Com suavidade na voz e força nas palavras, Tássia Reis nos encanta a cada som que lança. Dona de uma delicadeza poderosa na hora de fazer seu rap, ela não deixa seus quadris (nem seus neurônios) ficarem parados. A cada batida, a cada verso, a cada rima, Tássia transforma seu manifesto em poesia e sua poesia em música.
Após seu primeiro lançamento, o EP Tássia Reis (2014), a rapper veio ganhando mais visibilidade. Já dividiu músicas com artistas como Marcelo D2, Izzy Gordon e Liniker e, há pouco, lançou um novo disco, o Outra Esfera (2016). Disposta a mostrar ao mundo que a mulher negra quer e tem direito ao seu espaço, não só na mídia, mas na rua, ela soltou um álbum repleto de músicas dançantes e letras para lhe fazer pensar e entender um pouco mais sobre a representatividade, essa palavra que vem sendo muito citada por aí.
O machismo e o racismo são pautas muito presentes entre as sete faixas do novo disco e, com propriedade, Tássia Reis nos conta como é estar na pele e ser alvo dessas duas opressões (por ser uma mulher, negra, cantando no rap), mas nunca abaixar a cabeça, seguindo sempre seu sonho de mudar esse pensamento e o mundo de forma geral. Leia abaixo a conversa que tivemos com ela pouco antes de dividir o palco com a norte-americana Akua Naru e a porto-alegrense Fyah Rocha.
Como você descreveria a Tássia Reis?
Olha, como explicar… (Risos) Bom, a Tássia Reis é uma menina do interior bem humilde, mas que ao mesmo tempo quer ganhar o mundo de alguma maneira. Vou começar a falar em primeira pessoa (Risos). Então, eu venho com a minha verdade, com as pessoas que eu acredito, com o meu posicionamento político, com meu corpo político de mulher negra, com tudo o que a sociedade tem para não me oferecer e tudo o que eu quero que ela me ofereça, então é um grande conflito de ideias que faz disso acontecer música. E não só música, mas pensamentos, reflexões também, e a partir daí entendendo quem é esse indivíduo, quem é essa pessoa e o que ela pode fazer de melhor para si mesmo e de repente, de alguma forma descontraída, contribuir para alguma coisa no mundo.
E sobre o novo disco, o Outra Esfera, como você diferencia do anterior?
A palavra “outra” pode ser uma coisa diferente, completamente diferente, ao passo que ela pode ser a mesma coisa, só que de uma “outra” forma. Eu entendo que o Outra Esfera vem com esse peso de que é a continuação do que foi o EP Tássia Reis, mas com outras ideias. E a partir daquelas outras ideias que surgiram, outras vivências, outros pensamentos mais fortalecidos e outros questionamentos começados. Então é realmente uma outra perspectiva de ver o que eu já estava olhando antes, que sou eu mesma, só que de outros ângulos.
Esse formato do disco, de 7 faixas, foi lançado assim mais por acreditar no potencial artístico ou por uma demanda comercial?
Não. A gente é independente, né? (Risos) Não que a gente não tenha essa demanda comercial, mas ele veio como uma necessidade. Já fazia 2 anos que eu não lançava nenhum trabalho mais conciso, lancei “Desapegada” e outros projetos paralelos, mas a gente sentia a necessidade de soltar mais coisas, né, as coisas que eu venho pensando esse tempo todo. A gente precisava colocar isso na rua. O Outra Esfera também vem com essa responsa de botar algumas ideias na mesa pra gente continuar, porque as ideias não param né, tem ideia para vários discos.
O som do Outra Esfera mostra uma união da música afro tradicional à produção bem eletrônica, né. Qual a importância de trazer esses elementos da cultura afrobrasileira pro contexto da música contemporânea?
