?
Eu não sei se estou inspirando… Eu não penso nisso. Eu estou só fazendo meu trabalho e torço pra que alguém em algum lugar esteja ouvindo e que alguém goste. Mas eu gosto, e isso que é importante. Sabe? Eu estou só sendo autêntica e emprestando a minha voz, falando com verdade e tentando contar histórias que soem honestas para mim. Eu não sei, eu não vou dizer que estou aqui para inspirar as pessoas. Estou aqui pra ser eu mesma. E se alguém encontrar inspiração nisso então eu vou ficar honrada, é uma grande honra. É uma responsabilidade e uma honra.