Bom, eu tenho uma busca de conhecer quem veio antes de mim, e respeitar isso. Acho que isso se tornou mais presente na minha vida depois que eu comecei a buscar o Candomblé também. É uma coisa que vem surgindo já de um tempo pra cá, querendo ser o mais respeitosa possível, de celebrar os meus ancestrais de maneira que traga o que a gente é agora. Então, devagarzinho vamos colocando um elemento e outro, mas tem bastante a ver com a busca do equilíbrio e com o olhar para trás e entender o que rolou no passado e enxergar com um novo olhar para o futuro. É um bom ponto de partida para não esquecer o que foi feito.
E sobre inspiração, o que lhe motiva a escrever uma música? Como é o trabalho de transformar sentimentos bons e ruins em versos e sons?
Eu penso que a inspiração não é uma coisa, ela é um estado. E quando você está nesse estado qualquer coisa pode te inspirar, seja um pensamento, seja um romance, seja a flor que caiu no chão, o passarinho que apareceu na janela, como foi no outro disco, seja uma angústia, a morte ou o nascimento de alguém, então, o estado da inspiração permite que eu fale sobre qualquer coisa de maneira poética e aí eu tento entender que quando eu estou naquele momento de pensar em escrever, quando estou “sentindo aquela parada esquisita” (risos) que é maravilhosa, né, eu tento potencializar aquilo que eu já estou sentindo de uma forma mais poética mesmo.
Quanto à representatividade da mulher negra no rap, que está cada vez mais ganhando espaço e ao mesmo tempo lida muito com temas como machismo e racismo. Qual sua visão?
É uma coisa que era para ser comum, se pensarmos que o rap vem de uma cultura periférica e tudo mais, mas a gente sabe que o machismo e o racismo na sociedade são uma realidade. Eles impedem de outras maneiras que as mulheres consigam avançar no mundo da música, que dirá no rap, que são outras circunstâncias. Então para mim é uma honra poder estar aqui dividindo o palco com a Fyah (Rocha) que é local e com a Akua (Naru) que eu escuto há tanto tempo e são mulheres excepcionais.
Eu acredito que a representatividade é importante no sentido de que as pessoas precisam se enxergar, mas ainda é pouco, estamos num cenário pequeno, precisamos nos enxergar no mainstream, na mídia, na publicidade, e não queremos mais só ver uma lá. Já estamos passando o nível da representatividade, que é a equidade, e daí é um pouco mais profundo, que vai mexer no privilégio das pessoas. Mas nós queremos isso, é importante.
E nesse meio, como é para você ser artista independente no Brasil?
Olha, eu nunca fui de gravadora, né (risos). Eu sou de uma geração do rap, da música indie, que meio que não conheceu muito gravadora, veio do faça você mesmo com a internet como plataforma. Ao mesmo passo que é difícil, que tudo demanda planejamento, grana e outras coisas para poder se realizar, a gente tem a autonomia de criar por onde a gente achar que é bacana. Essa liberdade é muito interessante, ela é maravilhosa, eu adoro fazer o tipo de música que eu faço sem ter que pedir para alguém para poder fazer, essa autonomia é muito bacana no cenário independente. Mas o mercado independente é complexo, as coisas hoje em dia são muito rápidas né, são instantâneas, então a gente também tá compreendendo esses novos avanços da mídia e como continuar interagindo com eles e avançando também.
Então, para finalizar, pode contar um pouco sobre quais serão os próximos passos da carreira?
Acabamos de lançar o disco, temos um monte de coisa para fazer com ele, levar para a maior quantidade de lugares que conseguirmos no Brasil, e fora dele talvez.
Mas também estamos finalizando um trabalho audiovisual e temos outros a caminho. Vamos trabalhar bastante o Outra Esfera, mas temos também projetos mil e planos mil. Estou bem animada com as coisas que estão rolando, assim como com a repercussão e a quantidade de pessoas que estão ouvindo também a partir de agora. A minha carreira já é feita pela internet, né, então cada vez que uma pessoa compartilha ou marca alguém e diz “você precisa ouvir isso” para mim é ótimo porque a pessoa vai ouvir, e vai precisar falar pra outra pessoa se ela gostar. Então essa corrente tem sido orgânica e num passo tranquilo, mas também a gente não tá com pressa, não (risos).